A ciência e a tecnologia contemporâneas passam por mudanças rápidas e paradoxais, difíceis de explicar em termos simples. Estão se tornando mais globais, mas também mais concentradas; exigem mão-de-obra mais educada, mas substituem os homens pelas máquinas; tornam-se mais aplicadas, mas também mais básicas; estão mais ligadas do que nunca à iniciativa privada, mas continuam dependentes de políticas públicas e apoio governamental. No texto que se segue, tentarei detalhar algumas dessas tendências aparentemente contraditórias e as implicações que acarretam, do ponto de vista de políticas para o setor.
Basta olharmos em torno para ver como a ciência e a tecnologia modernas estão presentes em tudo, invadindo todos os tipos de atividades humanas. Menos óbvio é que se tornam também mais esotéricas, sendo compreendidas por um número pequeno, e até mesmo decrescente de pessoas. Isto é o oposto do que se pensava normalmente, quando a ciência e a educação eram vistas como parte de uma tendência global e irreversível ao progresso e à racionalidade, que inevitavelmente chegaria a todas as sociedades, embora em momentos distintos (Basalla, 1989). Vários fatos, nos países industrializados, pareciam confirmar essa tendência: a expansao do ensino em todos os níveis; a importância crescente das profissões de base científica e tecnológica, substituindo as velhas tradições humanísticas; o fascínio popular pelas conquistas da ciência moderna, gerando grupos de cientistas amadores e atraindo mentes brilhantes para as profissões científicas; os investimentos cada vez maiores em pesquisa, oriundos de governos e de agências e instituições privadas; e, mais recentemente, o desenvolvimento da indústria e dos serviços de alto conteúdo tecnológico.
Ciência moderna e cultura científica
Agora, muitas dessas tendências parecem estar se revertendo, ou pelo menos apontando para direções inesperadas. À medida que a ciência e a tecnologia modernas tornam-se mais complexas e dispendiosas, exigindo muitos anos de estudo aplicado e de especialização, equipamentos sofisticados e caros, e linguagens cada vez mais esotéricas, aumenta a distância entre o cientista e o leigo, que passa a conceber a ciência e seus produtos como que revestidos de qualidades mágicas. No passado, nem todos podiam ser um inventor como Thomas Edison ou um Rudolf Diesel, mas não era difícil para uma pessoa de educação mediana compreender como um telefone ou um automóvel funcionavam, e lidar com eles quando necessário. Mesmo os rádios podiam ser desmontados e montados com pouco mais do que uma chave-de-fenda, e revistas de ciência popular e cursos por correspondência davam as informações necessárias a preços módicos. Hoje, quem abrir os produtos das modernas tecnologias encontrará apenas chips e circuitos impressos incompreensíveis, e não terá como fugir da assistência técnica especializada.
Com isto desaparece velho herói da ciência e tecnologia do passado, o 'inventor'. Figuras como Graham Bell, os irmãos Wright e Santos Dumont conquistavam a imaginação das pessoas não só pelo engenho de suas invenções, mas porque pareciam não ser muito diferentes de qualquer pessoa empreendedora, razoavelmente habilidosa e talvez ligeiramente louca. A maioria dos países ocidentais tem seus próprios inventores e pioneiros do avião, do carro motorizado e da câmera fotográfica, fontes de orgulho nacional e inspiração. Os heróis científicos de nosso tempo, contudo, são melhor exemplificados por Albert Einstein e Stephen Hawking, admirados como homens quase supra-naturais, conhecedores de matemáticas incompreensíveis e estranhas teorias sobre as origens e a natureza do universo, que nenhuma pessoa comum tem a esperança de entender. A esse distanciamento entre a ciência e o homem comum, poderíamos acrescentar a demonização da ciência, da tecnologia e da racionalidade, que é parte da cultura popular em muitas partes do mundo. Não é somente que a ciência pode ser destrutiva, como as bombas atômicas e as armas químicas. A ciência e a tecnologia moderna são acusadas de destruir o meio ambiente, gerar desemprego, danificar a saúde e controlar a sociedade através de seus computadores, burocracias e instituições educacionais. A conseqüência é que, ao mesmo tempo em que a ciência moderna se expande, talvez exista hoje menos 'cultura científica' e 'ideologia científica' entre pessoas instruídas do que no passado. As pessoas sabem menos, e acreditam menos em seu valor.
A educação formal expandiu-se em todos os níveis nos países industrializados, e uma de suas suposições é que ela poderia transmitir, desde a escola básica, algo específico que poderia ser chamado de 'método científico', ou de modo científico de pensar, diferente (e melhor) do que as operações de mentes não cultivadas. Hoje sabemos que não há um 'método científico' em si, separado dos campos e tradições específicas de pesquisa, uma espécie de "ginástica da inteligência" que possa ser usada na preparação de mentes. O trabalho efetivo nas ciências contemporâneas está mais distante do que nunca daquilo que pode se passar numa sala de aula. O que a educação básica pode fazer, como fez com mais ou menos sucesso em muitos casos, é modelar atitudes - convencer pessoas do valor da ciência e acostumá-las às exigências de um trabalho disciplinado e concentrado. É por isso que a educação no Japão e em alguns outros países pode ser ao mesmo tempo conservadora do ponto de vista pedagógico e tão eficiente na obtenção de gente capaz para a pesquisa tecnológica. Os EUA, em contraste, com uma experiência muito mais rica de incentivos à criatividade, curiosidade e iniciativa entre os estudantes, parecem ter muito menos sucesso na transformação de seus jovens em pesquisadores empenhados em seu trabalho.
A situação tornou-se ainda mais problemática com a tendência à universalização do ensino secundário e à massificação do ensino superior. Países pequenos e homogêneos podem não sentir o problema tão fortemente quanto os EUA, Brasil, índia ou Indonésia. Os sistemas educacionais nestas sociedades são como colchas de retalho de tradições culturais e sistemas de valores entrecruzados, que não poderiam tornar-se homogêneos pela simples transmissão de conteúdos educacionais padronizados na sala de aula, mesmo que suas escolas tivessem um bom desempenho e dispusessem de bons professores e equipamentos, o que na maioria das vezes não acontece. O que chega à maioria dos estudantes, em nome da ciência e das humanidades, é fragmentário, difícil de aprender e com freqüência destituído de sentido, tanto para os alunos como para os professores. Reações comuns são, primeiro, as tentativas de substituir a formação científica ou humanística geral pela formação profissional especializada, supostamente mais prática, mas claramente inadequada em relação às exigências de conhecimento das sociedades contemporâneas; e, segundo, a busca de cursos voltados à construção de identidades coletivas e de cosmogonias mais simples do que aquelas proporcionadas pela difícil e incerta estrada da ciência. Se estes conhecimentos não estiverem disponíveis dentro das instituições de educação formal, eles podem ser encontrados nos meios de comunicação de massas e em outros lugares. O resultado é a combinação de perfis profissionais empobrecidos e estreitos com visões de mundo "alternativas" que vão desde a busca da sabedoria oriental à elaboração mapas astrológicos por computador, passando pela medicina homeopática e pelos alimentos 'orgânicos' e semi-mágicos. Em geral, essas cosmogonias e estilos de vida alternativos não exigem a rejeição dos produtos da tecnologia avançada, dos automóveis e motocicletas aos conjuntos de TV-vídeo, ou ao uso de informação computadorizada e bancos de dados. Recentemente, em algumas ilhas do Pacífico, antropólogos encontraram tribos que construíam altares na forma de aviões, e rezavam para que eles mandassem alimentos e outros produtos por para-quedas. Este "culto da carga" está mais próximo da realidade das sociedades modernas do que se supõe.
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