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Este estudo analisou dados do último inquérito sobre desenvolvimento e estado nutricional, realizado em amostra representativa de crianças menores de cinco anos de Porto Alegre, de agosto de 1988 a junho de 1990. A amostragem foi realizada em três etapas: (a) amostragem sistemática de um sexto dos 1.646 setores censitários do Município de Porto Alegre; (b) amostragem sistemática de residências de crianças menores de cinco anos em cada setor, de forma a selecionar um número de residências proporcional ao número de menores de cinco anos no setor, usando informações da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1983) e (c) sorteio de uma criança em cada residência selecionada. O estudo foi aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Os pais ou responsáveis deram consentimento verbal informado. A estimativa do tamanho amostral visou repadronizar o Teste de Triagem de Desenvolvimento de Denver (Frankenburg & Dodds, 1967) para crianças menores de cinco anos de Porto Alegre. Das 3.475 crianças de 0 a 5 anos selecionadas, 2,6% (86) não participaram da pesquisa por recusa ou não-localização da família. Para o presente estudo, foram selecionadas as 2.687 crianças de 12 a 59 meses. Foram posteriormente excluídas 17 crianças que não tiveram o peso ou o comprimento/altura medidos ou cuja medida não era confiável, seis com paralisia cerebral grave, uma com nanismo hipofisário e três com Trissomia do 21.
Os dados foram coletados em visita domiciliar, por meio de antropometria da criança e de entrevista com a mãe, que respondeu a um questionário sobre determinantes de sobrepeso. As condições sócio-econômicas incluíram a escolaridade dos pais, se eles tiveram trabalho remunerado nos últimos três meses, a ocupação da pessoa (pai ou mãe) com maior renda no último ano e a renda familiar per capita no último mês. As condições demográficas investigadas foram o gênero, a idade e a ordem de nascimento da criança. As condições do ambiente imediato investigadas foram a pessoa encarregada de cuidar a criança, excluindo períodos em creche, e a idade da mãe ao nascimento da criança. As condições de saúde da criança incluíram o peso e a idade gestacional ao nascimento, copiados do cartão da criança; quando este não estava disponível, a idade gestacional foi calculada a partir da data provável do parto informada pela mãe. As crianças foram classificadas em pequenas (percentil < 10), adequadas ou grandes (percentil > 90) para idade gestacional e sexo, usando como população de referência os recém-nascidos da Califórnia, Estados Unidos (Williams et al., 1982). Perguntou-se à mãe se ocorreram hospitalizações nos dois primeiros anos de vida.
A antropometria da criança incluiu o peso e a altura/comprimento e foi realizada seguindo os procedimentos preconizados pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1995). Um escore de peso para altura ou comprimento foi criado em desvios-padrão da mediana da população de referência do National Center for Health Statistics (NCHS, 1977), usando o módulo antropométrico do pacote estatístico Epi Info versão 6.04. Escores maiores do que 2 desvios-padrão (DP) acima da mediana de referência foram definidos como sobrepeso, e não obesidade, porque o índice de peso para altura/comprimento não mede gordura corporal e não há consenso sobre o ponto de corte desse índice que indique obesidade em crianças (WHO, 1997).
Razões de chance (RC) de sobrepeso (brutas e ajustadas para confundimento) foram calculadas para cada variável de exposição por regressão logística não condicional utilizando o comando "svy" do pacote estatístico Stata versão 5.0, que permite levar em conta a amostragem em estágios. As RCs foram calculadas para as categorias de cada variável de exposição de interesse, em relação a uma categoria de referência estabelecida com base nas hipóteses de proteção ou risco construídas valendo-se da literatura disponível. Para a variável hospitalização nos dois primeiros anos de vida, a referência foi não hospitalizados, visto que a hipótese é que a doença tende a diminuir o apetite e espoliar o organismo. Para as demais variáveis, a referência foi uma categoria de menor risco esperado, pois a literatura sugere que, no período estudado, haveria maior risco de sobrepeso para os expostos a maior escolaridade e qualificação profissional dos pais, trabalho materno remunerado e maior renda familiar (Al-Isa & Moussa, 1999; Engstrom & Anjos, 1996; Ho et al., 1991; Kain et al., 1998; Monteiro & Conde, 2000; Victora et al., 1988), para os primogênitos (Al-Isa & Moussa, 1999; Kain et al., 1998), os filhos de mãe adolescente (Rasmussen & Johansson, 1998), os nascidos pequenos (Strauss, 1997) ou grandes para a idade gestacional (Alegría et al., 1988; Duran-Tauleria et al., 1995; Takahashi et al., 1999; Victora et al., 1988); o risco também aumentava à medida que a idade da criança era maior.
Os modelos das RCs ajustadas levaram em conta a hierarquia de determinação do sobrepeso (
Figura 1). As variáveis foram organizadas em cinco níveis: o primeiro nível incluiu as variáveis demográficas da criança, escolaridade materna e paterna; o segundo nível incluiu a qualificação profissional dos pais e o trabalho materno remunerado; o terceiro nível, a renda familiar per capita; o quarto nível, o ambiente imediato, e o quinto, os eventos de saúde da criança. O ajuste das RCs realizou-se do seguinte modo: inicialmente, as variáveis do primeiro nível hierárquico foram incluídas em um modelo de regressão; as variáveis desse nível que evidenciaram associação com o sobrepeso (p < 0,1) foram mantidas nos modelos de nível inferior, mesmo que tenham perdido a significância estatística com a inclusão de variáveis dos níveis inferiores. De modo semelhante, os modelos que estimaram as RCs ajustadas correspondentes aos demais níveis incluíram (a) a variável de exposição de interesse, (b) as demais variáveis do mesmo nível e (c) as variáveis que evidenciaram associação com sobrepeso (p < 0,1) em um modelo multivariado hierarquicamente superior. A significância estatística da variável no modelo de regressão foi calculada pelo método da razão de verossimilhança, sendo estabelecido o valor de p < 0,05 para considerar a variável determinante de sobrepeso em crianças.A prevalência de sobrepeso, que foi 6,5%, aumentou com a idade da criança a partir do segundo ano de vida, a escolaridade e a qualificação profissional dos pais, a renda familiar per capita e o índice de peso para a idade gestacional. A prevalência foi menor quando a mãe tinha trabalho remunerado, era adolescente ao nascimento da criança e esta havia sido hospitalizada nos dois primeiros anos de vida (Tabelas 1 e 2).
A chance de sobrepeso na criança foi o dobro quando a escolaridade materna era maior do que o ensino fundamental e a renda familiar maior ou igual a dois salários mínimos per capita, comparadas às menores escolaridade e renda. O trabalho materno remunerado diminuiu a chance de sobrepeso na criança em 28%. Já a maior escolaridade paterna e a alta qualificação profissional dos pais associaram-se à maior chance de sobrepeso no modelo bruto, mas não evidenciaram efeito no multivariado (Tabela 1). Mãe adolescente ao nascimento da criança associou-se a menor chance de sobrepeso, mas no modelo multivariado o efeito não foi estatisticamente significante. Comparadas às crianças que nasceram com peso adequado para a idade gestacional, as nascidas pequenas tiveram metade da chance de sobrepeso e as nascidas grandes, mais do que o dobro. Hospitalização nos dois primeiros anos de vida associou-se à menor chance de sobrepeso no modelo bruto, mas não evidenciou efeito no modelo ajustado (Tabela 2). No modelo de regressão final, as seguintes características mantiveram efeito estatisticamente significante sobre o sobrepeso em crianças: idade da criança, trabalho materno remunerado, renda familiar per capita superior ou igual a dois salários mínimos e ter nascido pequeno ou grande para a idade gestacional. Nesse modelo, não houve evidência de efeito da escolaridade e idade materna.
Para examinar se a prevalência de sobrepeso era maior nas crianças com condições sócio-econômicas altas em virtude de maior proporção de desnutridos entre as crianças em condições desfavoráveis, os modelos de regressão ajustados apresentados nas Tabelas 1 e 2 foram refeitos, excluindo-se as crianças com índice peso/altura menor do que -2,00 DP. Após a exclusão dos desnutridos, os resultados foram praticamente os mesmos.
A prevalência de sobrepeso na amostra geral para o período entre 1988 e 1990 foi 6,5%; a média para o Brasil em menores de dez anos foi 4,8% na mesma época (Engstrom & Anjos, 1996), mas a diferença de faixas etárias limita a comparação entre os estudos. No segundo ano de vida, a prevalência de sobrepeso na amostra de Porto Alegre (9,7%) foi maior do que a observada em crianças de um ano em Pelotas (Post et al., 1996), onde as condições sócio-econômicas eram piores, mas o período da coleta de dados era semelhante ao deste estudo. Por outro lado, a prevalência de sobrepeso parece ter sido menor na amostra de Porto Alegre do que a estimada para países ocidentais desenvolvidos (Duran-Tauleria et al., 1995; Reilly & Dorosty, 1999b). Como a prevalência de sobrepeso tende a aumentar com a idade e é um fenômeno de magnitude crescente nos últimos anos, fica muito prejudicada a comparação direta com os dois últimos estudos, pois sua faixa etária é maior e a coleta de dados do último estudo é bem mais recente.
A prevalência de sobrepeso foi maior em crianças com melhores condições sócio-econômicas familiares, semelhante ao observado na PNSN no Brasil (Engstrom & Anjos, 1996; Monteiro et al., 1995; Monteiro & Conde, 2000) e em outros países em desenvolvimento, como o Kwait (Al-Isa & Moussa, 1999), Chile (Kain et al., 1998) e China (Ho et al., 1991).
A chance de sobrepeso na criança foi mais do que o dobro quando a escolaridade materna era maior do que o ensino fundamental, comparada à escolaridade menor ou igual a quatro anos. Resultados semelhantes foram encontrados na PNSN para brasileiros menores de dez anos na mesma época (Engstrom & Anjos, 1996), o que pode ser explicado pelo fato de ser a figura materna o elo entre criança e o ambiente, além de a mãe ser quem decide sobre os hábitos alimentares da família, higiene e imunizações. Outro resultado que mostra a importância da mãe no processo de sobrepeso da criança é o efeito do trabalho materno. Quando a mãe possuía trabalho remunerado, a chance de sobrepeso na criança foi menor do que quando a mãe não trabalhava, mesmo no modelo final que leva em conta a idade da criança, escolaridade materna, renda familiar, idade materna e peso ao nascimento. Esse resultado difere do encontrado em estudos realizados em países desenvolvidos, que mostram associação positiva entre sobrepeso na criança e trabalho materno superior a 25 horas semanais (Duran-Tauleria et al., 1995). É possível que, no nosso meio, as mães com trabalho remunerado tenham maior acesso à informação sobre saúde e maiores expectativas quanto à imagem corporal, ou que as mães que ficam em casa ofereçam mais guloseimas aos filhos para agradá-los ou entretê-los. Contudo, pesquisas são necessárias para investigar tais hipóteses.
A escolaridade paterna, tradicionalmente associada à renda familiar, não mostrou significância estatística após ajuste para educação materna e idade da criança. Já a renda familiar evidenciou associação positiva com a chance de sobrepeso na criança, que foi o dobro nas famílias com dois ou mais salários mínimos per capita, comparadas às com menos de um salário. Esse resultado é semelhante ao de estudos que utilizaram dados da PNSN, os quais mostraram maior prevalência de sobrepeso nas crianças brasileiras com maior renda familiar per capita (Engstrom & Anjos, 1996). Também em uma coorte dos nascidos em Pelotas, no Sul do Brasil, em 1982, foi observado que a prevalência de obesidade por volta de um ano de idade era maior à medida que a renda familiar total era mais alta (Victora et al., 1988). Outro estudo realizado em Pelotas dez anos mais tarde (Post et al., 1996) sugere que a associação positiva entre renda e sobrepeso manteve-se para renda familiar total até dez salários mínimos. Porém, naquele estudo, o grupo com renda superior a dez salários apresentou a menor prevalência de sobrepeso, mas esse resultado deve ser interpretado com cuidado, pois o número de crianças com sobrepeso e renda familiar acima de dez salários era muito pequeno. Um estudo em país desenvolvido evidenciou associação de renda familiar média e baixa com sobrepeso (Strauss & Knight, 1999). É possível que estes achados possam refletir diferenças entre os países quanto aos hábitos alimentares e atividade física dos grupos de diferentes condições econômicas, sendo necessários novos estudos para examinar tal hipótese.
Neste estudo, a chance de sobrepeso foi maior entre as crianças nascidas grandes para a idade gestacional e menor entre as nascidas pequenas para a idade gestacional, comparadas às crianças que nasceram com peso adequado. Esses resultados estão de acordo com outros estudos que observaram associação positiva do peso de nascimento com sobrepeso na criança (Alegría et al., 1988; Duran-Tauleria et al., 1995; Maffeis et al., 1994; Takahashi et al., 1999) e com autores que consideraram o período pré-natal crítico para o desenvolvimento de obesidade futura (Dietz, 1994), mas diferem de estudos que mostram associação entre retardo de crescimento intra-uterino e obesidade no futuro (Strauss, 1997).
Como nos países em desenvolvimento o contingente de crianças com desnutrição é grande e essas crianças tendem a pertencer a famílias com baixas condições sócio-econômicas, seria possível inferir que a maior chance de sobrepeso nas famílias em melhores condições sócio-econômicas tivesse ocorrido devido à menor prevalência de desnutrição (índice peso/altura < -2,00 DP). Entretanto, neste estudo, os modelos de regressão foram examinados após a exclusão das crianças desnutridas e as razões de chance praticamente não se alteraram, sugerindo que essa não é uma explicação plausível para os resultados encontrados.
Esta pesquisa tem um delineamento transversal; portanto, a denotação de casualidade deve ser interpretada com cuidado. Além disso, como o banco de dados não foi desenhado especificamente para estudar sobrepeso, não inclui fatores importantes como o peso e a altura dos pais, hábitos alimentares e atividade física. Contudo, o estudo evidenciou que nascer grande para a idade gestacional, viver em famílias com renda familiar per capita maior que dois salários mínimos e ter mãe com escolaridade maior do que o ensino fundamental ou mãe que não trabalha ou dedica-se exclusivamente ao trabalho doméstico podem aumentar o risco para sobrepeso em crianças de 1 a 5 anos.
Os resultados deste estudo sugerem que o profissional de saúde necessita, além de dar orientações dietéticas a todos os pacientes, considerar com maior atenção as famílias com as características que mostraram associação com sobrepeso. Também, em nível coletivo, parece importante que a promoção de saúde abranja aspectos educacionais e ambientais para adultos e crianças, incentivando dieta adequada e atividade física. Ensaios clínicos com pré-escolares sugerem que reduzir a gordura total e saturada dos alimentos, proporcionar à criança conhecimento sobre nutrição (Williams et al., 1998), diminuir o tempo que passa assistindo à televisão e usando videogame (Robinson, 1999), além de programar exercícios físicos aeróbicos, caminhadas e dança (Mo-Suwan et al., 1998) são potencialmente úteis para o controle de peso em crianças.
Agradecimentos
A coleta de dados foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul, Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Secretarias Municipais de Saúde de Porto Alegre e Novo Hamburgo, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
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Departamento de sicología, Universidade de Caxias do Sul. Rua Francisco Getúlio Vargas 1130, Caxias do Sul, RS 95070-560, BrasilIV
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Luterana do Brasil. Rua Miguel Tostes 101, Canoas, RS 92420-280, BrasilV
Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos 2350, Porto Alegre, RS 90035-003, Brasil. VIPrograma de Mestrado em Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas. Rua Almirante Barroso 1202, Bloco G, Pelotas, RS 96010-280, BrasilPágina anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
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