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Três vivas ao processo de globalização:
crescimento, pobreza e desigualdade em escala mundial
(II)
2. A anti-globalização e os seus descontentes: em busca de coerência
Antes de continuar a apresentação dos estudos do professor Sala-i-Martin, abro um parênteses para tratar rapidamente das atitudes dos que são contrários à globalização, aproveitando-me de conhecido artigo do professor — e colega de Sala-i-Martin na Columbia — Jagdish Bhagwati ("Coping with antiglobalization: a trilogy of discontents", Foreign Affairs, vol. 81, n° 1, jan.-fev. 2002, pp. 2-7), no qual ele distingue três tipos de opositores: (i) aqueles que são contra o capitalismo; (ii) os que são contra o processo de globalização; e (iii) os que são contra o comportamento das empresas, de modo geral. Contra os primeiros, não há muito o que se possa fazer, a não ser indicar a história. Como lembra Bhagwati, o capitalismo venceu seus piores inimigos no século XX, o fascismo, o comunismo e o socialismo, e essa falta de alternativas deixa os anti-capitalistas nervosos (talvez raivosos, fosse um termo melhor), ao que eu acrescentaria de modo direto: talvez não haja mesmo nada a ser feito em relação a essa nostalgia de tempos revolucionários, a não ser, segundo o estado de nervos do interessado, banho morno e caldo de galinha.
O segundo grupo não é formado de velhos anti-capitalistas, mas de novos anti-globalizadores, que acham que o mercado não vai resolver os problemas de justiça social. Pode até ser, indica o prof. Bhagwati, mas eles não disseram ainda qual seria o modo alternativo de alocação de renda e riqueza. As velhas receitas socialistas e estatistas não produziram resultados brilhantes mundo afora. Estaria faltando a estes jovens, segundo o professor, conhecimento histórico e um pouco de economia elementar (o que eu poderia chamar de manual básico de economia do tipo do Samuelson, que nos meus tempos de faculdade era obrigatório nos cursos de ciências sociais). O que faz o sucesso dos anti-globalizadores é uma aliança ocasional entre jovens agitadores (o que é absolutamente normal nos centros universitários), lobbies convencionais (como sindicatos, agricultores subsidiados) e novos grupos de pressão como os ecologistas e os cruzados dos direitos humanos (com todo respeito pelas suas causas). Ser contra, ensina o professor, é a pior política que pode existir, pois falta razão e conhecimento aos agitadores simplesmente contrários, na ausência de propostas concretas e de um raciocínio claro quanto aos custos alternativos. O que se pretende seria uma outra globalização?: muito bem, responde o professor, sejam bem vindos ao mundo real, mas digam por favor como vão fazer (e aqui entra o terceiro grupo) para criar empresas que não "explorem o povo" e que funcionem de acordo com o mundo ideal desejado pelos anti-globalizadores.
Eu apenas acrescentaria, do ponto de vista do Brasil, um elemento de política econômica: o que a globalização mais faz, em todo mundo, é deslocalizar investimentos de um lugar a outro, criando empregos em regiões de menor custo relativo do trabalho, que é manifestamente o caso do Brasil, em comparação com zonas de mais altos salários na América do Norte e Europa. Por isso não consigo entender essa incorporação, pelos grupos brasileiros, de teses defendidas pelos seus contrapartes (?) do Norte, cujo único objetivo (compreensivelmente) é o de segurar empregos e subsídios em suas regiões de origem, impedindo o deslocamento de investimentos e empregos para os países do Sul.
De forma geral, porém, o movimento anti-globalizador no Brasil peca por falta de coerência. Tendo começado como uma derivação muito pouco inspirada de uma idéia importada, e dela conservando até o nome bizarro e obscuro para a maior parte de seus jovens aderentes nacionais — se algum universitário, professor ou estudante, conseguir me explicar porque foi retido o absurdo acrônimo da ATTAC, e o que efetivamente isso representa como conseqüência prática para o Brasil, ganha um livro de algum prêmio Nobel de economia —, os agrupamentos heteróclitos que fazem sua força mais visível combatem, ao mesmo tempo, os OGMs, a continuidade de negociações comerciais que poderiam abrir mercados para os produtos brasileiros e a responsabilidade econômica e fiscal na gestão pública, ao mesmo tempo em que defendem agricultores pesadamente subvencionados, sindicatos do Norte que querem impedir a transferência de empregos para o Sul e grupos ou pessoas que não se caracterizam exatamente pelo respeito aos direitos humanos. Um pouco de coerência não faria mal a esse bando de descontentes do capitalismo.
3. O que era preciso demonstrar: o economista como profeta
Voltemos agora para os efeitos supostamente distorcivos da globalização, mas abordando a questão pelo lado das tendências alegadamente concentradoras da economia mundial, nas duas últimas décadas, em termos de renda e riqueza. Vou utilizar-me para isso de um estudo efetuado pelo professor Xavier Sala-i-Martin, "The disturbing ‘rise’ of global income inequality" (National Bureau of Economic Research, disponível no link: www.nber.org/w8904), e de apresentação efetuada por ele em 21 de fevereiro de 2003 no American Enterprise Institute, de Washington, a que assisti.
O que ele "descobriu", basicamente, depois de ingentes pesquisas e refinadas simulações econométricas, é que ocorreu uma redução geral das desigualdades de renda entre 1980 e 1998 e que a maior parte das disparidades globais são encontradas entre os países, não dentro dos países. Tendo estabelecido funções para a distribuição mundial de renda, ele constatou que, se em 1970 o mundo apresentava uma larga fração da população num renda modal próxima da linha de pobreza — isto é, subsistência à razão de um dólar por dia —, essa fração começou a definhar e o mundo hoje se encaminha para uma "larga classe média", em suas palavras. Tanto as taxas de pobreza quanto o número de pobres decresceram dramaticamente: o critério de um dólar por dia caiu de 20% em 1970 para apenas 5% em 1998 da população mundial, enquanto que pelo critério de dois dólares por dia a taxa reduziu-se de 44% a 8%. Em termos de "volume" humano, isso representou uma subtração de aproximadamente 400 milhões de pessoas ao "estoque mundial" de pobres entre aqueles dois anos. Ou seja, o "dramático e perturbador" aumento da pobreza e nas desigualdades no período recente da globalização simplesmente não ocorreu, ao contrário do que afirmam os anti-globalizadores e mesmo entidades aparentemente sérias e respeitáveis como o PNUD.
A desigualdade que pode também ter crescido em alguns países — seria o caso dos EUA, por exemplo — não foi suficiente para reduzir o movimento global no sentido da redução das desigualdades entre os países. O principal fator dessa diminuição foi representado, mas não totalmente, pelo rápido crescimento da renda de 1,2 bilhões de cidadãos chineses. Apenas um problema nesse quadro global: a situação da África, cujo itinerário social foi catastrófico nas duas últimas décadas. Se o continente africano não voltar a crescer nos próximos anos, a tendência à convergência se altera: a China, a Índia, os países da OCDE e os demais emergentes de renda média vão divergir das tendências africanas e a desigualdade na distribuição de renda, computada globalmente, voltará a crescer rapidamente. De fato, a África era o único quadro destoante no conjunto dos gráficos de regressão apresentados pelo professor no AEI de Washington: não um "dromedário", como nos demais casos, mas uma espécie de "camelo", que se deslocou para a esquerda em 1998, com mais pessoas abaixo da linha de pobreza do que em 1970, e uma corcova suplementar mais à direita, correspondendo aos seus ricos "enriquecidos".
Não pretendo resumir aqui a metodologia e os números dos estudos do professor Sala-i-Martin — que utilizou dados agregados de PIB dos países e de frações de renda individual nos países, para estimar o nível de renda dos indivíduos (não dos países) do mundo, extraiu desses dados a distribuição de renda no mundo e estimou a desigualdade mediante sete diferentes indicadores: coeficiente de Gini, índices de Atkinson e de Theil, entre outros —, mas desejo sublinhar novamente suas conclusões. Ele não encontrou nenhum aumento dramático ou perturbador na desigualdade distributiva, como deixaram entender trabalhos e informes de organismos internacionais — entre eles o já citado PNUD, em seu Relatório do Desenvolvimento Humano —, mas ao contrário, uma diminuição sensível nas disparidades de distribuição global de renda nas últimas duas décadas, o que manifestou-se sobretudo na redução da distância entre grandes países pobres (como China e Índia) e os demais. Uma de suas descobertas mais importantes refere-se a que a maior parte da desigualdade distributiva existente é explicada pelas diferenças de renda per capita entre os países, antes que pelas diferenças dentro dos países. Se as desigualdades dentro dos países cessassem miraculosamente, cerca de 70% das desigualdades no mundo seriam mantidas, o que recomenda, portanto, uma estratégia de aumento da taxa de crescimento econômico nos países pobres, em especial na África, onde estão 95% dos pobres do mundo. De modo geral, os índices de pobreza experimentaram, sob qualquer critério, um declínio persistente: caíram três vezes, trazendo o número de pobres de 20%, em 1970, para apenas 6% da população mundial.
Em termos desagregados, as evidências são interessantes do ponto de vista das regiões e países. O exemplo mais ilustrativo da tendência global por ele revelada é obviamente o da Ásia, onde os índices de pobreza caíram de forma espetacular. A China e a Índia, ainda socialistas nos anos 1970, foram os países que mais progrediram do ponto de vista da diminuição da pobreza e da convergência em relação aos indicadores de países mais avançados. Nos EUA, por sua vez, simplesmente inexistem aquelas faixas de renda correspondendo a pessoas que vivem com 1 ou 2 dólares por dia, que constituem as medidas padrões utilizadas pelos organismos internacionais para medir a pobreza. A Indonésia representou a mais dramática mudança na história econômica da humanidade, com redução sensível da pobreza e da desigualdade, mesmo a despeito da crise financeira de 1998, quando o PIB foi reduzido em mais de 15%. A América Latina não foi uma região particularmente feliz em termos de diminuição do número de pobres, embora tivesse conhecido, igualmente, uma certa redução da pobreza, mas em décadas anteriores. No Brasil, os progressos efetuados nos anos 1970 foram freados nos anos 1980 e, nos anos 1990, com exceção de alguns anos, os ricos melhoraram mais do que os pobres.
Os casos de aumento absoluto da pobreza e dos níveis de desigualdade ocorreram nos países africanos, ao passo que nos ex-países socialistas, que sofreram verdadeiro colapso econômico nos anos 1990, aumentou muito a desigualdade, sem que a pobreza, porém, tivesse se expandido de forma brutal. No continente africano, a Nigéria, o exato oposto da Indonésia, é o caso mais dramático de aumento simultâneo da pobreza e das desigualdades, muito embora os seus ricos — que caberia identificar em termos de rent-seeking associado à economia petrolífera — tenham conseguido obter ganhos sensíveis durante o período, dada, provavelmente, a elevada corrupção ali existente (a curva africana, diferente das demais, traz o pico de riqueza do "camelo", à direita da figura). Terminemos esta breve exposição das "descobertas" do economista catalão em relação aos resultados da globalização pela sigla clássica que se encontra ao final dos axiomas matemáticos: QED, ou quod erat demonstrandum (eis o que era preciso demonstrar).
4. Vinde a mim os pobres deste mundo?: os milagres da globalização
Uma das dificuldades sublinhadas por Sala-i-Martin para definir as linhas de pobreza no mundo e nos países está representada pela escolha de indicadores relativos à renda ou ao consumo, este mais fiável como retrato das realidades individuais, dada a natural propensão das pessoas a subdeclararem seus ganhos efetivos para escapar dos longos braços das autoridades fiscais. Isso está bem refletido no Brasil, por exemplo, pelos dados relativos ao imposto sobre transferências bancárias (CPMF), que descreve um quadro mais próximo das transações reais do que as declarações de rendas de pessoas físicas. Daí talvez os números igualmente altos para uma estimativa do número de pobres no Brasil, baseados em pesquisas relativas à renda disponível, invariavelmente colocada nos menores níveis possíveis. O fato é que a nossa desigualdade na distribuição de renda, que tem causas estruturais e alocativas bem conhecidas, não é boa para o crescimento econômico e, portanto, para a diminuição do número de pobres. Mas, o professor está mais interessado na redução global da pobreza do que na diminuição das desigualdades, que em alguns casos podem ser "funcionais" para o desenvolvimento.
Não há, por outro lado, segundo esclareceu Sala-i-Martin em sua apresentação, nenhuma correlação unívoca entre crescimento e desigualdade, historicamente e na atual conjuntura. Pode-se ter todas as combinações possíveis: crescimento com igualdade, não crescimento com aumento das desigualdades e seus equivalentes com sinais trocados. Creio que o mesmo ocorre, num certo sentido, com a democracia e o crescimento, pois que diferentes regimes políticos apresentam desempenhos bem diversos em termos de crescimento econômico e mesmo de desenvolvimento social, sem que se possa traçar uma correlação muito estrita entre ambas as variáveis. Talvez o elemento relevante, como observou uma vez Roberto Campos, seja o fato de um regime autoritário ser (ou não) market-friendly, com o que ele variará em seu desempenho relativo, podendo, no caso positivo, ser mais facilmente "biodegradável" (como de certa forma ocorreu no Brasil).
As pesquisas e regressões matemáticas de Sala-i-Martin confirmam, por sua vez, estudos conduzidos pelo economista indiano Surjit Bhalla, anteriormente no Banco Mundial e atual diretor de um centro de pesquisas e de investimentos na Índia, para quem a globalização não resultou em taxas menores de crescimento, nem em aumento da pobreza ou da desigualdade, mas ao contrário, numa diminuição sensível das desigualdades mundiais, dos índices de pobreza e um crescimento da renda dos estratos mais pobres, relativamente aos mais ricos (ver seu livro: Imagine There’s No Country: Poverty, Inequality and Growth in the Era of Globalization. Washington: Institute for International Economics, 2002). Aos interessados em uma discussão mais aprofundada sobre as relações entre crescimento, desigualdade e pobreza na era da globalização remeto ao colóquio realizado no Banco Mundial em 1° de outubro de 2002, com uma apresentação gravada do economista Bhalla no link: http://www.worldbank.org/wbi/B-SPAN/sub_poverty_globalization.htm. Os principais avanços metodológicos e empíricos do livro de Surjit Bhalla estão resumidos em sublink dessa seção dos trabalhos do BIRD:
http://poverty.worldbank.org/files/12978_Surjit_Bhalla_Two_Policy_Briefs.doc
Os trabalhos de Surjit Bhalla são efetivamente importantes pela sua contribuição ao avanço dos métodos de pesquisa em terrenos clássicos da economia política como o da distribuição de renda e riqueza (que não são obviamente sinônimos). Mas ele também não deixa de tocar nas implicações políticas de suas teses, como a questão de saber quem perde com a globalização. De um modo geral, as evidências sobre a convergência entre sistemas econômicos nacionais parecem agora bem estabelecidas, sobretudo do ponto de vista da equalização de salários em níveis similares de produtividade, o que deve beneficiar os mais capacitados no mundo em desenvolvimento (que alguns chamam de burguesia, ou de elite, do Terceiro Mundo). Os únicos, talvez, a perderem absolutamente seriam os trabalhadores pouco qualificados dos países desenvolvidos e uma difusa classe média que sente que lhe serão retirados os benefícios do welfare State. São exatamente estes grupos que compõem o grosso da massa mobilizada pelos movimentos da anti-globalização: "velhos" sindicalistas e jovens de classe média. Alguma surpresa nisto?
5. Uma proposta modesta: o neomarxismo da globalização
Ao concluir estas novas notas sobre o tema das relações entre a globalização e o crescimento, entre a pobreza e as desigualdades, desejo, portanto, desculpar-me uma vez mais junto aos leitores de meu livro A Grande Mudança, no que se refere ao citado capítulo sobre a globalização, por tê-los induzido em erro, ao acreditar que estas duas últimas décadas de intenso processo de globalização tivessem coincidido com uma inversão das tendências à convergência na economia mundial e produzido, supostamente, um aumento nos níveis de desigualdade entre e dentro dos países.
Verificamos, ao contrário, que houve um nítido progresso social e econômico que melhorou a vida de milhões de pessoas em vários cantos do mundo (as fontes empíricas para esse tipo de afirmação foram expostas no presente trabalho e estão amplamente disponíveis para consulta), o que não impede, obviamente, a deterioração da situação de outros grupos sociais. Quero, nesse sentido, convidar todos os interessados nesse tipo de problemática a visitar as páginas e os trabalhos indicados no presente ensaio (que estão, com perdão dos não habilitados, todos em inglês), uma vez que eles podem trazer novos dados e instrumentos úteis para um estudo objetivo e empiricamente bem fundamentado sobre essas questões. Temas como redução da pobreza e inserção do Brasil na economia mundial interessam a todos nós — estudantes, professores, eleitores, simples cidadãos —, que participamos, na medida de nossas capacidades e de acordo com nossas necessidades, do debate público sobre as alternativas de política econômica oferecidas ao Brasil nestes tempos de globalização irrefreável.
Quando me refiro ao caráter "irrefreável" de globalização, não pretendo denotar nenhum encantamento pessoal, de tipo estético, com esse processo, considerá-lo como se fosse uma espécie de novo "Renascimento" ou efetuar julgamentos de valor a partir do substantivo e seu adjetivo. Estou simplesmente fazendo constatações "de fato" — e fazendo algumas interpretações — mas sobretudo trazendo a exame dos interessados as mais recentes reflexões e análises das ciências sociais e das simulações econométricas com base em dados empiricamente rigorosos (e desprovidos, tanto quanto possível, de distorções metodológicas), com a finalidade de contribuir ao esforço de avaliação dos impactos da globalização para o Brasil.
As evidências coletadas em pesquisas especializadas, bem como a experiência histórica de países que se inseriram na economia mundial nas últimas duas décadas trazem um quadro bem diverso da visão apocalíptica e catastrofista anunciada e alardeada pelos opositores ideológicos da globalização, que de resto adiantam meia dúzia de slogans alarmistas sem quaisquer evidências empíricas para sustentar suas alegações. Depois de alguns anos de promessas, creio que temos o direito de saber, finalmente, quais seriam os contornos exatos e o modo preciso de funcionamento desse "outro mundo possível" — e também um "outro Brasil", uma "outra América" etc. — que vem sendo oferecido no "mercado de futuros" da anti-globalização, sem que de fato se nos abra a possibilidade de resgatar esses títulos facilmente transacionados na bolsa virtual de idéias utópicas que constituem alguns foros alternativos.
Com isso não pretendo cantar loas à globalização ou arguir que ela é isenta de riscos e de efeitos nocivos para aqueles setores e pessoas eventualmente situados do lado "errado" do processo de destruição criadora que ela gera de modo inevitável e contínuo. Ao contrário, ela potencializa ainda mais os desafios que normalmente estão associados aos fenômenos mais conhecidos — e longa data familiares aos economistas clássicos e modernos — da defasagem tecnológica, da competição desenfreada, da substituição de trabalho humano por processos produtivos labor-saving, da pressão constante sobre os salários derivada da incorporação de novos exércitos industriais de reserva, enfim, velhos problemas já tratados, sob diferentes ângulos, por estudiosos tão diversos como Adam Smith e Karl Marx, Joseph Schumpeter e Milton Friedman, Raul Prebisch e Paul Krugman, Celso Furtado e Joseph Stiglitz. Nenhum deles adotou a política do avestruz ou uma atitude puramente negativa em relação aos desafios, glórias e misérias do processo de globalização capitalista, tentando compreender, em primeiro lugar, e oferecer políticas alternativas, em seguida, no que respeita os problemas e conseqüências indesejadas daquele processo.
Apenas quero deixar claro, aqui, que invectivas ou manifestações de indignação moral não são substitutivos ideais a análises ponderadas, empiricamente embasadas e metodologicamente adequadas — como aquelas feitas pelo professor Xavier Sala-i-Martin, por exemplo —, e que tais reações podem, se tanto, obscurecer os dados do problema, em lugar de contribuir para uma boa organização dos debates. Argumentos racionais, logicamente consistentes e condizentes com a realidade, ainda são o melhor instrumento para a tomada de decisões inteligentes em matéria de políticas públicas, que é finalmente o que todos desejamos como cidadãos participativos na vida social. Não consigo compreender, assim, como os agrupamentos e personalidades que se dizem de esquerda conseguem ignorar todos os dados da realidade para se lançar numa cruzada contra a globalização, tão ingênua quanto desprovida de argumentação sólida. Entendo que deva ser por anticapitalismo instintivo, pois não encontro outra explicação.
Por isso, ao encerrar estar reflexões e propor um brinde à globalização — por sua capacidade de, simultaneamente, trazer crescimento econômico, diminuir a pobreza global e contribuir para a redução progressiva das desigualdades sociais e nacionais —, desejo sugerir que as energias tão empenhadamente concentradas em protestar contra a globalização sejam empregadas doravante num estudo sério, de caráter multidisciplinar, de suas modalidades, impactos e incidência do ponto de vista do Brasil. Se ouso propor um nome, consoante minha vocação eclética e ecumênica (como já desvendado em meu livro Velhos e Novos Manifestos, de 1999), seria "Foro Marxista de Estudos sobre a Globalização Capitalista", sem qualquer ironia involuntária.
Retomando as velhas tradições de análise crítica do desenvolvimento do modo de produção capitalista, já iniciadas no Manifesto de 1848, e parafraseando o final grandiloqüente desse ensaio tão atual quanto pertinente, eu poderia dizer que os anti-globalizadores de hoje não têm nada a perder com esse tipo de exercício intelectual, a não ser alguns velhos grilhões mentais que os mantêm cegos e presos a esquemas conceituais ultrapassados. Em contrapartida, eles têm um mundo novo a ganhar: basta saber um pouco de história, olhar para o mundo e conhecer um pouquinho só de economia. O resto é bom senso…
Publicado na Revista Virtual Espaço Acadêmico
http://www.espacoacademico.com.br
Paulo Roberto de Almeida (*)
paulo_almeida[arroba]terra.com.br
(*) Doutor em Ciências Sociais e autor de vários livros na área diplomática e das relaçoes internacionais
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