Historia e testemunhas
O presente trabalho tem por objetivo compreender que aconteceu aquele 25 de abril, quais foram as suas causas e que mudanças provocou na sociedade. Em fim, compreender através da história aquele povo tão distante geograficamente como é Portugal para nós.
É por isso que ele baseia-se nas conversas que manteve com distintas pessoas que, a sua maneira, foram protagonistas (dado que a trama histórica os envolveu sem pedir-lhes permissão) e que partilharam suas vivências comigo.
Tomei-me a liberdade de misturar os relatos, de juntá-los e em alguns casos de relatá-los a minha forma para agilizar seu tratamento e para facilitar o conteúdo; também há presença de material bibliográfico que serviu para contextualizar as entrevistas.
Dia 25 de abril de 1974. Zero horas e vinte e nove minutos. Forças Militares em vários pontos do país estão esperando que uma canção do José Afonso (cantante "pop") esteja no ar. Portugal dispõe-se a dormir. Os compassos da melodia acompanham no seu trabalho as pessoas que ouvem o programa "Limite" da Rádio Renascença.
Por fim chegou o momento de mudar a história de Portugal e a senha chegou com a canção "Grânola, Vila Morena" que logo tornaria-se símbolo do próprio 25 de abril.
A este sinal todas as unidades previamente incluídas no plano de operações (do qual poucas foram excluídas) iniciaram os preparativos indispensáveis sob as ordens dos oficiais do Movimento das Forças Armadas.
O desencadeamento da operação fez-se a nível nacional empurrados pela precária situação econômica, social, militar, política e ideológica que coadjuvam à essência de um movimento de liberdade que surge das próprias entranhas do Exercito.
Os capitães tomaram os pontos vitais da cidade. A partir das três horas da manha do 25 de abril (Operacionalmente conhecida como hora H) começam as forças a movimentar-se em direção aos objetivos. Vão caindo nas mãos dos revoltosos os centros neurálgicos da capacidade de manobra do regime sem qualquer esboço de resistência: Radio - Televisão, Radio Clube Português, Emissora Nacional (os primeiros conquistados são os meios de comunicação social vitais.) Quartel Geral de Lisboa, Aeroporto Internacional, Banco de Portugal, também são bloqueadas as vias de comunicação e aqueles que tinham vindo de barco desde Castilhas, Almada, Barreiro e Montijo tiveram que voltar para as suas casas.
A cidade ia despertando, e a través da rádio apercebia-se que algo muito importante estava a acontecer.
Pelo Rádio Clube Português, Luís Felipe Costa leu um comunicado do Movimento das Forças Armadas no qual se explicava a finalidade da ação desencadeada:
"As Forças Armadas desencadearam na madrugada de hoje uma série de acçoes com vista à libertação do país do regime que há longo tempo domina. Nos seus comunicados as Forças Armadas têm apelado para a não intervenção das forças policiais com o objetivo de evitar derramamento de sangue .
Embora este desejo se mantenha firme não se evitará responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que se venha a manifestar. Consciente de que interpreta os verdadeiros sentimentos da Nação, o Movimento das Forças Armadas prosseguirá na sua ação libertadora e pede-se à população que se mantenha calma e se recolha às suas residências".Viva Portugal"
Os planejadores da ação militar parecem ter partido do principio de que bastaria a neutralização dos órgãos de comunicação social para que a população aguardasse tranqüila o derrube do regime fascista, no entanto se apela para que os médicos e pessoal de enfermagem se apresentem nos hospitais fazendo votos de que a sua colaboração seja desnecessária.
A população esteve informada através de comunicados curtos, mas de grande valor informativo manifestando sempre uma progressiva tomada do poder pelas forças do M.F.A.
Segundo a testemunha dos portugueses houve primeiro momentos de tensão e também de incredulidade já que o antecedente de golpe que se deu um mês antes nas Caldas da Rainha tinha fracassado e a população tinha medo que este novo golpe também fracassara.
Há quem diga que a levantamento do Regimento de Infantaria Nº. 5 das Caldas da Rainha não fracassou por falta de coordenação se não que este fracasso foi premeditado.
O governo sabia que algo estava a gestarse; ele tinha informações da existência do Movimento dos Capitães mas não lhe dava a importância que realmente merecia e com o seu controle nas Caldas de Rainha as esferas governamentais ficaram sossegadas ao pensar que a ameaça tinha sido controlada.
Voltando àquele 25 de abril pode-se ver como em poucas horas grande parte do plano operacional do M.F.A. estava executado.
Era já tarde quando o regime acordou.
Os meios de comunicação social eram utilizados pelo M.F.A. para mobilizar a população em seu favor e esta responde com crescente entusiasmo ao teor dos comunicados transmitidos e nos objetivos políticos por eles enunciados.
" Na seqüência das acçoes desencadeadas na madrugada de hoje com o objetivo de derrubar o regime que há longo tempo oprime o País, as Forças Armadas informam que de norte a sul dominam a situação e que em breve chegará a hora da libertação.
Reafirma-se o desejo veemente de evitar derramamento de sangue mas igualmente se reafirma a decisão inabalável de responder, decidida e implacavelmente, a qualquer oposição que as forças militarizadas e policiais pretendam oferecer.
Recomenda-se de novo à população que se mantenha calma e nas suas residências para evitar incidentes desagradáveis cuja responsabilidade caberá às poucas forças que se opõem ao Movimento.
Chama-se a atenção de todos os estabelecimentos comerciais de que devem encerrar imediatamente as suas portas, colaborando desta forma com o Movimento, de modo de evitar problemas desnecessários e inúteis. Caso esta determinação não seja acatada será forçoso decretar o recolher obrigatório.
Ciente de que interpreta fielmente os verdadeiros sentimentos de Nação, o Movimento das Forças Armadas prosseguirá inabalavelmente a missão que a sua consciência de portugueses e militares exigem. Viva Portugal!!".
Ao fim da manha o ponto neurálgico das operações vai-se concentrando no quartel do Carmo onde Marcelo Caetano (sucessor de Salazar) e vários membros do governo se foram refugiando.
Os ocasionais defensores do regime, dominados pelas circunstâncias, hesitam; o regime vai caindo, nem um só homem morreu para defendê-lo; cai como um castelo de cartas sem que um único tiro seja disparado na sua defesa o regime morre: podre e só; abandonado e traído.
Salguero Maia comandante das tropas cerca o Quartel do Carmo; local onde o poder passará as mãos do general Antonio Ribeiro de Spínola.
É o próprio Marcelo Caetano (Presidente do Conselho de Ministros) quem acha que Spínola é o único homem capaz para evitar " que o poder caia na rua".
Ele diz que não é o jefe do Movimento e que não tinha tomado, nem tomaria armas contra o governo mas que ficava a disposição para fazer tudo o pretendido; sobre tudo para evitar o derramamento de sangre.
O Carmo estava rodeado de tropas e de povo. Há vivas a Portugal e ao Exercito. Há euforia desbordada.
Alguns choram, outros cantam o hino todos abracam-se febrilmente e batem palmas. A pesar dos quase 50 anos de regime ainda há alegria.
Estamos assistindo desta maneira ao enterro do passado para que possa nascer o presente.
Fica o acordo com Caetano para a transmissão de poderes. (Operação mais política do que militar).
A revolução tem triunfado.
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