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A violência está sendo encarada de forma natural e como fenômeno "normal" da vida, em todo o mundo.
A maioria dos jovens estão insensíveis e apáticos diante da violência, talvez como mecanismo de defesa e não compreensão da irreversibilidade da morte (Jauderer, 1998).
A banalização da violência, quer por aceitação passiva ou por justificativas, acaba reduzindo-a a um problema de política, com vítimas e assassinos, bons e maus.
A complexidade e a abrangência da violência, quer pela sua intensidade, pelo seu crescimento global, quer pelo seu valor e significado social e pelo seu espectro de formas e consequências na adolescência, merece ser tratada como uma prioridade social.
Para tanto, é necessário observá-la como uma realidade e uma atividade humana, não apenas através da força bruta em ação, mas sim das forças humanas física e psíquica exercidas direcionalmente, a serviço de determinadas finalidades, interesses ou poder.
Essa "humanização" da violência implica em sua elaboração, sua simbolização, nos contextos sociais estabelecidos e no exercício do homem como indivíduo social (Franco, 1991).
Aparentemente, as imagens da violência são vistas como fatos consumados, isolados e incompreensíveis, perdendo a sua verdadeira realidade, a de tratar-se de um processo.
A elaboração individual ou coletiva de um plano de violação, mau-trato ou assassinato; as diferentes etapas para implantação de idéias; a seleção de vítimas, seus familiares e ação sobre a sociedade fazem da violência um processo (Franco, 1991).
O limiar de direção e de intenção permeia uma diferença entre a violência e o acidente, embora a violência esteja incluída em uma categoria ampla, no Código Internacional das Doenças = CID, denominada "causas externas", constituída basicamente por acidentes, suicídios, homicídios, lesões infligidas por outras pessoas e lesões que se ignoram se acidental ou intencional.
Assim, quando o fato não é premeditado, não ocorre intencionalmente e não é previsível, fala-se em acidente; e quando o fato faz parte de um contexto, de uma trama, de uma intenção, ou seja, ele é um processo, fala-se em acontecimento violento (Franco, 1991).
Porém, como reconhecer a intenção? Quem determina ou a quem compete reconhecer a intenção?
É importante o esclarecimento dos fatos, para a família, para a sociedade, para a escala de valores e contextos sociais, pois muitos "acidentes" são atos violentos, codificados como "causas externas" (Franco, 1991).
A realidade é que a violência transcende os limites constituídos pelas ciências, pelas instituições, pelas profissões, setores sociais que não devem medir esforços para promover ações preventivas e a reversão do processo.
"A realização de relações de força, tanto em termos de classes sociais como em termos interpessoais, representa a conversão de uma relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, exploração e expressão. É uma ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa" (Azevedo, 1985).
As pressões exercidas sobre o adolescente são múltiplas e os problemas sociais se multiplicam. Durante as últimas décadas, a mobilidade da família, com a consequente falta de raízes, o divórcio, a família com uma só figura, materna ou paterna, o estresse ambiental, a violência familiar e a quebra da unidade familiar privam o adolescente do amparo emocional fornecido pelo lar e pela família, criando uma grande dificuldade no desenvolvimento das relações empáticas entre pais e filhos, que lhes permitam colocarem-se uns no lugar dos outros, entendendo como se sentem e compreendendo o que sentem (Rodriguez & Pedro, 1998).
A integridade emocional na área psicoafetiva pode vir a ser violentada por força de natureza psicoemocional, com consequências afetivas sofridas, direta ou indiretamente, através de outras formas de violência, aquela que não mata (Rodriguez & Pedro, 1998), mas que deteriora as condições e a qualidade de vida das pessoas e grupos.
É necessário visualizar esta violência não letal e suas consequências (Franco, 1991), discernindo as diferenças étnicas, regionais, de grupos e de classes, na tentativa de atingirmos ações concretas e reversíveis.
A vitimação, ou violência estrutural, decorrente de um processo de marginalização social, consequente de profundas desigualdades na distribuição da riqueza social (Santoro, 1994), não pode continuar sendo vista como fato isolado ou objeto de crônicas policiais, mas sim como um processo violento, socialmente grave e com o mesmo impacto da violência letal (Franco, 1999).
A população de jovens, concentrada em áreas urbanas e a grande maioria em bairros periféricos, com falta de moradia e saneamento básico, com escassos recursos de saúde e recursos sociais, acrescido ao baixo rendimento escolar e analfabetismo, contribuem para o aumento da taxa de desemprego, em um mercado de trabalho cada vez mais globalizado, gerando a violência.
O consumo de drogas ilícitas e o abuso de álcool entre os adolescentes frequentemente está associado a padrões de comportamento de alto risco, contribuindo como fator desencadeante da violência (Szwarcwald & Ruzany, 1999).
A morte prematura de adolescentes por violência deixa uma perda econômica e social muito grande. A OMS estima que para cada criança e adolescente que morre por algum trauma restam 15 gravemente afetados por acidentes e de 30 a 40 outros com lesões que necessitam de acompanhamento ou de reabilitação psicológico.
Os óbitos na adolescência representam cerca de 3% da mortalidade geral do país.
As "causas externas" de morte apresentam características marcantes para o sexo e faixa etária, com predomínio do sexo masculino e da faixa etária de 15 a 19 anos.
Segundo dados do SIM, de 1997, a mortalidade por causas externas, por 100 mil habitantes, ocorrida de 10 a 19 anos foi em números absolutos de 4.538 adolescentes, com predomínio da faixa etária de 15 a 19 anos com 3.688 óbitos e 871 na faixa etária de 10 a 14 anos.
Na faixa etária de 15 a 19 anos houve predomínio de "agressão" (1.834), ultrapassando os acidentes por veículos motorizados (909), ficando as causas externas, indeterminadas e suicídios, respectivamente, com 215, 147 e 136 casos.
Na faixa etária de 10 a 14 anos, os acidentes por veículos motorizados atingiram 327 adolescentes, seguidos por 140 agressões e, respectivamente, causas externas (74), indeterminadas (45) e suicídios (15).
Segundo a Unicef e o Ministério da Saúde, dados de 1993 revelam no Estado de São Paulo e no Brasil a mortalidade por 100 mil habitantes, respectivamente, de:
- 27.458 causas externas, sendo 22.756 no sexo masculino e 4.702 no sexo feminino, totalizando 12,36% e coeficiente por 100.000=83,97;
- 13.274 causas maldefinidas, sendo 5.354 no sexo feminino e 7.920 no sexo masculino, totalizando 6,13% e coeficiente por 100.000 = 40,59%;
- no Brasil, as causas maldefinidas totalizaram 157.830, sendo 88.025 no sexo masculino e 69.235 no sexo feminino, com coeficiente de mortalidade de 104,13, correspondendo a 17,9%;
- 103.751 causas externas, com 85.155 para o sexo masculino e 18.417 para o sexo feminino, com coeficiente de mortalidade por 100 mil habitantes de 68,45%, correspondendo a 11,8%.
Por grupos de causa, a violência como um todo é a segunda grande causa de óbito no Estado de São Paulo e no Brasil, perdendo apenas para as causas circulatórias.
As maiores taxas de mortalidade na América, por homicídio, ocorreram em homens de 15 a 24 anos e no Brasil, considerado como um dos países com taxas de mortalidade elevadas, foi de 72 por 100 mil habitantes do sexo masculino.
As taxas de suicídios no Brasil, em homens de 15 a 44 anos, tiveram um aumento em relação às das mulheres, respectivamente, 8,5 e 7,7 por 100 mil habitantes, no período de 1984 a 1994.
Em um levantamento, nas Américas, em 1994, entre as principais causas de óbito por causas externas, em homens de 15 a 44 anos, estão os homicídios (39,5%), seguidos de acidentes de veículos motorizados (25%) e suicídios (12,5%).
As mulheres, na mesma faixa etária, apresentam como causa externa de óbito, respectivamente, os acidentes por veículos motorizados (36,8%), homicídios (23,3%), suicídios (15%) e envenenamento acidental (4,7%).
A faixa etária de 5 a 15 anos somou 45,7% de óbitos por causas externas, tendo os acidentes por veículos motorizados como a primeira causa, com 37,6% (17% da mortalidade nessa faixa etária), seguido de afogamento (15%) e suicídios (3,7%).
The American Duman Association estudou a prevalência do abuso sexual infantil, mostrando que 27% das mulheres e 16% dos homens estudados tinham sofrido alguma forma de vitimização sexual na infância.
Estudos têm demonstrado que 80% das vítimas conhecem seus abusadores e 68% eram membros da família.
A média norte-americana demonstra que 80% dos abusadores são homens e 20% são mulheres.
A média de idade de início do abuso é de 9 anos para as mulheres e 7 a 9 anos para os homens.
No Brasil, o Serviço de Advocacia da Criança fez uma pesquisa, a partir de processos registrados em 1988, 1991 e 1992, e concluiu que das 20.400 denúncias de maus-tratos, 13% se referem a situações de abuso sexual, o que resulta em 2.700 novos casos a cada ano.
1. Aberastury A; Knobel M. Adolescência normal. Artes Médicas, 1995.
2. Bianculli C.H. Realidad y propuestas para continencia de la transicion adolescente en nuevo medio. Adolescencia Latinoamericana 1414: 31-9, 1997.
3. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.
4. Menegel S.N. Violência na infância e adolescência. Jornal de Pediatria 71(6), 1995.
5. Szwarcwald C.L; Ruzany M.H. Mortalidade de adolescentes no município do Rio de Janeiro, de 1981-95: quantos óbitos poderiam ser evitados. Jornal de Pediatria 75(5):327-33, 1999.
6. Azevedo M.A. Mulheres espancadas. A violência denunciada. São Paulo. Cortez, 1985.
7. Farinatti F; Biazus D; Leite N.B. Pediatria Social. A criança maltratada. Rio de Janeiro. Medsi, 1983.
Adair A. Zappa, Ricardo Jukemura, Mauro Fisberg, Élide H.G.R. Medeiros
fisberg[arroba]uol.com.br
Médicos pediatras da Universidade de Santo Amaro.
Professores adjuntos do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo - SP
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