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Observa-se que, agora, mesmo sendo cabível o encarceramento provisório (por ser, repita-se, necessário), o não recolhimento do acusado não pode ser obstáculo à interposição de eventual recurso especial pela defesa, e se recurso houver, a fuga posterior não lhe obstará o regular andamento (não pode ser considerado deserto).
Vê-se que não optamos pela interpretação literal do art. 27, § 2º., o que seria desastroso, tendo em vista as garantias constitucionais acima vistas. Por outro lado, utilizamo-nos do critério da interpretação conforme a Constituição, procurando adequar o texto legal com o Texto Maior e evitando negar vigência ao dispositivo, mas, antes, admitindo-o válido a partir de uma interpretação garantidora e em consonância com a Constituição.
Afinal de contas, como já escreveu Cappelletti, "a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas."6
Só poderíamos interpretar este artigo literalmente se este modo interpretativo fosse possível à luz da Constituição. Por outro lado, não entendemos ser o caso de, simplesmente, reconhecer inválida a norma insculpida naquele artigo de lei. A nós nos parece ser possível interpretá-la em conformidade com o texto constitucional, sem que se o declare inválido e sem "ultrapassar os limites que resultam do sentido literal e do contexto significativo da lei."7
Se verdade é que "por detrás da lei está uma determinada intenção reguladora, estão valorações, aspirações e reflexões substantivas, que nela acharam expressão mais ou menos clara", também é certo que "uma lei, logo que seja aplicada, irradia uma acção que lhe é peculiar, que transcende aquilo que o legislador tinha intentado. A lei intervém em relações da vida diversas e em mutação, cujo conjunto o legislador não podia ter abrangido e dá resposta a questões que o legislador ainda não tinha colocado a si próprio. Adquire, com o decurso do tempo, cada vez mais como que uma vida própria e afasta-se, deste modo, das idéias dos seus autores." (grifo nosso): teoria objetivista ou teoria da interpretação imanente à lei.8
Portanto, não se pode ler o referido artigo de lei e inferir o que se traduz gramaticalmente desta leitura. A interpretação literal efetivamente deve ser o início do trabalho, mas não o completa satisfatoriamente.9
Em reforço à tese ora esboçada, ilustra-se dizendo que na exposição de motivos do projeto de lei de reforma do Código de Processo Penal, afirma-se que "toda prisão antes do trânsito em julgado final somente pode ter o caráter cautelar. A execução ‘antecipada’ não se coaduna com os princípios e garantias do Estado Constitucional e Democrático de Direito."
Atentando-se, outrossim, para o sistema jurídico e fazendo uma interpretação sistemática do dispositivo10, assinalamos que, posteriormente a ele, surgiu no cenário jurídico brasileiro a Lei nº. 8.072/90 (Crimes Hediondos), dispondo que "em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade." (art. 2º., § 2º., com grifo nosso).11
Maximiliano já escreveu que o "Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio."12
É possível a interposição simultânea dos recursos especial e extraordinário contra acórdão com duplo fundamento (legal e constitucional), excepcionando-se o princípio da unirrecorribilidade recursal, segundo o qual de cada decisão judicial cabe apenas um único recurso. Neste caso, indispensável que o recorrente apresente duas petições distintas, em conformidade com o art. 26 da Lei nº. 8.038/90.
Assim, na lição de Ada, Scarance e Magalhães Gomes Filho, é possível a dupla interposição "se houver fundamentos legais e constitucionais que autorizem as duas impugnações."13
Neste sentido, veja-se esta decisão do STF:
"O recurso extraordinário e o recurso especial são institutos de direito processual constitucional. Trata-se de modalidades excepcionais de impugnação recursal, com domínios temáticos próprios que lhes foram constitucionalmente reservados.
Assentando-se, o acórdão do Tribunal inferior, em duplo fundamento, impõe-se à parte interessada o dever de interpor tanto o recurso especial para o STJ (para exame da controvérsia de caráter eminentemente legal) quanto o recurso extraordinário para o STF (para apreciação do litígio de índole essencialmente constitucional), sob pena de, em não se deduzindo qualquer desses recursos, o recorrente sofrer as conseqüências indicadas na Súmula 283/STF, motivadas pela existência de fundamento inatacado, apto a dar, à decisão recorrida, condições suficientes para subsistir autonomamente. A circunstância de o STJ haver examinado o mérito da causa, negando provimento ao recurso especial – e, assim, resolvendo a controvérsia de mera legalidade instaurada nessa via excepcional – não prejudica o conhecimento do recurso extraordinário, que, visando à solução de litígio de índole essencialmente constitucional, foi interposto, simultaneamente, pela mesma parte recorrente, contra o acórdão por ela também impugnado em sede recursal especial." (STF – 2ª .
Turma – Ag. em Rextr. nº. 246.370-1/SC – Rel. p/ Acórdão Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 05/05/00, p. 34).
Para que seja conhecido o recurso especial, indispensável o prequestionamento, consistente "no prévio tratamento do tema de direito federal pela decisão recorrida."14
Assim, "o prequestionamento da matéria é pressuposto indispensável ao conhecimento do recurso interposto sob o fundamento da letra a, do inciso III, do art. 105 da CF." (STJ – 2ª . Turma – Resp. nº. 9.402/SP – Rel. Ministro Peçanha Martins, Diário da Justiça, Seção I, 30/09/91).
Na verdade, o prequestionamento nada mais é senão a necessidade de que tenha havido no Juízo recorrido o debate e a decisão sobre a matéria federal objeto do recurso especial, "emitindo juízo de valor sobre o tema"15. Se tal circunstância não ocorreu deverão ser utilizados os embargos declaratórios16 visando a provocar efetivamente a discussão do tema objeto do recurso, pois "em sede de recurso especial não se decide sobre matérias não discutidas e nem julgadas nas instâncias ordinárias." (STJ – 1ª . Turma – Resp. nº. 59.256-9/RS – Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, 05/04/95), "não bastando, obviamente, sua argüição pela parte durante o processo ou nas razões do recurso ordinário."17
O prequestionamento é considerado pela doutrina e pela jurisprudência como um verdadeiro requisito de admissibilidade do recurso especial.
Para a interposição deste recurso extremo faz-se necessário, além do prequestionamento, a indicação expressa do dispositivo legal contestado, mesmo porque "a referência genérica à lei federal porventura vulnerada, sem a particularização de qualquer artigo, bem como a falta de indicação de arestos visando a demonstração da dissidência jurisprudencial, torna inviável o recurso especial, dado a ausência de pressupostos básicos a sua admissibilidade, pelas alíneas ‘a’ e ‘c’, do permissivo constitucional (...) Na interposição do recurso especial fundado na letra ‘a’ do permissivo constitucional é necessária a indicação do dispositivo de lei federal supostamente violado, para a exata compreensão da controvérsia, possibilitando o exame do apelo na instância especial." (STJ – 5ª . Turma – Resp. nº. 43.037/SP – Rel. Ministro Cid Flaquer Scartezzini, Diário da Justiça, Seção I, 29/04/96, p. 13.427).
O Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, vem admitindo o chamado prequestionamento implícito, "exigindo apenas que a questão tenha sido posta na instância de origem" (Resp. 2.336-MG, RT 659/192). "É chamado de prequestionamento implícito o que reputa uma questão implicitamente apreciada, em razão de expressa apreciação de questão outra, que daquela é decorrente. Um exemplo de prequestionamento implícito consiste na questão da competência do Juiz: se ele julga a questão de mérito, implicitamente reconhece sua competência", segundo o ensinamento de Bruno Mattos e Silva.18
É importante ressaltar que somente será admissível o recurso especial se esgotadas as vias recursais ordinárias. A propósito, editou-se a Súmula 207 do STJ: "É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem."
O prazo para a interposição do recurso vem estabelecido na referida Lei nº. 8.038/90, art. 26, ou seja, quinze dias, devendo ser impetrado perante o Presidente do Tribunal recorrido, a quem caberá um primeiro juízo de admissibilidade19, podendo haver a interrupção deste prazo se houver a oposição de embargos declaratórios.
Se o Presidente do Tribunal recorrido denegar o recurso será cabível agravo de instrumento no prazo de cinco dias para o STJ (art. 28 da Lei nº. 8.038/90), possibilitando, assim, o reexame deste primeiro juízo de admissibilidade.
O art. 26 da referida lei ordinária estabelece os requisitos gerais da petição de interposição do recurso especial.
O procedimento também vem disciplinado nesta lei.
PRÁTICA - MODELO
Excelentíssimo Senhor Juiz-Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
O Procurador-Geral de Justiça do Estado da Bahia, nos autos da apelação criminal nº. ..........., desta Comarca da Capital, tendo como apelante o Sr................................................................e como apelada a Justiça Pública, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c" da Constituição Federal, vem interpor o presente RECURSO ESPECIAL para o Colendo Superior Tribunal de Justiça, pelos motivos adiante deduzidos:
O apelante foi processado como incurso no art. 171, caput do Código Penal porque no dia 04 de abril do ano de 2001 emitiu um cheque no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, apondo na cártula data posterior àquela em que realmente efetivava a compra no estabelecimento comercial ........................, localizado nesta Capital, na .....................................................
Ao final da instrução processual, o Juiz de Direito julgou procedente a acusação, aplicando ao réu a pena de 1 ano de reclusão (fls. 27/30).
Irresignado, o acusado apelou visando a sua absolvição, por entender que se tratava de um fato, do ponto de vista penal, absolutamente atípico.
A 1ª . Câmara Criminal deste Tribunal julgou procedente a apelação interposta, reformando a decisão de 1º. grau e absolvendo o réu, sob o argumento de que a conduta do sentenciado se tratava, em verdade, de um mero ilícito civil.
Com a devida vênia, assim decidindo, os eminentes Desembargadores negaram vigência ao texto do art. 171, caput do Código Penal, como mostraremos a seguir.
Com efeito, a questão do cheque pré-datado, dado como garantia de dívida e não como pagamento à vista, é deveras polêmica, constituindo-se, verdadeiramente, numa vexata quaestio, entendendo muitos que a sua emissão não constitui nenhum ilícito penal.
É induvidoso que para se caracterizar o delito tipificado no art. 171, § 2º., VI do Código Penal urge que o título cambial se cubra de todos os requisitos legais pertinentes, inclusive que seja emitido como forma de pagamento à vista de dívida contraída pelo emitente. Em sendo assim, é lógico e evidente que o cheque pré-datado, aquele que visa a um pagamento futuro, não pode e não deve ser considerado como título cambial, o que acarreta a impossibilidade jurídica de sua emissão configurar o delito acima referido.
Coisa diferente, porém, é o crime previsto no caput do art. 171 do mesmo Código, ou seja, o chamado estelionato simples. Para esta figura penal são exigidos determinados elementos sem os quais não haverá a infração. Ora, se é certo que o cheque transmudado de ordem de pagamento à vista para garantia de quitação futura não traz como conseqüência a consumação do delito específico, o mesmo não ocorre quando se fala do crime previsto no estelionato simples.
Para a configuração deste último crime urge que determinadas circunstâncias sejam observadas: em primeiro lugar que haja vantagem ilícita.
Ora, quem emite um cheque como forma de garantir uma compra efetuada a prazo e, na data acertada, sem justificativa nenhuma, não deposita o numerário suficiente para a respectiva quitação, auferiu ou não vantagem ilícita? A resposta é afirmativa, posto que o emitente recebeu as mercadorias, delas usufruiu e, no entanto, no momento da compensação financeira concertada com o vendedor, não honrou o compromisso. Induvidoso, por isso, a vantagem ilícita e em proveito próprio ou de terceiro.
A segunda exigência do tipo penal é a existência de prejuízo alheio; pergunta-se: o comerciante, ilaqueado em sua boa-fé, lesado na confiança depositada no seu cliente, sofreu ou não desvantagem patrimonial considerável? Afirma-se, também, o presente questionamento, visto que, despojado de bens a ele pertencentes, não teve o ressarcimento devido com o negócio efetuado, ou, em outras palavras, vendeu o que possuía e não recebeu a quantia equivalente, tendo, inquestionavelmente, prejuízo financeiro importante (R$ 25.000,00), ainda mais sobrevivendo unicamente desta atividade e tendo que pagar a seus fornecedores.
O terceiro requisito é a existência de meio fraudulento, induzindo ou mantendo alguém em erro, para a obtenção da vantagem indevida. Aqui, igualmente, encontramos suporte suficiente para adequar o cheque pré-datado ao tipo penal sob análise.
O fato de alguém, na data aprazada, não fazer o depósito necessário para que a sua conta corrente fosse suficientemente abastecida e pudesse, consequentemente, cobrir o cheque que seria depositado, por si só, já indica conduta dolosa no sentido de prejudicar o terceiro mantido em erro, mediante a fraude, que consistiu, especificamente, em emitir um cheque, prometendo pagá-lo em determinada época e, neste momento (sabedor que era da obrigação assumida, em confiança), não honrar o compromisso assumido.
Entendemos, que a situação se conforma perfeitamente com o tipo penal do art. 171, caput, o que não foi considerado pelo acórdão recorrido que, em última análise, negou-lhe vigência.
Não é justo que o comerciante, lesado em seu patrimônio, fique desprotegido em detrimento da impunidade e incentivo ao enriquecimento ilícito. Ademais, o cheque pré-datado já é um instrumento corriqueiro no comércio brasileiro usado indiscriminadamente pelos consumidores.
A propósito, o jornal O GLOBO, do dia 21 de junho de 1995, mais especificamente no Caderno de Economia, reportou-se a algumas considerações a respeito do fenômeno do cheque pré-datado, reafirmando a disposição da justiça carioca em considerar relevantes os efeitos jurídicos advindos da emissão do citado cheque, inclusive transcrevendo opiniões que a seguir mostraremos:
Inicialmente, vejamos trecho de uma sentença do Juiz Sebastião Pereira de Souza, onde o mesmo afirma que "apesar de o cheque pré-datado não existir legalmente, havia, nesse caso, uma relação jurídica entre o comprador e o vendedor."
Já o Procurador de Justiça, Dr. Hélio Gama, entende que, "pelo tempo que vem sendo utilizado, cerca de dois anos, o cheque pré-datado se alçou à condição de nota promissória. Os tribunais têm considerado os cheques pré-datados assim, e não mais somente como pagamento à vista."
Por sua vez, o advogado Antônio Mallet escalrece ter "o costume modificado a questão jurídica e, mesmo o cheque pré-datado não sendo reconhecido pela lei, existe um contrato entre as partes que deve ser cumprido, e não pode haver prejuízo de nenhum dos lados."
Na matéria, a jornalista Nadja Sampaio informa que "em suas decisões, os juízes vêm entendendo que existe um contrato subentendido no acordo verbal entre consumidor e lojista, e ambas as partes têm de cumpri-lo."
A transcrição da matéria jornalística demonstra bem a disposição em aceitar esta operação como juridicamente relevante, o que implica em também aceitála, do ponto de vista penal, como juridicamente tutelada.
Aliás, o próprio Nelson Hungria já esboçava, àquele tempo, uma opinião que se coaduna, mutatis mutandis, ao que hoje se procura mostrar nestas razões recursais:
"(...) se falta qualquer dos requisitos formais exigidos pela lei, o título deixa de ser cheque, não se podendo falar, portanto, em ‘fraude no pagamento por meio de cheque’, embora possa ser reconhecido, no caso, o estelionato no seu tipo fundamental ( ficando, assim, afastada a objeção de DONNEDIEU DE VABRES, no sentido de que seria estranho que a circunstância de um vício de forma, que em nada atenua a imoralidade ou o caráter delituoso do agente, possa suprimir sua responsabilidade)."20 (grifo nosso).
O que o mestre do Direito Penal disse é que, ainda não se revestindo das formalidades legais exigidas (v.g., como ordem de pagamento à vista), a emissão do cheque poderá vir a configurar o delito de estelionato no seu tipo fundamental.
Também a jurisprudência, como veremos a seguir:
"COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. EMISSÃO DE CHEQUES PRÉ-DATADOS SEM A SUFICIENTE PROVISÃO DE FUNDOS. HIPÓTESE DO ART. 171, CAPUT, DO CP CARACTERIZADA. JUÍZO COMPETENTE: O DO LOCAL DA EMISSÃO DO CHEQUE. A compra efetuada com cheques pré-datados emitidos em garantia e sem a suficiente provisão de fundos configura o delito da cabeça do art. 171 do CP, e não a hipótese do art. 171, § 2º., VI, do CP, que pressupõe a imediata apresentação da cártula ao estabelecimento bancário sacado; portanto, o Juízo competente para o processo e julgamento é o do local da emissão do cheque e não o da recusa pelo sacado." (STJ, C. Comp. N.º 16.403 – São Paulo, 3ª . Seção, Rel. William Patterson, j. 23.4.97; v.u.).
"Agente que dá cheques em pagamento a serem cobrados na data posterior a emissão, pratica o delito do art. 171, caput (estelionato simples), e não o art. 171, § 2º., VI (fraude no pagamento por meio de cheque), ambos do CP. Assim, se o processo contém fatos descritivos do estelionato simples, e a condenação se dá pela fraude no pagamento por meio de cheques a decisão deve ser reformada com base no art. 621, I, do CPP."(TACRIM-SP - Rev. - Rel. Tyrso Silva - RJD 7/244).
"Não se aplica a todas as hipóteses de emissão de cheques sem fundos o entendimento de que a sua descaracterização ou transformação, de ordem de pagamento à vista, para simples promessa, não conduz à tipicidade do estelionato. A proteção penal do cheque autêntico está no tipo do art. 171, § 2o., VI do CP. O cheque pode ser instrumento hábil a consumação de outros estelionatos, desde que o sujeito ativo seja impelido pela vontade livre e consciente de, induzindo ou mantendo alguém em erro, obter, mediante fraude, vantagem ilícita, causando prejuízo patrimonial ao sujeito passivo. É o estelionato no seu tipo fundamental. É crime contra o patrimônio." (TACRIM-SP - Rev. - Rel. Fábio de Araújo - RJD 1/223 - JUTACRIM 97/505, como grifo nosso).
"Já se tem decidido que a emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado pode, em certos casos, não se constituir no delito previsto no art. 171, § 2º., VI, do CP, mas simplesmente tratar-se de um artifício complementar da ação delituosa do estelionato simples."(Ac. un., de 27/10/70, da 1ª . Cam. TACRIM-SP, Rel. Manoel Pedro, RT, Vol. 423, p. 437).
É sabido que a distinção entre ilícito civil e ilícito penal, passa, necessariamente, pela existência ou não de um elemento fundamental: o dolo em fraudar, ou, nas palavras de Hungria, "o propósito ab initio de frustração do equivalente econômico".
Ademais, na lição de Manzini, a "distinzione tra frode civile e penale è non solo superflua o arbitraria, ma altrasì produttiva di dannosissima confusione, specialmente nei particolari riguardi della truffa (logro, vigarice, trapaça, tramóia...)".21
Em face de todo exposto, certificando-se induvidosamente a negativa de vigência de lei federal por parte do acórdão recorrido, bem como demonstrado o dissenso jurisprudencial que também fundamenta o presente recurso especial, aguarda esta Procuradoria-Geral de Justiça que seja deferido o seu processamento, a fim de que, conhecido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, mereça provimento, reformando-se aquela decisão e firmando-se a responsabilidade penal do sentenciado como infrator do art. 171, caput do Código Penal.
Salvador, em 09 de agosto de 2002.
...........................................
Procurador-Geral de Justiça
Notas
1. Rômulo De Andrade Moreira - Promotor de Justiça e Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça.
Ex-Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia.
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS na graduação e na pós-graduação. Pósgraduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático.
2. Recursos no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed., 2001, p. 269.
3. Obra citada, p. 270.
4 Apud Roberto Delmanto Junior, in As modalidades de prisão provisória e o seu prazo de duração, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 206.
5. Expressão preferida pelos italianos, ao invés do periculum in mora (cfr. Delmanto Junior, Roberto, in As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 67).
6. Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, Vol. I, p. 79.
7. Idem, p. 481.
8. idem, ibidem, p. 446.
9. "Toda a interpretação de um texto há-de iniciar-se com o sentido literal" (idem, p. 450).
10 "Consiste o processo sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto", segundo nos ensina Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Freitas Bastos S/A, 1961, 7ª. ed., p. 164.
11. Infelizmente já houve um retrocesso, pois a nova lei de tóxicos (Lei nº. 10.409/02, art. 46, § 12), estabelece que terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do respectivo procedimento, o que é lamentável.
12. Idem, p. 165.
13. Recursos no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed., 2001, p. 37.
14. Ada, Scarance e Magalhães Gomes Filho, obra citada, p. 271.
15. Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 1.401.
16. Observa-se, contudo, que "os embargos declaratórios não servem de expediente para forçar o ingresso na instância extraordinária, se não ocorreu omissão do acórdão, que se limitou a examinar o pedido tal como foi formulado, sob o aspecto da legalidade do ato." (STJ, ED no MS 632-0, DJU 25/05/92, p. 7.352).
17. Ada, Scarance e Gomes Filho, ob. cit. P. 271.
18. Prequestionamento, Recurso Especial e Recurso Extraordinário, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 10. Sobre o assunto, conferir a obra de José Miguel Garcia Medina, "O prequestionamento nos recursos especial e extraordinário", São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed., 2002.
19. "Caberá ao Presidente do Tribunal, com efeito, verificar com maior profundidade as condições e pressupostos recursais (especialmente se está presente uma das hipóteses constitucionais de cabimento).", como afirmam Ada, Scarance e Gomes Filho (p. 293).
20. Comentários ao Código Penal, Vol. VII, Rio de Janeiro: Forense, p. 250.
21. Trattato di Diritto Penale, Vol. IX, n. 3.381, pp. 385/386, apud Romeu de Almeida Salles Junior, in Apropriação Indébita e Estelionato, Jalovi, 2ª. ed., 1986, p. 217.
Rômulo de Andrade Moreira
romuloamoreira[arroba]uol.com.br
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