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Infecção aguda e latente em ovinos inoculados com o herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5) (página 2)

Adriana M. Silva, Eduardo F. Flores, Rudi Weiblen, Sônia A. Botton, Luiz F.

 

4. Material e métodos

Animais e desenho experimental

Vinte e oito ovinos da raça Corriedale, de ambos os sexos, com idade entre 45 e 60 dias e soronegativos ao BHV-5, foram utilizados nesse estudo. Foram realizados dois experimentos independentes, utilizando as amostras A663 (Carrillo et al. 1983) e EVI-88 (Roehe et al. 1997). Em ambos os experimentos, os animais foram inoculados pela via intranasal. Avaliação clínica e coleta de secreções nasais foram realizadas diariamente até o dia 21 pós-inoculação (pi). Alguns animais inoculados foram mantidos por 75 dias, para estudo da infecção latente. Iniciando aos 50 dpi, esses animais foram tratados com dexametasona (Azium, Schering-Plough) pela via intramuscular, em cinco doses diárias (0,1mg/kg), sendo posteriormente monitorados clinicamente e submetidos a coleta de secreções nasais para a pesquisa de vírus. Coletas de sangue para sorologia foram realizadas no dia da infecção experimental, 15 dias após, no dia do tratamento com dexametasona e 15 dias após.

Experimento 1. Nove ovinos foram inoculados com uma suspensão contendo aproximadamente 5 x 106 DICC50 (dose infectante de 50% de cultivo celular) da amostra A663 e três animais mantidos como controles foram inoculados com MEM. Animais foram sacrificados para necropsia e coleta de tecidos para isolamento de vírus nos dias 5, 6, 8, 10 e 13 pós-inoculação (pi). Cinco animais (três inoculados e dois controles) foram mantidos por 75 dias para o estudo da infecção latente.

Experimento 2. Doze ovinos foram inoculados com aproximadamente 5 x 107,64 DICC50 da cepa EVI-88. Quatro animais não inoculados permaneceram em contato com os demais para avaliar-se a transmissão do vírus entre os animais. Treze animais (10 inoculados e três sentinelas) foram mantidos por 75 dias para estudo da infecção latente.

Células, vírus e inoculação. Os procedimentos de multiplicação, quantificação, soro-neutralização e detecção de vírus em secreções e tecidos utilizaram células de linhagem de rim de feto bovino (MDBK). As células foram cultivadas em meio essencial mínimo (MEM), contendo penicilina (1,6mg/l), estreptomicina (0,4mg/l) e suplementado com 10% de soro fetal bovino (Cultilab). A amostra A663 foi gentilmente cedida pela Dra Elba Laura Weber, Inta Castelar, Buenos Aires, Argentina. Essa amostra foi isolada por Carrillo et al. (1983) de casos de meningoencefalite em bezerros na Argentina e posteriormente caracterizada (Metzler et al. 1986, Bratanich et al. 1991). A amostra EVI-88 foi isolada de casos de meningoencefalite em bovinos no Rio Grande do Sul e parcialmente caracterizada (Roehe et al. 1997). Os vírus foram amplificados em células MDBK, até o nível de passagem 8 (A663) e 6 (EVI-88), e estocados a -70°C. Suspensões de vírus, contendo aproximadamente 107,11 DICC50 (A663) e 5 x 107,64 DICC50 (EVI-88) foram inoculadas profundamente nas narinas com o auxílio de cotonetes de algodão. Cada animal foi inoculado com 5 ml da suspensão viral, dividido nas duas narinas.

Detecção de vírus

Secreções nasais. Secreções nasais foram coletadas com o auxílio de cotonetes de algodão estéreis. Esses swabs nasais foram obtidos pela introdução profunda e massagem desses cotonetes sobre a mucosa nasal. Os swabs foram então imersos em 2 ml de meio de cultura (MEM contendo 5x a concentração normal de penicilina e estreptomicina), homogeneizados, drenados, e o líquido resultante foi centrifugado à 6.000 rotações por minuto (rpm) por 5 minutos para a remoção de detritos e restos celulares. Após, uma alíquota de 0,5 ml foi adsorvida sobre um tapete de células MDBK (aprox. 2 x 105 células) cultivadas em placas de poliestireno de 24 cavidades, por uma hora a 37°C. Após remoção do inóculo e lavagem do tapete celular com MEM, o meio de cultivo foi adicionado e as células incubadas a 37ºC em atmosfera de 5% CO2.

Tecidos. Secções do encéfalo coletadas na necropsia foram maceradas e desintegradas utilizando-se areia estéril. Após completa desintegração e homogeneização, o material foi resuspendido em MEM (10% peso/volume) e centrifugado a 2.500 rpm por 10 minutos. O sobrenadante foi coletado e inoculado em células MDBK. Após 1h de adsorção a 37ºC, o inóculo foi removido e as células foram lavadas com MEM e adicionadas de meio de cultivo. As células inoculadas com material de swabs nasais ou de tecidos foram monitoradas diariamente para o aparecimento de efeito citopático (ECP). Amostras foram consideradas negativas para infectividade após duas passagens de cinco dias cada sem o aparecimento de ECP, com confirmação por imunofluorescência direta.

Quantificação de vírus. A infectividade nas secreções nasais e tecidos foi quantificada através do método de diluição limitante, em placas de poliestireno de 96 cavidades, utilizando-se diluições 1:10 crescentes do material, 8 repetições, frente à células MDBK. A leitura dos testes foi realizada após 96 horas de incubação e os títulos foram calculados de acordo com método de Reed & Muench (1938). Os títulos de vírus em secreções nasais foram expressos em Log10 DICC50 por mililitro (ml), e os títulos de vírus em tecidos foram expressos em Log10 DICC50 por grama (g) de tecido. Para o cálculo das médias dos títulos de vírus nas secreções (Quadro 1 e Fig. 1), foram considerados apenas os valores dos animais que estavam eliminando vírus no dia considerado.

Fig. 1. Títulos médios de vírus em secreções nasais de ovinos inoculados com duas amostras do herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5).

Soroneutralização. Testes de soroneutralização (SN) foram realizados de acordo com protocolos-padrão. Os testes foram realizados em placas de poliestireno de 96 cavidades, utilizando-se diluições 1:2 crescentes de soro (inativado a 56°C após 30 min.) frente à doses constantes de vírus (aproximadamente 100 DICC50 /cavidade). Células MDBK foram utilizadas como indicador. A leitura final foi realizada após 96 horas de incubação.

Histopatologia. Secções do sistema nervoso central (hemisférios cerebrais, pedúnculo cerebral, cerebelo, ponte, bulbo, bulbo olfatório e gânglios trigêmeos) foram coletadas durante a necropsia dos animais sacrificados. Em alguns animais do Experimento 1, amostras do pulmão, linfonodos bronquiais, traquéia e tonsilas também foram coletados e processadas para detecção de vírus. Parte de cada tecido foi encaminhada para detecção de vírus e parte foi fixada em formalina neutra tamponada a 10% para histopatologia. Os tecidos foram processados e corados com hematoxilina-eosina (HE) utilizando métodos de rotina.

5. Resultados

Infecção aguda

Os resultados de pesquisa de vírus em secreções nasais e do monitoramento clínico realizado durante a infecção aguda estão resumidos no Quadro 1 e na Figura 1. Os achados virológicos e alterações histológicas no cérebro do animal que desenvolveu encefalite estão apresentados no Quadro 2 e nas Figuras 2 e 3.

Fig. 2. Infiltrado inflamatório mononuclear perivascular no cérebro (Ovino n° 60). HE, obj. 16.

Fig. 3. Inclusões intranucleares eosinofílicas em astrócitos do hemisfério cerebral anterior (pontas de seta). (Ovino n° 60). HE, obj. 40

Eliminação de vírus em secreções nasais. Ovinos inoculados com as duas amostras do BHV-5 eliminaram vírus em secreções nasais a partir do primeiro dia pós-inoculação (dpi), durante 11 a 16 dias (Quadro 1, Fig. 1). Os níveis médios e a duração da eliminação viral foram superiores nos animais inoculados com a amostra EVI-88. Picos de eliminação viral ocorreram entre os dias 3 e 7 (amostra A663) e dias 2 e 5 (amostra EVI-88) (Fig. 1), com os títulos médios nesse período mantendo-se acima dos 103,0DICC50/ml (A663) e 104,5DICC50/ml (EVI-88). Títulos individuais máximos atingiram 105,89DICC50/ml (A663) e 107,11DICC50/ml (EVI-88), ambos no 2° dia após a inoculação. A diferença nos títulos de vírus entre as amostras EVI-88 e A663 foi mais marcante na fase inicial da Infecção (entre os dias 2 e 6pi), quando a diferença entre os valores médios chegou a atingir 3 Log10 (Fig. 1). A diferença entre os valores médios de eliminação das duas amostras durante todo o período, no entanto, foi inferior a 1 Log10 (Quadro 1). Infectividade não foi detectada nas secreções nasais coletadas a partir do dia 16 e 17 (Experimentos 1 e 2, respectivamente), caracterizando o final da replicação viral durante a infecção aguda. Os animais sentinela (Experimento 2) iniciaram a eliminar vírus a partir do início do 3º dia (48 h pós-inoculação). Títulos máximos (102,98DICC50/ml) foram detectados no segundo dia de eliminação, com valores oscilando até o dia 8 (Fig. 1).

Observações clínicas. Os animais inoculados com a amostra A663 apresentaram manifestações clínicas muito discretas, incluindo hipertermia passageira em um animal e leve hiperemia e umidecimento da mucosa nasal em alguns animais (Quadro 1). Os animais controle não apresentaram qualquer alteração clínica evidente. Alguns ovinos inoculados com a amostra EVI-88 apresentaram hipertermia transitória (1 a 2 dias), atingindo 41,5°C. Nove ovinos apresentaram hiperemia moderada da mucosa nasal, acompanhada de corrimento inicialmente seroso, passando a mucoso e mucopurulento (Quadro 1). Esses sinais persistiram por 3 a 4 dias e resolveram-se sem complicações adicionais. O cordeiro (nº 60) apresentou depressão a partir do 10º dia, com sinais neurológicos moderados e intermitentes. No 11º e 12º dia, os sinais neurológicos acentuaram-se, consistindo de crises de tremores, trismos mandibulares, incoordenação, perda do equilíbrio, flexão lateral do pescoço, andar em círculos e para trás. Os sinais progrediram levando o animal ao decúbito, incapacidade de permanecer em pé e movimentos de pedalagem no final do dia 12 e início do dia 13 pi, quando foi sacrificado. Três dos animais mantidos como sentinelas apresentaram sinais respiratórios discretos (Quadro 1).

Infectividade em tecidos. Alguns ovinos inoculados com a amostra A663 (Experimento 1) foram sacrificados a diferentes intervalos após a inoculação, para a pesquisa de vírus no sistema nervoso central (SNC). Em animais sacrificados nos dias 6, 8 e 10 pós-inoculação, infectividade foi detectada apenas nas tonsilas e traquéia, além da cavidade nasal. Em um animal sacrificado no dia 13 pi, infectividade foi detectada no hemisfério posterior, pedúnculo cerebral além das tonsilas, pulmão e linfonodo bronquial. Esses resultados foram os primeiros indicativos da capacidade do BHV-5 de invadir o SNC após infecção experimental de ovinos.

O animal que desenvolveu sinais clínicos neurológicos (Experimento 2) apresentou infectividade em várias áreas do encéfalo. Embora a distribuição de vírus tenha sido bilateral e presente em todas as áreas analisadas, diferentes níveis de infectividade foram detectados nas diferentes secções do encéfalo (Quadro 2). Os maiores títulos de vírus foram evidenciados no córtex dorso-lateral (105,88DICC50/g), hemisfério anterior (104,67DICC50/g), e ventro-lateral (104,52DICC50/g). Níveis médios de infectividade foram detectados no bulbo (103,01DICC50/g), ponte (102,98DICC50/g), pedúnculo cerebral (103,31DICC50/g) e no bulbo olfatório (103,11DICC50/g), enquanto níveis abaixo de 2 Log10/DICC50/g foram detectados no hemisfério posterior e cerebelo. Infectividade não foi demonstrada nos gânglios trigêmeos. Em resumo, a pesquisa e quantificação de vírus no encéfalo do cordeiro acometido de encefalite revelou infectividade em níveis variáveis, de distribuição bilateral e presentes em todas as secções analisadas.

Histopatologia. O exame histológico do SNC do cordeiro que apresentou sinais clínicos neurológicos revelou alterações microscópicas de severidade variável em diversas regiões do encéfalo (Quadro 2). Essas alterações caracterizavam-se pela presença de manguitos mononucleares perivasculares, gliose focal, degeneração neuronal ocasional e meningite mononuclear (linfo-histiocitária) (Quadro 2, Fig. 2). Inclusões intranucleares grandes, eosinofílicas, foram observadas em neurônios e astrócitos de secções do hemisfério anterior (Quadro 2, Fig. 3).

Infecção latente. Alguns animais foram mantidos por 75 dias após a inoculação para investigar-se a capacidade do BHV-5 de estabelecer e reativar da infecção latente. Iniciando aos 50 dpi, esses animais foram tratados com dexametasona durante cinco dias consecutivos e monitorados em relação à aspectos virológicos e sorológicos. O resultados da pesquisa de vírus em secreções nasais após a administração de dexametasona estão resumidos no Quadro 3. Monitoramento dos animais após a administração de dexametasona não revelou qualquer alteração clínica. Infectividade foi detectada em secreções nasais a partir do 8º dia (Experimento 1) e 4º dia (Experimento 2) do início do tratamento. Reativação da infecção, com eliminação viral em secreções nasais por dois a três dias, foi demonstrada em dois (66,6%) ovinos inoculados com a amostra A663. O terceiro animal não eliminou vírus em quantidades detectáveis. Este animal apresentou aumento do título de anticorpos neutralizantes após o tratamento (de 1:4 para 1:16). No Experimento 2, oito dos 10 animais inoculados (80%) que foram mantidos durante esse período eliminaram vírus após a administração de dexametasona. A eliminação viral durou entre 3 e 11 dias (média 7 dias), sendo intermitente em alguns animais. Os três animais sentinelas mantidos para o estudo da infecção latente eliminaram vírus após o tratamento. A eliminação viral durou de 2 a 5 dias, e ocorreu em níveis significativamente menores do que nos animais inoculados (Quadro 3). Considerando os dois experimentos, 10 dos 13 animais inoculados (76,9%) e 3 de 3 (100%) sentinelas eliminaram vírus em secreções nasais após tratamento com dexametasona. No Experimento 2, três animais apresentaram um aumento de 2 diluições (1:32 para 1:128; 1:8 para 1:32) e os demais tiveram aumento de uma diluição ou mantiveram os títulos de anticorpos neutralizantes após o tratamento com dexametasona. Nenhum dos sentinelas apresentou acréscimo detectável nos anticorpos neutralizantes após a reativação da infecção latente. Infectividade não foi detectada nas secreções de em nenhum dos animais mantidos como controle.

6. Discussão

Os resultados da inoculação experimental de ovinos apresentados nesse estudo constituem-se nas primeiras evidências diretas da susceptibilidade de outra espécie de ruminantes, que não bovinos, à infecção pelo herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5). Anteriormente, as evidências de infecção pelo BHV-5 em outros ruminantes eram indiretas e circunstanciais, restringindo-se fundamentalmente à sorologia positiva detectada em ovinos (Lindner et al. 1993a,). A escassez de informações relativas ao BHV-5 deve-se em parte à imprecisão histórica na sua classificação taxonômica (até recentemente considerado um subtipo do BHV-1) e à sua extensiva reação sorológica cruzada com o BHV-1. Contrastando com a escassez de informações relativas ao BHV-5, a susceptibilidade de ovinos e outros ruminantes ao BHV-1 tem sido bem documentada. Sorologia positiva ao BHV-1 têm sido detectada em ovinos (Taylor et al. 1977, Rosadio et al. 1993, Frolich 1996 ), caprinos (Taylor et al. 1977, Rosadio et al. 1993, Rajaraman et al. 1994) e em outros ruminantes domésticos e silvestres (Legrottagile & Mancianti 1982, Rosadio et al. 1993). Episódios de infecção natural, com o isolamento do vírus de caprinos (Mohanty et al. 1972, Tolari et al. 1990) e ovinos (Clark et al. 1993) também já foram relatados. A susceptibilidade de ovinos ao BHV-1 tem sido igualmente demonstrada através de infecções experimentais (Shankar & Yadav 1987, Giuliani & Sharma 1995, Hage et al. 1997) e acidentalmente, através de vacinação com vírus vivo modificado (Lehmkuhl & Cutlip 1985). Esses relatos indicam que os bovinos não são os hospedeiros naturais exclusivos do herpesvírus bovino, e que infecções naturais pelo BHV-1 (e possivelmente pelo BHV-5), podem ocasionalmente ocorrer em outros ruminantes. Infecções naturais e transmissão interespecífica com papel epidemiológico relevante já tem sido descrita em enfermidades víricas como a febre catarral maligna (Heuschele & Castro 1985), enfermidades por pestivírus (Nettleton 1990), estomatite vesicular (Mason 1978), língua azul (Erasmus 1990), e febre aftosa (House & House 1993), entre outras.

A história natural do BHV-5 é enigmática é pouco conhecida. Embora estreitamente relacionado às cepas respiratórias e genitais do BHV-1 (BHV-1.1 e BHV-1.2, respectivamente), o BHV-5 possui características genéticas, biológicas e epidemiológicas que o distingue das cepas clássicas do BHV-1 (Brake & Studdert 1985, Meltzer et al. 1986, Bratanich et al. 1991). A enfermidade neurológica associada ao BHV-5 tem ocorrência esporádica, contrastando com a ocorrência enzoótica das manifestações respiratórias e genitais causadas pelo BHV-1 (Studdert 1989). Da mesma forma, o BHV-5 tem sido isolado quase que exclusivamente de casos fatais de meningoencefalite, não estando aparentemente associado a outras manifestações clínicas (Eugster et al. 1974, Carrillo et al. 1983, Studdert 1989). Isto contrasta com a ocorrência de encefalite apenas como sequela ocasional em outras infecções por alfaherpesvírus, como o vírus da pseudoraiva (PRV) em suínos, o herpesvírus equino (EHV) e o vírus da herpes simplex (HSV) em humanos (Brake & Studdert 1985). Esse comportamento epidemiológico peculiar tem suscitado especulações sobre a origem e epidemiologia do BHV-5. Tem sido inclusive sugerido que o BHV-5 possa ser originário de outra espécie de ruminantes,talvez Bos indicus (Brake & Studdert 1985, Studdert 1989). A transmissão ocasional do vírus à bovinos de raças européias, seria então seguido de eventos fatais de meningoencefalite (Studdert 1989). Isto poderia explicar, pelo menos em parte, a ocorrência esporádica e inevitavelmente fatal da enfermidade neurológica causada pelo BHV-5.

Os resultados obtidos nesse estudo demonstram que ovinos soronegativos são susceptíveis à infecção pelo BHV-5, e que a inoculação experimental de ovinos reproduz vários aspectos da infecção de bovinos. Os níveis de replicação e duração da eliminação do vírus em secreções nasais foram bastante semelhantes aos descritos em bovinos (Bagust & Clark 1972, Belknap et al. 1994). O período de eliminação viral, das duas amostras virais testadas, foi inclusive superior ao relatado em infecções experimentais com o BHV-5 em bezerros (Hall et al. 1966, Bagust & Clark 1972, Belknap et al. 1994). A quantificação de vírus nessas secreções revelou níveis significativos, com títulos máximos atingindo 107,11 DICC50/ml em um animas e com títulos próximos de 106,0DICC50/ml persistindo por até três dias em alguns animais (para a amostra EVI-88). A eliminação viral nas secreções nasais comprovou ser infectiva para ovinos soronegativos mantidos em contato com os animais inoculados. Transmissão efetiva ocorreu aos quatro animais sentinela, que adquiriram a infecção e eliminaram vírus a partir do final do segundo dia durante até 7 dias. É pertinente mencionar que esses animais foram mantidos em condições de contato estreito que provavelmente só ocorram em manejos semi-intensivos e intensivos. Estudos atualmente em andamento visam avaliar a transmissão do vírus entre ovinos, e entre ovinos e bovinos, em condições de campo.

A replicação da amostra EVI-88 durante a infecção aguda foi seguida de manifestações clínicas moderadas de doença respiratória, e mesmo do desenvolvimento de encefalite clínica em um animal. Mesmo não sendo um vírus geralmente associado à enfermidade respiratória, a inoculação experimental de bezerros com o BHV-5 pode produzir manifestações clínicas respiratórias discretas (Hall et al. 1966, Belknap et al. 1994). O mesmo tem sido observado após inoculação experimental do BHV-1 em ovinos (Hage et al. 1997) e ocasionalmente em infecções naturais pelo BHV-1 em caprinos (Mohanty et al. 1972). A diferença nos níveis de eliminação viral, sobretudo nos primeiros dias, e nas manifestações clínicas nos animais inoculados com as duas amostras pode ser atribuída, em parte, à diferente quantidade de vírus utilizada no inóculo. Também é possível que parte dessa diferença deva-se à diferenças biológicas existentes entre as amostras, o que poderia resultar em níveis de replicação e patogenicidade distintas.

Embora a amostra EVI-88 tenha sido isolada de casos de meningoencefalite em bovinos jovens (Roehe et al. 1997), a reprodução da enfermidade clínica em bezerros não tem sido consistente (Roehe, comunicação pessoal). Por isso, e pelo fato da susceptibilidade de ovinos ao BHV-5 ser até então uma incógnita, o desenvolvimento de encefalite clínica em um animal constituiu-se em um evento surpreendente. Não obstante, o período de incubação, as manifestações clínicas de enfermidade nervosa, e o curso da enfermidade foram semelhantes às descrições de casos naturais e infecções experimentais com o BHV-5 em bovinos (Hall et al. 1966, Bagust & Clark, 1972, Carrillo et al. 1983, Schudel et al. 1986, Belknap et al. 1994). Da mesma forma, a distribuição e níveis de infectividade no sistema nervoso central, e os achados histopatológicas foram consistentes com o que tem sido descrito em bovinos (Hall et al. 1966, Bagust & Clark 1972, Belknap et al. 1994, d'Offay et al. 1993, 1995).

A manutenção dos vírus da subfamília Alphaherpesvirinae em seus hospedeiros naturais depende fundamentalmente da sua habilidade de estabelecer e reativar a infecção latente (Rock 1994). Por isso, uma hipotética participação da espécie ovina como reservatório natural do BHV-5 deveria necessariamente incluir esses predicados. O acompanhamento virológico dos animais após o tratamento com dexametasona evidenciou que a infecção aguda foi seguida do estabelecimento de latência na maioria dos animais. Na grande maioria dos animais, a infecção latente foi prontamente reativada pelo estresse induzido, como demonstrado pela eliminação do vírus em secreções nasais. A duração e os níveis de eliminação viral durante a reativação foram inferiores aos observados durante a infecção aguda, a exemplo do que ocorre em bovinos (Shankar & Yadav 1987, Belknap et al. 1994, Hage et al. 1997). Apesar desses animais terem eliminado vírus em quantidades consideráveis durante até 7 dias, a capacidade de transmitirem o vírus a outros animais, a exemplo do que foi demonstrado durante a infecção aguda, não foi avaliada. A inclusão de ovinos (e bovinos) como sentinelas em experimentos futuros será útil para avaliar se a eliminação viral que ocorre durante a reativação é suficiente e capaz de disseminar a infecção a outros animais.

A eficiente replicação do vírus na mucosa nasal, o estabelecimento e reativação de latência, e o desenvolvimento de meningoencefalite clínica revestem-se de importante significado biológico. Esses eventos são demonstrativos de que a biologia da infecção de ovinos pelo BHV-5 é essencialmente similar à infecção de bovinos. A demonstração de latência implica que o vírus utilizou-se de mecanismos similares (ou equivalentes) para invadir e ser transportado pelos axônios sensoriais até os gânglios sensoriais, e para estabelecer a infecção latente. A recrudescência da infecção latente, com a conseqüente replicação e eliminação viral em secreções, provavelmente também envolveu mecanismos equivalentes aos descritos para alfaherpesvírus em várias espécies animais. Da mesma forma, o desenvolvimento de enfermidade nervosa é um indicativo de que o BHV-5 mantém, em ovinos, a sua propriedade de invadir, replicar e disseminar-se no sistema nervoso central (SNC), podendo causar encefalite. A via de acesso do vírus ao SNC desse animal não pode ser analisada. No entanto, o período de incubação da enfermidade, a distribuição de infectividade no encéfalo, além da demonstração de que o vírus atingiu os gânglios sensoriais, são sugestivas da utilização de vias nervosas para atingir o SNC.

Em resumo, os resultados apresentados nesse artigo demonstram que ovinos são susceptíveis à infecção pelo BHV-5, reproduzindo de maneira similar vários aspectos da infecção em bovinos. Essas resultados, aliados à detecção de sorologia positiva em ovinos, sugerem que infecções naturais pelo BHV-5 podem potencialmente ocorrer nessa espécie. Essas observações podem revestir-se de especial relevância, sobretudo em áreas endêmicas ao BHV-5, onde bovinos e ovinos são criados e manejados em áreas e instalações comuns. A convivência e manejo conjuntos, como ocorre em várias regiões, especialmente o sul do Brasil, podem criar condições para a transmissão do vírus entre essas espécies. Nesses casos, medidas de controle ou erradicação da infecção pelo BHV-5 devem obrigatoriamente considerar essa espécie como potencial reservatório do vírus.

O significado desses achados, sobretudo relativos à possível importância da espécie ovina na manutenção e transmissão do vírus na natureza, permanecem incertos, mas merecem investigações futuras. Por outro lado, os vários aspectos em comum entre as infecções de ovinos e bovinos abrem a possibilidade da utilização de ovinos como modelo experimental para o estudo da infecção pelo BHV-5.

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Adriana M. Silva2, Eduardo F. Flores3,4, Rudi Weiblen3, Sônia A. Botton2, Luiz F. Irigoyen5, Paulo M. Roehe6, Mário Celso S. Brum7 e Marister C. Canto7 - rudi[arroba]smail.ufsm.br

1 Parte da tese de Mestrado do primeiro autor. Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

2 Mestrando em Medicina Veterinária, UFSM.

3 Departamento de Medicina Veterinária Preventiva (DMVP), Microbiologia e Parasitologia (DMP) da UFSM.

4 DMVP/UFSM, Santa Maria, RS 97015-900. Fax: (055)220-8742. Bolsista do CNPq (352386/96-7).

5 Departamento de Patologia, UFSM.

6 Centro de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (CPVDF), Eldorado do Sul, RS, e Departamento de Microbiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.

7 Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária, UFSM. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.



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