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Tecnologia de alta pressão no processamento de alimentos (página 2)

Michelle Garcêz de Carvalho
Tecnologia de alta press�o no processamento de alimentos (áágina 2)
Garcêz de Carvalho

Método Hidrostático

No processo de Alta Pressão Hidrostática (APH), como o próprio nome sugere, alimentos líquidos ou sólidos são submetidos a pressões acima de 100 MPa (1 MPa = 145,038 psi = 10 bar). Em sistemas comerciais, as pressões utilizadas enquadram-se na faixa de 400 a 700 MPa. Na pressurização, realizada em espaço confinado, emprega-se fluido (que no caso da hidrostática é a água) que atua como meio de transferência da pressão. A pressão é aplicada igualmente em todas as direções, o que permite aos sólidos a retenção de seu formato original. Uma das vantagens desse processo sobre os convencionais é que a compressão isostática independe do tamanho e geometria do produto. A pressão aplicada e o tempo de aplicação dependem do tipo do produto a ser tratado e do produto final desejado. Normalmente, a inativação enzimática requer o uso de pressões mais elevadas do que a inativação microbiana27.

Este método baseia-se em dois princípios gerais:

– Princípio de Le Chatelier: segundo o qual qualquer fenômeno (transição de fase, mudança de conformação molecular ou reação química) acompanhado por uma redução de volume é favorecido pelo aumento de pressão (e vice-versa). No caso de uma reação, a pressão alterará o equilíbrio na direção do sistema de menor volume5;

– Princípio isostático: que indica que a pressão é transmitida de uma forma uniforme e quase instantânea através de uma amostra biológica. O processo de pressurização é, portanto, independente do volume e da forma da amostra, ao contrário do processo térmico. No processo à alta pressão é utilizado um líquido de baixa compressibilidade como a água 5.

A alta pressão causa a ruptura da membrana celular de microrganismos e altera a estrutura de enzimas, ocasionando sua destruição e desnaturação, respectivamente5.

Em geral, o processamento de alimentos sob pressões entre 200 e 600 MPa (método hidrostático) inativa leveduras, fungos e a maioria das células vegetativas de bactérias incluindo a maioria dos patógenos infecciosos presentes nos alimentos; esporos de bactérias e fungos não são inativados por pressões de até 1000 MPa5.

No processamento isostático, o produto é embalado em garrafa ou bolsa plástica e colocado no interior do vaso de pressão para ser processado. O processamento de produtos líquidos pode ser realizado através de um sistema semicontínuo (fora da embalagem) utilizando três vasos de pressão e um sistema de válvulas automáticas, de modo que na primeira câmara a pressão do produto é aumentada até a pressão de processo, quando é liberado; na segunda câmara o produto fica sob a pressão e tempo especificados para o processo; e na terceira câmara o produto é descomprimido e encaminhado para envase asséptico5.

Método de Homogeneização

O processamento HAP é um processo em base contínua que utiliza fundamentalmente um homogeneizador de alta pressão com o intuito de romper células, princípio largamente utilizado nas aplicações de biotecnologia5.

O produto é bombeado por dois intensificadores de pressão, sendo forçado a fluir através de uma válvula de homogeneização. Isto produz uma velocidade muito elevada através do orifício, e a expansão resultante é a responsável pela ruptura de células de microrganismos, causando mínimas alterações nas células do alimento5.

Durante o processo de HAP, alta energia explosiva move-se no meio líquido e causa ruptura das proteínas miofibrilares encontradas no tecido muscular. A destruição dos microrganismos ocorre pela ruptura da célula causada pelo aumento da pressão e tensão de cisalhamento. Esse processo é instantâneo e ocorre em milissegundos. As pressões utilizadas estão na faixa de 30 a 350 MPa27.

O termo "alta pressão" descreve a tensão dada ao produto antes da etapa de homogeneização. O produto, então, passa através de um orifício concêntrico onde a velocidade torna-se extremamente alta (até mesmo acima da velocidade do som) e a pressão extremamente baixa, causando a evaporação do fluido, e começando o fenômeno de cavitação. A pressão de trabalho é atingida entre o intensificador de pressão e a válvula primária de homogeneização (após a qual ocorre a maior despressurização). A pressão é aplicada ao produto por um período de tempo da ordem de alguns milissegundos27.

Processamentos utilizando pressões da ordem de 200 MPa podem atingir reduções de 5 ciclos logarítmicos em microrganismos relevantes ao processamento de alimentos, segundo estudo de Romeo Toledo, professor Ciência de alimentos na Universidade da Geórgia27.

DIFERENTES MEDIDAS DE PRESSÃO

Um número de medidas diferentes de pressão é usado em todo o mundo. A literatura reflete esta diferença cultural, como as unidades comuns no campo de pesquisa e/ou publicação são usadas. A tabela 1 deve ajudar, através de comparações e conversão entre escalas de pressão. Pressões entre 300 e 700 MPa são utilizadas em processamento de alimentos8.

Tabela 1:

MUDANÇAS NAS PROPRIEDADES DOS ALIMENTOS

O efeito da alta pressão no processamento dos alimentos é outra área de interesse comercial. Alta pressão pode desnaturar proteínas, solidificar lipídeos e quebrar biomembranas. Pode modificar a estrutura de proteínas e músculo, e afetar a gelatinização do amido. Assim, embora a alta pressão seja conhecida comercialmente somente como uma técnica de preservação, tem enorme potencialidade como uma ferramenta de modificação da textura dos alimentos8.

A influencia da alta pressão em propriedades funcionais de variedades de vegetais avaliadas num tratamento de 600Mpa combinada com alta temperatura, não induziu perdas de substâncias benéficas nos vegetais matriciais. 12Sob pressão constante, o tempo de processamento por HHP não causou mudanças significativas no volume, densidade,nem no tamanho das partículas de produtos em forma de pó que foram submetidos a esse tratamento4.

Ligações covalentes são pouco afetadas por pressão. O principal efeito da alta pressão é realizar mudanças nas interações hidrofóbicas e eletrostáticas. Estas têm consequências importantes nas estruturas secundárias das proteínas. Tratamento depressão sobre as proteínas pode conduzir a mudanças conformacionais significativas, as quais ao mesmo tempo afeta a sua funcionalidade. 13 Em pressões suficientemente altas, proteínas vão se desdobrar completamente ou parcialmente, e em altas concentrações elas vão precipitar ou agregar em uma rede de gel combinado com alta pressão e tratamento térmico variável, permitindo que novos géis sejam produzidos e suas propriedades controladas em uma grande extensão8.

Quando uma solução de proteína é comprimida, a proteína é desnaturada reversivelmente ou irreversivelmente dependendo da natureza da proteína e da pressão aplicada. Isto acontece por causa das ligações não covalentes (ponte de hidrogénio, ligações iônicas e ligações hidrofóbicas) que são destruídas ou formadas, correspondendo a diminuição no volume do sistema. As ligações covalentes não suportam uma mudança durante a pressurização usada. Os ácidos nucléicos das proteínas e amido, os quais as estruturas terciárias são compostas de ligações não-covalentes, mudam suas estruturas sob alta pressão e conduzem a desnaturação, coagulação ou gelatinização22.

Em um típico experimento, a compressão de um ovo em água sob algumas mil atmosferas de pressão atmosféricas induz a coagulação de proteínas do ovo sem causar mudanças químicas, enquanto que a alta temperatura, às vezes destrua as ligações covalentes. A casca do ovo não foi amassada sob a alta pressão e a clara e gema do ovo foram coaguladas completamente em 620 e 400 MPa, respectivamente. As proteínas do ovo coaguladas aumentaram a suscetibilidade proteolítica, retiveram o gosto natural, cor e aroma sem abaixamento do conteúdo de vitamina. Tratamento de alta pressão geralmente desnatura as proteínas: assim, a pressão alta é útil para inativar enzimas, para gelatinizar amido, para esterilizar microrganismos e matar insetos e parasitas sem acompanhamento da destruição de nutrientes e sem mudanças no aroma e sabor22.

É estabelecido que a clara do ovo pode formar gel sobre alta pressão justamente como pela aplicação de calor. Porém a natureza do gel formado nas duas situações é muito diferente, desde a ordem e extensão das quebras das ligações e formação muito diferente. Estudos com glúten e soja também mostraram o potencial do processamento por alta pressão para gerar uma quantidade de produtos vegetarianos a base de glúten de alta qualidade22.

Os efeitos da pressurização são, então, semelhantes ao aquecimento em materiais biológicos e alimentos. Em outras palavras a pressão alta é tão útil quanto a temperatura alta. A única vantagem do tratamento de alta pressão é aquele que as ligações covalentes são mantidas intactas quando a água liquida for comprimida. Efeitos tais como a reação de Maillard e a formação de aromas de cozido não ocorrem durante o tratamento de pressão. Assim é possível reter o aroma e gosto natural pela aplicação de tratamento de alta pressão em alimentos22.

Sistemas proteicos somente vão produzir géis em altas concentrações. Em concentrações mais baixas, a proteína vai permanecer solúvel, mas com diferente funcionalidade. Por exemplo, a proteína de soro de leite é um agente espumante muito fraco, mas o tratamento de pressão faz a superfície da B-lactoglobulin, o principal componente do soro, ficar mais ativa, melhorando a estabilidade da espuma22.

Efeito do processamento em alimentos proteicos

Proteína de soja suspensa em água e embalada em sacos plásticos são completamente coaguladas em 400 MPa. Bifes pressurizados a 400 MPa a temperatura ambiente por 10 min se apresenta como um presunto cru e o gosto do bife pressurizado é mantido intacto. Quando a superfície do bife pressurizado é levemente assada, seu sabor foi de um bife raro. Camarões fervidos tornam-se vermelhos e curvados com a coagulação da carne, mas camarões pressurizados a 400 MPa por 10 min, não demonstraram nenhuma mudança aparente na cor ou forma, mas teve a carne coagulada como de camarões fervidos. Ostras também não demonstraram nenhuma alteração no tamanho e forma, mas mantém o gosto e aroma de cru, depois da pressurização a 300 -400 MPa sob temperatura ambiente por 10 min22.

Geralmente, proteínas de alimentos pressurizados, tais como ovos, proteína de soja, carne, porco e pescado/maïs" são brilhantes, transparentes, densos, lisos e "soft" comparados com os fervidos. Estas propriedades texturais únicas obtidas pela pressurização oferece caminhos para o desenvolvimento de novos produtos alimentícios10.

Tratamento de alimentos processados por pressão incluindo carne, pescados e vegetais estão recentemente em fase de desenvolvimento. Uma das varias aplicações do processamento por alta pressão em alimentos e a mudança nas proteínas miofibrilares e na sua propriedade de formação de gel. 7A combinação do uso de pressão e temperatura oferece possibilidades promissoras para os processos de gelatinização22.

Produtos lácteos e cárneos

Tratamento de alta pressão também pode melhorar as propriedades de produtos de laticínios tais como iogurte e queijo cottage, o qual é efetivamente um gel induzidos por ácidos. Quase 80 % das proteínas do leite são caseínas. Estas existem como grandes agregados supramoleculares chamados micelas, as quais são bastante grandes para dispersar, dando a aparência opaca familiar do leite. Porém, processamento por alta pressão fragmenta as micelas, então produtos de leite tratados por pressão tiveram aumento na rigidez, força e resistência para separação do soro8.

Iogurtes fluidos produzidos por agitação do gel, feitos por leites processados por pressão, são mais viscosos que aqueles produzidos convencialmente, dando um produto mais consistente, ou cremoso. Este pode ser melhorado adicionando sabores de frutas ou pedaços, como um tradicional iogurte8.

Queijos típicos precisam ser maturados por meses, e em alguns casos anos, antes que eles estejam prontos à venda. Existe evidência que o processamento por alta pressão possa acelerar a maturação. No entanto, o processo é complexo, envolvendo enzimas de culturas de bactérias selecionadas e coalho, e os efeitos precisos da pressão nestes ainda não são conhecidos. Alguns trabalhos nesta área recentemente foram realizados na República da Irlanda8.

Muitas pesquisas foram dirigidas para tratamentos de carne e peixe por pressão. Pressões de 300MPa ou mais causa na carne ou no pescado a aparência de cozido (embora o gosto não seja afetado). Em pressões mais baixas, no entanto, as enzimas podem ser ativadas para melhorar a maciez. Em carnes, pressões mais baixas, entre 80-100 Mpa, induzem mudanças que melhoram a estabilidade da cor durante a comercialização. Em diferentes carnes frescas, a aparência de carnes curadas não é afetada por tratamento de pressão, e a qualidade pode ser melhorada. Por esta razão, produtos de carnes cozidas e/ou curadas tratadas por pressão devem ser comercializadas antes de suas contrapartes frescas8.

Efeito do processamento em alimentos amiláceos

Amidos de batata, milho e trigo são gelatinizados pelo tratamento de pressão em algumas centenas de MPa e temperaturas levemente altas. Amidos pressurizados apresentam propriedades únicas, as quais são diferentes daquelas formadas pela gelatinização a quente. Isto abre algumas possibilidades de preparação. Embora o tratamento pelo calor destrua os grânulos de amido e dissolva o amido para dar soluções transparentes, o amido tratado por pressão mantém a estrutura do granulo intacto. Apesar de tudo, os amidos pressurizados são melhores digeridos pelas enzimas amilolíticas, como a amilase. Assim, o tratamento de pressão abre um novo caminho para o processamento de amido com uso mínimo de calor. No entanto, estudos mais extensivos são necessários para o entendimento dos efeitos da alta pressão sob o amido e outros componentes22.

EFEITO DA ALTA PRESSÃO SOBRE OS MICRORGANISMOS

A aplicação de alta pressão pode causar danos à fisiologia microbiana e sua viabilidade, tanto danificando as células como inativando - as. Assim, exercem efeito direto sobre a segurança dos alimentos, podendo prolongar a sua vida-de-prateleira 27.

As membranas biológicas têm sido identificadas como as mais afetadas pela pressão. As membranas são compostas por uma camada de fosfolipídios envolvidos por proteínas funcionais que (entre outras funções) exercem papel importante no transporte de íons e outras substâncias para as células27.

A inativação dos microrganismos pela APH é, provavelmente, resultado de diversos fatores. A APH não inibe ou destrói específico da célula ou única função celular, mas a morte da célula ocorre pelo acúmulo de danos dentro das células. A membrana celular é o primeiro alvo dos danos causados pelas altas pressões, principalmente pelo efeito de cristalização dos fosfolipídios, alterando sua permeabilidade. Outras funções celulares sensíveis aos efeitos da pressão envolvem a troca de íons, a composição de ácidos graxos, a morfologia dos ribossomos e da célula, a desnaturação protéica, atividade enzimática, a replicação do DNA, a formação do vacúolo, etc27.

O efeito da pressão sobre os microrganismos depende de fatores relacionados com os microrganismos propriamente ditos (espécie, formato, Gram, fase de crescimento e idade da cultura), com a natureza do meio (pH, composição do alimento ou meio de dispersão, presença de sais e/ou nutrientes, atividade de água, força iônica e tipos de íons presentes) e com as variáveis de pressão (níveis de pressão, tempo e temperatura e tipo do tratamento – contínuo ou descontínuo) 5,27.

Quanto à forma vegetativa/esporulada: as bactérias na forma vegetativa apresentam maior sensibilidade à pressão que na forma esporulada, pois nesta forma a resistência de muitas espécies à pressão é alta, resistindo a tratamentos a 1000 MPa pelo processo UAP. Dessa forma, a aplicação mais comum da tecnologia de alta pressão na preservação de alimentos é naqueles de baixo pH, onde a sobrevivência dos esporos não causa maiores problemas pela inabilidade dos mesmos em se desenvolver nestas condições. A forma da bactéria influencia na resistência à pressão; em geral, cocos são mais resistentes que bastonetes, pois possuem uma maior resistência mecânica 5,27.

Fase de crescimento: bactérias no início da fase log são normalmente mais sensíveis à pressão do que as células nas fases estacionária, lag ou de morte 5,27.

Coloração de gram: em geral, as bactérias gram-positivas são mais resistentes à pressão. Tal fato é explicado devido à sua parede celular ser mais fina (possuem membrana externa) se comparada com a estrutura de uma gram-negativa. A rigidez da parede celular confere uma fragilidade à estrutura em função da pouca flexibilidade em virtude da aplicação de pressão 5,27.

Atividade de água: quase sempre, baixa atividade de água (aw) proporciona um efeito protetor nas células contra a pressão, mas microrganismos injuriados pela pressão são geralmente mais sensíveis em baixas atividades de água. Carboidratos possuem, em geral, um efeito protetivo maior que sais5.

Em geral, nos microrganismos, o primeiro local de dano devido à pressão é a parede celular. No processo hidrostático, com pressões superiores a 200 MPa, a taxa de destruição aumenta com o aumento da pressão ou do tempo de processo2.

Os fenômenos que causam a destruição de microrganismos diferem nos métodos de aplicação da alta pressão5.

A maneira como a pressão é aplicada (continuamente ou em ciclos) exerce efeito importante sobre a inativação microbiana alcançada, sendo o tratamento por ciclos, em alguns casos, mais efetivo27.

Mecanismo de inativação no método hidrostático

O princípio que leva a eliminação dos microrganismos a destruição de membranas das células pela alta pressão. Reduções ao redor de 103 até 106 UFC/g podem ser alcançadas utilizando-se 410 MPa por 2 minutos, dependendo da natureza do microrganismo. Leveduras são particularmente sensíveis a esse tratamento. Esses resultados são compatíveis com os objetivos da pasteurização para sucos de frutas5.

As causas da inativação microbiana são ainda pouco compreendidas. Várias mudanças morfológicas são observadas com o aumento da pressão: compressão de vacúolos gasosos, alongamento da célula, separação da membrana da parede celular, contração da parede celular com a formação de poros, modificações no citoesqueleto, modificações no núcleo e em organelas intracelulares (acima 400 MPa, no caso de Sacharomyces), coagulação de proteínas citoplasmáticas, liberação de constituintes intracelulares (especialmente os de origem nuclear) para fora da célula, entre outros5.

A pressão causa algumas desnaturações protéicas na membrana, modificando a permeabilidade e a seletividade da membrana plasmática, podendo resultar na morte da célula3.

Mecanismo de inativação no método de homogeneização

Os microrganismos são destruídos pela repentina queda de pressão, tensão de cisalhamento e torção, e mais provavelmente devido às ondas de choques de cavitação resultantes do colapso das bolhas de gás5.

A elevada velocidade alcançada pelo produto ao passar através da válvula de homogeneização é responsável pelo atrito entre as células de microrganismos, o que pode causar o colapso da parede celular devido à sua rigidez. Ao passar pela válvula de homogeneização, o produto encontra um ambiente de pressão muito baixa que proporciona a expansão do líquido e conseqüente colapso dos vacúolos de gás das células dos microrganismos5.

Uso da Tecnologia de Alta Pressão para a Inativação de Microrganismos em Produtos Cárneos

Os alimentos são sistemas complexos que contêm microbiota altamente diversificada. A carne e os produtos cárneos são extremamente perecíveis, exigindo cuidados específicos em todas as etapas do seu processamento e manuseio de forma a eliminar ou reduzir os riscos de deterioração. Esses riscos iniciam tão logo o animal é sangrado, como resultado de mudanças microbiológicas, físicas e químicas que se processam nos tecidos musculares. Algumas vezes é difícil determinar o impacto de determinado processo como o de alta pressão sobre microrganismos específicos ou grupos de microrganismos5.

Exemplos de estudos realizados com produtos cárneos

Carne fresca

WILLIAMS-CAMPBELL e SOLOMON (2002) estudaram a redução de microrganismos deterioradores em carne bovina fresca, utilizando o processo de pressão hidrodinâmico (70 MPa). Foram conduzidos três experimentos com carne moída e em pedaços adquiridas no comércio, sendo observado o prazo de quatro dias antes de expirar sua validade. Nos experimentos 1 e 2, os produtos (carne moída e em pedaços), incluindo o controle, foram estocados a 5°C por 20 horas em filme plástico e comparados com os mesmos produtos submetidos à pressão. Não houve diferença em termos de pH entre as amostras analisadas. Em relação à contagem total (inicial 105 UFC/g) houve redução de 2 ciclos logarítmicos no experimento 1 e de 1,5 log no experimento 2. No experimento 3, a carne moída foi tratada sob pressão e estocada aerobicamente a 5°C por 14 dias, juntamente com o controle. Os melhores resultados foram observados no experimento 3, em que houve diferença significativa em termos de pH entre a amostra-controle e a tratada sob pressão. A redução na contagem microbiana logo após o tratamento e ao longo do tempo de estocagem do produto evidenciou a possibilidade do tratamento hidrodinâmico aumentar a vida-de-prateleira desse produto27.

Embutidos

As mudanças na qualidade e os efeitos do uso de APH na sobrevivência de microrganismos em lingüiças frescas de porco foram investigadas por HUANG et al. (1999). As lingüiças de porco, inoculadas com três cepas de Listeria monocytogenes (107 UFC/g), foram submetidas a pressões de 414 e 552 MPa, em temperaturas de 25 e 50°C e intervalos de tempo de 2, 4, 6, 8 e 10 minutos. Significativa redução na contagem de Listeria monocytogenes foi verificada à pressão de 414 MPa/50°C por 2 minutos. Tal condição mostrou também completa inativação dos microrganismos presentes na lingüiça de porco fresca e mudanças mínimas na sua qualidade4.

KROCKEL e MULLER (2002) estudaram o efeito da alta pressão hidrostática em salsichas tipo Bologna fatiadas (com e sem adição de nitrito). Esses produtos foram inoculados com bactérias, embalados a vácuo e submetidos a pressões de 200 a 800 MPa, durante 10 minutos, a 0°C e estocados a 7°C por 44 dias. Nos tratamentos com pressões acima de 400 MPa, as contagens de bactérias foram bastante reduzidas e nos tratamentos acima de 600 MPa ficaram abaixo do nível de detecção. Após enriquecimento, Serratia marcescens foi detectada em todos os tratamentos. Em pressões acima de 400 MPa, o tipo de salsicha influenciou o crescimento dos microrganismos durante a estocagem, sendo maior para a salsicha produzida sem adição de nitrito27.

Carne mecanicamente separada

A carne de aves mecanicamente separada é utilizada como ingrediente na formulação de diversos produtos industrializados. Sendo muito perecível, pode apresentar alta carga microbiana decorrente de condições higiênicas inadequadas de processamento ou nas etapas de manipulação, estocagem e utilização27.

YUSTE et al. (1999) inocularam Listeria innocua (108 UFC/g) em carne de frango mecanicamente separada. Amostras embaladas a vácuo foram tratadas pela combinação de pressão (350, 400, 450 e 500 MPa), tempo (5, 10, 15 e 30 minutos) e temperatura (2, 10 e 20°C), sendo estocadas a 2°C por 2 meses. As contagens de Listeria innocua e bactérias mesófilas aeróbicas foram determinadas após 1, 4, 7, 15, 30 e 60 dias do tratamento sob pressão. Para os mesófilos, na maioria dos tratamentos, a pressurização a 2°C mostrou melhores resultados que a 10 e 20°C com reduções de até 4,19 log de UFC/g (450 MPa/5 min). A alta pressão exerceu efeito marcante sobre as contagens de Listeria innocua com reduções de até 7,5 log UFC/g. Algumas células mostraram injúrias subletais após serem pressurizadas. Amostras tratadas a 500 MPa/30 min a 2°C revelaram contagens de 2,3 log UFC/g após 60 dias de estocagem a 2°C27.

EFEITO DO PROCESSAMENTO À ALTA PRESSÃO SOBRE ENZIMAS

Enzimas são classes especiais de proteínas na qual a atividade biológica surge a partir de um sítio ativo, mantido pela conformação tri-dimensional da molécula. Pequenas mudanças no sitio ativo podem levar a uma perda da atividade da enzima. Como a desnaturação protéica é associada com mudanças conformacionais, estas podem mudar a funcionalidade da enzima (por exemplo, aumento ou perda da atividade biológica, mudanças na especificidade do substrato)5.

Proteínas são estruturas delicadas, mantidas por interações entre a cadeia protéica (determinada pela seqüência de aminoácidos) e pelas interações com o solvente ao redor. Mudanças nos fatores externos, como pressão e temperatura, podem perturbar o complexo balanço das interações intramoleculares e entre solvente-proteína, e podem, conseqüentemente, levar ao desdobramento e/ou desnaturação da cadeia de peptídeos5.

Os rearranjos estruturais presentes nas proteínas sob pressão são governados pelo princípio de Le Chatelier. A redução do volume acompanhando a desnaturação surge da formação ou ruptura de ligações não-covalentes (mudanças no volume conformacional) e dos rearranjos das moléculas de solvente (mudanças no volume de solvatação)5.

A respeito das mudanças no volume conformacional, ao menos a baixas temperaturas, ligações covalentes são pouco afetadas pela alta pressão e, conseqüentemente, a estrutura primária das proteínas permanece intacta durante o tratamento sob pressão. Por outro lado, mudanças na estrutura secundária ocorrem em pressões muito altas e estas levam a uma desnaturação irreversível. Isto pode ser explicado pelo fato das pontes de hidrogênio, as quais são responsáveis pela manutenção da estrutura helicoidal (secundária) dos peptídeos, serem favorecidas a baixas pressões e serem rompidas em pressões muito altas. A ruptura de ligações iônicas também é fortemente afetada pelo aumento de pressão. O efeito da pressão sobre as interações hidrofóbicas é mais complexo5.

As opiniões sobre o efeito da pressão sobre as interações hidrofóbicas são tão divergentes quanto às opiniões sobre a natureza das próprias interações hidrofóbicas. Mudanças significantes na estrutura terciária (mantidas principalmente por interações iônicas e hidrofóbicas) são mais observadas a pressões maiores que 200 MPa . Proteínas multiméricas (de estrutura quaternária), mantidas juntas por ligações não covalentes são dissociadas por uma pressão comparativamente baixa (menor que 150 MPa). Ao contrário dos tratamentos térmicos onde tanto ligações covalentes como não-covalentes são afetadas, o processamento à alta pressão em temperatura ambiente apenas rompe ligações químicas relativamente fracas (pontes de hidrogênio, ligações hidrofóbicas e iônicas). Alterações na conformação de proteínas podem ocasionar mudanças nas propriedades funcionais de proteínas de alimentos e por isso o tratamento à alta pressão de alimentos pode ser usado para criar novos produtos com textura e sabor únicos5.

Em geral, pressões acima de 300 MPa à temperatura ambiente causam desnaturação protéica irreversível, enquanto pressões menores resultam em mudanças reversíveis na estrutura da proteína5.

Os efeitos da alta pressão sobre enzimas podem ser divididos em duas classes. Na primeira, pressões relativamente baixas (~100 MPa) têm mostrado ativação de algumas enzimas. Este efeito de estimulação é, entretanto, somente observado em enzimas monoméricas. De outro lado, pressões muito maiores, geralmente induzem à inativação enzimática. Tem sido sugerido que a eficiência da inativação enzimática por alta pressão é melhorada pela aplicação de ciclos de pressão. Aplicações sucessivas de alta pressão resultaram em alta inativação de muitas enzimas5.

Poucos trabalhos têm sido publicados sobre o efeito do processamento de homogeneização por alta pressão sobre enzimas ou até mesmo sobre microrganismos. A quase totalidade dos trabalhos publicados sobre o efeito da alta pressão sobre as enzimas são referentes ao processo estático5.

6.1 Pectina Metil Esterase

A Pectina Metil Esterase (PME) é responsável pela desestabilização de sucos de laranja, gelatinização de concentrados e perda de consistência de produtos de tomate. A PME é inativada por calor nos processos convencionais de preservação, os quais levam a efeitos prejudiciais no sabor, cor e qualidade nutricional. Tem sido reportado que tratamentos sob pressões de aproximadamente 600 MPa podem inativar parcialmente (acima de 90%) a PME da laranja, a qual não é reativada durante o armazenamento e transporte. A PME de tomate mostra-se mais resistente à pressão que a de laranja e sua inativação parece seguir uma cinética de primeira ordem. A PME de tomate é menos estável à pressão na presença de íons de cálcio ou em tampão de ácido cítrico (pH 3,5-4,5) do que em água, e sua estabilidade à pressão diminui com a diminuição do pH5.

A principal conseqüência da atividade de PME é a perda da turbidez, que é um dos principais defeitos de qualidade em sucos cítricos, e sua inativação é uma das razões principais para a determinação do nível de aquecimento na pasteurização comercia5.

Peroxidase

Em vegetais, a peroxidase (POD) causa mudanças prejudiciais no sabor durante a estocagem. É uma das enzimas de origem vegetal mais resistente ao processamento térmico e tem se mostrado bastante resistente à pressão. Para vagens, um tratamento de 900 MPa por 10min à temperatura ambiente foi necessário para causar uma redução de 88% na atividade da POD (HENDRICKX et al., 1998). À temperatura ambiente, a atividade da POD de laranja diminui continuamente até 400 MPa (tempo de processo de 15min); a maior taxa de inativação (50%) foi obtida a 32oC. Tratamentos à alta pressão a 32-60oC aumentaram a atividade de POD no suco de laranja (CANO et al., 1997).

Polifenoloxidase

A atividade de Polifenoloxidase (PFO) resulta em um escurecimento enzimático de frutos ou vegetais danificados. Devido à coloração marrom e a mudanças na aparência e nas propriedades organolépticas, a inativação da PFO é altamente desejável em alimentos que a contêm5.

A PFO de cogumelo e de batata são altamente estáveis à pressão, dessa forma são necessários tratamentos entre 800 e 900 MPa para a redução da atividade (GOMES et al., 1996; ESHTIAGHI et al. apud WEEMAES et al., 1998; JOLIBERT et al. apud HENDRICKX et al., 1998); as PFO de uva, morango, damasco e maça parecem ser mais sensíveis à pressão. As PFO de damasco, morango e uva podem ser inativadas por pressões próximas a 100, 400 e 600 MPa, respectivamente (JOLIBERT et al. apud HENDRICKX et al., 1998; AMATI et al., 1996). Para várias enzimas PFO, tem sido relatado que a inativação induzida pela pressão ocorre mais rapidamente a baixos pH (JOLIBERT et al. apud WEEMAES et al., 1998). Em adição ao pH, a inativação pela pressão é influenciada pela adição de sais, açúcares ou outros compostos (HENDRICKX et al., 1998).

NOVAS TECNOLOGIAS PELO USO DE ALTA PRESSÃO EM ALIMENTOS

Alta Pressão para Conservação de Sucos de Frutas Tropicais

O consumo mundial de sucos de frutas e néctares está por volta de 80 bilhões de litros, segundo o Instituto Brasileiro de Frutas, IBRAF. A expectativa de crescimento e consumo nas nações desenvolvidas, nos próximos anos, é marginal, mas os analistas apostam que nas nações menos desenvolvidas o consumo deverá dobrar até 20201.

No Brasil, a produção de sucos, néctares e drinques à base de frutas cresceu em média 14% ao ano, de 2001 a 2004, um crescimento expressivo. A demanda mundial de consumo tem sido estimulada por inovações ofertando produtos diferenciados e de maior valor agregado. Acompanhando esta tendência é que a Embrapa Agroindústria de Alimentos (Guaratiba – RJ), unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tem buscado métodos não térmicos de conservação, visando preservar a qualidade e simultaneamente garantir a sanidade dos produtos1.

Um dos métodos de conservação que está em desenvolvimento é a tecnologia de alta pressão para a indústria de sucos e néctares tropicais, que foi apresentada ao público, durante a realização do  Ciência para a Vida 2006, em Brasília-DF, no período de 24 a 30 de abril. Esta tecnologia consiste na utilização de pressão ao invés de calor para destruição dos agentes que podem deteriorar os produtos e/ou causar riscos à saúde do consumidor. O suco ou néctar é inserido embalado em sacos plásticos em uma câmara de compressão1.

Os níveis de pressão, associado com as condições de armazenamento e embalagem, vão determinar o tempo de vida de prateleira (vida útil) do produto. Desse modo, é possível destruir os microrganismos deteriorantes e patogênicos com níveis menores de pressão que garantam a comercialização do produto refrigerado, em embalagem não hermética (asséptica). Alternativamente, pode-se utilizar níveis mais elevados de pressão para permitir a esterilização comercial dos sucos, a partir da utilização de embalagens herméticas1.

A análise sensorial dos sucos pressurizados demonstrou que os produtos não diferiram dos sucos frescos, e que apresentaram níveis de preferência superiores aos dos sucos esterilizados termicamente. A tecnologia foi testada para diferentes sucos e néctares, como suco e néctar de abacaxi e maracujá. Para cada tipo de produto foram definidos os parâmetros mais adequados de pressão, temperatura e tempo, de forma a garantir a sanidade e a qualidade dos produtos1.

Segundo o pesquisador Amauri Rosenthal, "A tecnologia de alta pressão, além de propiciar produtos de melhor qualidade, também representa uma tecnologia limpa, possibilitando a redução substancial de água e energia em comparação com os processos térmicos convencionais. A despeito do custo operacional do processo ser bem inferior aos dos processos usuais, o investimento no equipamento ainda é elevado, com perspectivas de redução com o desenvolvimento tecnológico e de equipamentos nacionais" 1.

Ele ressalta que "A tecnologia não visa substituir os processos térmicos de conservação já implementados em todo o parque tecnológico instalado de produção de sucos, néctares e polpas, mas constitui-se em processo alternativo para os produtos tropicais que atendam a nichos específicos de mercado nacional e internacional, de consumidores cada vez mais preocupados com a qualidade e dispostos a pagar por produtos diferenciados em termos de qualidade" 1.

Processamento de Alimentos sob Alta Pressão Desenvolvido pela UNICAMP

Uma linha de pesquisa baseada em processos não-convencionais de processamento de alimentos, na qual estão incluídos processos não-térmicos, deu origem a uma nova tecnologia capaz de preservá-los por meio da homogeneização à alta pressão. Segundo o coordenador da pesquisa, professor Marcelo Cristianini, do Departamento de Tecnologia de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), tratam-se de processos que causam poucos danos aos alimentos em termos de perda de propriedades nutricionais, sabor, aroma e cor. "É uma tecnologia nova, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) desde 2001, que certamente será utilizada em um futuro bastante próximo pelas indústrias alimentícias, em função de suas amplas vantagens", afirma Marcelo. Dentre os alimentos já utilizados nas pesquisas, estão o suco de laranja, a água de coco, o leite e a cerveja17.

Ele explica que essa tecnologia de homogeneização à alta pressão, desenvolvida pelo grupo de pesquisa coordenado por ele, consiste em submeter o alimento, em fluxo contínuo, a pressões elevadíssimas que chegam a atingir 3.200 atm. Nesse processo, o alimento é bombeado por meio de uma válvula de pressão na qual velocidades e taxas de cisalhamento altíssimas são alcançadas pelo fluido. "Estes fatores, aliados a uma expansão repentina à pressão atmosférica na saída da válvula, são responsáveis pela inativação de microrganismos e de enzimas dos alimentos, proporcionando uma extensão da vida de prateleira", como assegura o pesquisador Marcelo Cristianini. "É um processo bastante rápido que utiliza poucos segundos e não envolve um aquecimento muito alto. As diferenças de temperatura não ultrapassam 60º C e, portanto, perdas de características como sabor, aroma e cor são muito menores do que em processos convencionais", compara ele17.

Os sistemas mais convencionais de processamento de alimentos fluidos, como sucos, cervejas e leite, são processos de pasteurização ou esterilização com aquecimento. A pasteurização é um tratamento recomendado para eliminar possíveis agentes causadores de doenças e, também, para reduzir o número de microorganismos presentes nos alimentos, como a flora bacteriana. É utilizada normalmente em produtos cujas características nutricionais e organolépticas, que são relacionadas aos sentidos (principalmente olfato e paladar), podem ser influenciadas por altas temperaturas, que nesse caso podem chegar a 80º C, por um período de 15 a 30 segundos, ocasionando modificações na estrutura físico-química do alimento. A esterilização é uma técnica de tratamento térmico, cuja aplicação tem como objetivo eliminar totalmente os microorganismos presentes nos alimentos. As temperaturas de tratamento atingem 140º C, por um período de 1 a 3 segundos, muito superiores às usadas na pasteurização17.

Cristianini explica que a diferença entre os processos convencionais e a nova tecnologia está exatamente no processo térmico. Ele afirma que a aplicação de temperaturas elevadas é o fator responsável pela perda bem marcante de sabor e aroma. "Além disso, as características nutricionais são bastante afetadas. O grau de perda desses elementos depende exclusivamente de cada alimento" 17.

Existe ainda uma linha de pesquisa do professor que utiliza esta tecnologia para modificação de propriedades funcionais de proteínas do leite e da soja. O objetivo é modificar as características das proteínas, para se obter novos ingredientes para a indústria de alimentos, conferindo novas texturas, por exemplo. O projeto está em escala-piloto. Entretanto, o objetivo em breve é passá-lo para escala industrial. Todo o equipamento foi uma adaptação de aparelhos já existentes no mercado. "Uma das vantagens que essa nova tecnologia trará ao público consumidor é que ele receberá um alimento tão seguro quanto o do obtido por meio do processamento convencional. Porém, ele terá um valor agregado do tipo aroma, sabor e aspectos nutricionais bem mais evidentes", comemora Marcelo. "Por ser uma tecnologia nova, ela ainda tem um custo bastante alto. Como o equipamento trabalha com pressões elevadas, deve ser bastante robusto para suportar essas pressões17.

O protótipo de laboratório ainda possui vazões muito pequenas para aplicações industriais. O próximo passo, considerado bastante viável, é um avanço dessa tecnologia com o propósito de torná-la industrial". Cristianini mostra que já existe um mesmo processo de tecnologia com alta pressão em escala industrial chamado de processo isostático. Utiliza-se um vaso de alta pressão onde alimentos fluidos ou sólidos são colocados. Lá, nessa câmara, recebem uma alta pressão por período determinado e depois é despressurizado. "Nesse caso, os alimentos podem ser carnes, frutas e até mesmo comida pronta. A diferença é que não utilizam o fluxo contínuo. O funcionamento se dá por batelada, o que significa freqüentes paradas para limpeza da câmara de pressão e reabastecimento de alimentos. Isso gera mais tempo e custo de produção", explica. O espaço físico necessário para essa planta industrial é pequeno e, segundo Marcelo, compatível com os processos convencionais. A grande vantagem é não ter superfície aquecida, ou seja, não existe consumo de energia para a produção de calor. O consumo de energia, segundo ele, se dá apenas para bombear o produto para o equipamento. "Ainda não fizemos os cálculos, porém isso poderá se tornar uma economia de processo bastante vantajosa", comemora17.

É preciso levar em conta que, quando é realizado o bombeamento de suco ou leite no pasteurizador convencional, a energia gasta para o bombeamento é pequena, mas a energia gasta para produzir vapor é muito grande. Só que essa é uma tecnologia que atualmente é bastante viável. No novo processo não é necessária a produção de vapor, economizando muita energia. Porém, a tecnologia para bombear a pressão a 3.200 atm é muito cara, utilizando motores e bombas muito maiores. Mesmo assim, segundo Cristianini, já existe interesse por parte da iniciativa privada nessa nova tecnologia desenvolvida na FEA. Nos próximos dias, o professor Marcelo estará recebendo a visita de uma empresa processadora de sucos, do estado de São Paulo, interessada em estabelecer contatos e saber mais sobre o equipamento. "O mais interessante é que eles souberam do equipamento por intermédio de trabalhos publicados e nos procuraram. Esse é o resultado da pesquisa", finaliza o pesquisador. O grupo de pesquisa do professor Marcelo Cristianini já finalizou duas teses de mestrado e dois trabalhos de iniciação científica sobre o tema. Atualmente, três alunos de doutorado e um de mestrado desenvolvem suas pesquisas a partir dessas tecnologias não-convencionais em processos não-térmicos17.

A Tecnologia de Alta Pressão e as Proteínas da Soja

O uso da alta pressão para modificar a funcionalidade das proteínas foi revisado por MESSENS, VAN e HUYGHCEBAERT (1997). Segundo tais autores a alta pressão pode afetar a conformação das proteínas levando a sua desnaturação, agregação ou gelatinização, dependendo do sistema protéico (tipo de proteína, pH, força iônica), pressão aplicada, temperatura e duração do tratamento. Os efeitos do tratamento sob alta pressão sobre as proteínas estão relacionados com a ruptura das interações não covalentes dentro das moléculas de proteínas e a subseqüente nova formação de pontes internamentes, ou entre moléculas de proteínas. A alta pressão pode romper interações eletrostáticas. As pontes de hidrogênio não são afetadas pela alta pressão. As estruturas terciárias e quaternárias podem ser modificadas em pressões maiores que 200 MPa. As proteínas oligoméricas podem ser dissociadas em subunidades usando pressões moderadas (< 150 MPa) 24.

Estudos comprovaram que o uso da alta pressão pode melhorar a atividade emulsionante das proteínas de soja. Pesquisou - se a influência do tratamento sob alta pressão (200 - 600 MPa) no índice de atividade emulsificante (IAE) e a do índice de estabilidade da emulsão (IEE) sobre as frações 7S e 11S e isolados de soja em valores de pH de 6,5 e 7,5 em diferentes concentrações (0,25-0,75%). A fração 7S exibiu o maior valor de IAE e hidrofobicidade superficial após o tratamento a 400 MPa, enquanto que a fração 11S mostrou o mais alto IAE e hidrofobicidade superficial após o tratamento a 200 MPa. O isolado de soja revelou maior valor de IAE após o tratamento a 400 MPa, embora tenha apresentado baixa hidrofobicidade superficial. MOLINA, PAPADOPOULOU e LEDWARD (2001) 24

MOLINA, DEFAYE e LEDWARD (2002) estudaram as propriedades de textura e capacidade de retenção de água em géis formados sob alta pressão (300-700 MPa/15 minutos). A 20% de concentração, isolado de soja e suas maiores frações de globulinas 7S e 11S produziram géis auto-estáveis. Os géis induzidos sob alta pressão apresentaram menores valores de adesividade e dureza quando comparados com os géis formados pelo tratamento térmico (95°C/ 15 ou 30 minutos). O tratamento sob alta pressão melhorou a capacidade de retenção de água dos géis formados pela fração 7S e em alguns casos do isolado de soja. As análises de calorimetria diferencial de varredura e eletroforese em gel de poliacrilamida mostraram evidências da desnaturação e agregação das proteínas durante a formação do gel, sendo intensificadas com o aumento da pressão24.

ROESCH e CORREDIG (2003) estudaram emulsões de óleo em água, contendo diferentes porções de concentrado de soja, e analisaram suas características de estabilidade, tamanho das partículas, absorção superficial, microestrutura e propriedades reológicas. Observaram que o tratamento térmico de 82°C por 2 minutos, seguido de tratamento sob pressão de homogeneização de 80 MPa, resultou em emulsões com certas propriedades de gelatinização que permaneceram estáveis ao armazenamento por 20 dias a 4°C 24.

APICHARTSRANGKOON (2003) submeteu concentrado hidratado de soja (80% de umidade) ao tratamento sob pressão de 200, 400, 600 e 800 MPa, a 20 e 60°C por 20 e 50 minutos. Após os tratamentos foram analisados o comportamento viscoelástico, solubilidade do nitrogênio e seus perfis eletroforéticos. Verificou que as características reológicas são mais afetadas pela temperatura do que pelo tratamento sob pressão e que há limitadas formações de pontes dissulfídicas nos sistemas induzidos de formação de gel pela temperatura e pressão 24.

Pesquisadores investigaram os efeitos da combinação dos tratamentos térmico (90°C/15 minutos) e sob alta pressão (300-700 MPa) nas propriedades de textura dos géis de isolado de soja e das frações 7S e 11S a 12% de concentração de proteína (p/v) em pH neutro. Evidenciaram que somente a fração 11S forma gel quando tratada termicamente. Quando o tratamento térmico foi realizado antes do outro, apenas a fração 11S formou gel auto-estável. No entanto, quando o tratamento sob pressão foi realizado antes do térmico todas as proteínas analisadas formaram géis auto-estáveis. As análises das características da textura e da capacidade de retenção de água dos géis formados comprovaram que a combinação do tratamento térmico e alta pressão oferecem a possibilidade de desenvolver novos produtos com novas texturas, indicando a necessidade de outros estudos para investigar as causas dessas diferenças. MOLINA e LEDWARD (2003) 24

PUPPO et al. (2004) estudaram as mudanças físico-químicas induzidas pelo tratamento sob alta pressão isostático (200-600 MPa) em isolados de soja em pH 3,0 (IS3) e pH 8,0 (IS8). No IS8 foi observado aumento na hidrofobicidade superficial e agregação da proteína; redução do conteúdo de sulfidrila livre; desdobramento parcial das frações 7S e 11S e mudanças na estrutura secundária (tornando-a mais desordenada). O IS3 foi parcialmente desnaturado, apresentando agregados insolúveis e maior desdobramento molecular. Esse isolado revelou decréscimo na estabilidade térmica, aumento da solubilidade protéica e da hidrofobicidade, decréscimo do conteúdo de sulfidrila livre e total desnaturação nos tratamentos de 400 – 600 MPa. Há outro relato na literatura sobre o efeito da alta pressão na indução da gelatinização em "leite" de soja, utilizando o sistema isostático. De acordo com os testes realizados por KAJIYAMA et al. (1995), o "leite" de soja mudou do estado líquido para sólido após o tratamento a 500 MPa por 30 minutos. Quando submetido a pressões menores ou iguais a 500 MPa, por 10 minutos, o "leite" de soja permaneceu em estado líquido e melhorou sua estabilidade. Entretanto, ocorreu redução na sua capacidade emulsificante. A solubilidade da proteína foi afetada pelo tratamento sob pressão, mudando o ponto isoelétrico de pH 4,1-4,3 para 4,5-4,7. O "leite" original apresentou maior solubilidade em pH abaixo de 3,0 e moderada solubilidade em pH 5,7-6,7. O tratamento sob pressão reduziu a solubilidade abaixo de pH 3,0 e aumentou a solubilidade acima de pH 5,6 24.

Estudo da Estabilidade da Lipoxigenase de Soja: Aplicação de Alta Pressão Hidrostática no Processamento Tecnológico

A soja tem sido motivo de pesquisa nas áreas de saúde e tecnologia de alimentos, devido à associação de seu consumo com a redução de certas doenças, como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. Durante vários anos, seu consumo foi bastante restrito no mundo ocidental, em função do sabor desagradável, característico do produto16.

O desenvolvimento de compostos que alteram o sabor dos produtos da soja é atribuído à ação da enzima lipoxigenase, que oxida ácidos graxos que possuem o sistema cis-cis-1,4-pentadieno, sendo os ácidos linoléico e linolênico os principais substratos. A enzima é descrita como uma proteína monomérica de 95 KDa, com dois domínios, apresentando três principais isoenzimas, L1, L2 e L3. A inativação da lipoxigenase tem sido tradicionalmente realizada através de tratamento térmico. Entretanto, este processo acarreta perdas do valor nutricional e redução de propriedades funcionais do alimento16.

A tecnologia de alta pressão hidrostática tem sido utilizada como ferramenta no estudo da desnaturação de proteínas. Os estudos conformacionais com a lipoxigenase 1 purificada mostraram que existem diferenças entre a desnaturação provocada pelos agentes químicos uréia e hidrocloreto de guanidina e a desnaturação induzida pela pressão hidrostática. Os experimentos de flurescência do triptofano, ligação da sonda bis-ANS espalhamento de luz mostraram que, apesar do tratamento químico e a pressão hidrostática levarem à alteração na estrutura terciária da enzima, a desnaturação se desenvolve por processos diferentes 16.

Os experimentos de dicroísmo circular revelaram que a pressão hidrostática não modifica a estrutura secundária da lipoxigenase, ao contrário do que ocorre no tratamento com uréia. Entretanto, apesar de menos drástica, a pressão hidrostática de 3,10 Kbar, associada à temperatura de -15ºC foi capaz de causar completa e irreversível inativação enzimática. A aplicação de pressão aos grãos de soja levou somente á redução parcial da atividade da lipoxigenase, avaliada no extrato hidrossolúvel, mesmo quando associada ao tratamento térmico a 50ºC. Os resultados deste estudo confirmam o potencial uso da alta pressão na área de tecnologia de alimentos 16.

PROCESSO CRÍTICO QUE INFLUENCIA O TRATAMENTO POR HPP

Os fatores críticos do processo HPP incluem pressão, tempo de pressão, tempo para alcançar a pressão do tratamento, tempo de descompressão, temperatura do tratamento (incluindo aquecimento adiabático), temperatura inicial do produto, distribuição da temperatura no vaso de pressão, pH do produto, composição do produto, atividade de água do produto, integridade do material de embalagem, e adicionais processamentos concorrentes. Outros fatores do processamento apresentados na linha do processamento antes ou depois do tratamento de pressão não foram incluídos14.

VANTAGENS DA HPP

Capacidade de inativar microrganismos patogênicos com mínimo tratamento térmico, resultando em um produto com completa retenção de nutrientes e características de alimentos frescos, sem diminuição da vida de prateleira26.

Outra vantagem do HPP sobre o tradicional processamento térmico incluindo a redução do tempo do processo, mínimos problemas de danos pelo calor, retenção do sabor, textura, e cor, não há perda de vitamina C, não ocorrem mudanças indesejáveis nos alimentos durante o congelamento e descongelamento usando HPP, inativação de enzimas não induzidas termicamente, e mudanças desejáveis nas propriedades de gelatinização do amido e alguns outros exemplos dos benefícios potenciais da HPP. No entanto, o principal desafio da HPP é a inativação de esporos. Métodos usados para conseguir total inativação de esporos usando HPP precisam ser desenvolvidos 26.

Os parâmetros D (tempo em minuto para redução de uma população microbiana em 10x), Z (temperatura em ºC para aumentar em 10x as mudanças em D), e Fo (o valor letal integrado para toda a temperatura de aquecimento de alimentos tratados a uma temperatura de 121,1ºC e assumindo um valor Z de 10ºC), são valores de parâmetros de processamento padronizados, no entanto existe a necessidade de desenvolver e padronizar esses valores para o processo HPP com respeito à inativação microbiana, porque eles não existem 26.

PERSPECTIVAS DA TECNOLOGIA DE ALTA PRESSÃO

Processamento por alta pressão provavelmente permanecerá com um custo elevado para um futuro previsível. A menos que nichos de mercado como o de guacamole sejam identificados, o custo do tratamento por pressão de alimentos que podem ser processados satisfatoriamente por meios mais convencionais, podem ser proibidos. É improvável que os consumidores paguem um preço mais alto por um produto similar com um método de produção diferente, a menos que a qualidade do produto similar com um método de produção diferente, a menos que a qualidade do produto seja substancialmente melhor. No entanto, as possíveis mudanças na textura usando altas pressões podem conduzir ao desenvolvimento de novos produtos alimentícios. É provável que alimentos por alta pressão tomem esta direção no futuro22.

Convênios bem estabelecidos entre indústrias e universidades podem ajudar a acelerar a comercialização dos alimentos processados por alta pressão. Tradicionalmente, as universidades estudam a ciência básica, a partir de algum trabalho ligado à comercialização para a indústria. Porém, no UK, fortes vínculos foram forjados entre os dois setores através do "Hight Pressure Club for Food Processing" (Clube da Alta Pressão para o Processamento de Alimentos), o qual visa promover a transferência de informação e idéias 22.

A prioridade de muitos pesquisadores trabalhando no processamento de alimentos por alta pressão é o desenvolvimento de produtos comerciais. Processamento por alta pressão é o desenvolvimento de produtos comerciais. Processamento por alta pressão é um campo multidisciplinar, o qual envolve profissionais como microbiologistas, químicos de alimentos, e engenheiros de alimentos 22.

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Autoria:

Michelle Garcêz de Carvalho

michellegarcezpi[arroba]hotmail.com

Aluna do Curso de Mestrado em Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Ceará. Av. Mister Hull, 2977 Bloco 858, Bairro Alagadiço – CEP:60356-000 Fortaleza/CE .



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