Dispõe a Constituição Federal, no seu art. 105, III, que compete ao Superior Tribunal de Justiça "julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
"a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
"b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;
"c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal."
Apenas em tais hipóteses será cabível o recurso especial, tratando-se, portanto, de matéria taxativamente estabelecida.
Este recurso, além dos dispositivos constitucionais, está também disciplinado na Lei nº. 8.038/90 e no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, além de, eventualmente, ser alvo de súmulas.
É um meio recursal que tem indiscutivelmente natureza política, pois visa "primordialmente à tutela do próprio direito objetivo editado pela União."2 Cuida exclusivamente de tutelar a "vigência e eficácia da legislação federal infraconstitucional e busca harmonizar a respectiva jurisprudência. Não debate o conjunto probatório. Súmula 7, STJ." (STJ – 6ª . Turma – Resp. nº. 88.104/SP – Rel. Ministro Vicente Cernicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 17/02/97, p. 2.180).
Logo, "questões jurídicas de índole eminentemente constitucional estão afastadas do âmbito de conhecimento do especial." (STJ – 1ª . Turma – Resp. nº. 59.256-9/RS – Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, 05/04/95), mesmo porque para tais hipóteses o recurso cabível será o extraordinário (art. 102, III da Constituição Federal).
O recurso especial, a par de servir às partes sucumbentes, tem, em última análise, como escopo tutelar o próprio direito federal acaso atingido pela decisão guerreada. Ademais, não é cabível em sede deste recurso extremo perquirir-se acerca de matéria fática, devendo ser analisadas apenas as questões de direito já examinadas pelo Juízo a quo, mesmo porque, se assim não o fosse, o recurso se prestaria a uma segunda apelação. Neste sentido, atente-se para a Súmula nº. 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."
Observe-se, porém, que na lição de Ada, Scarance e Magalhães Gomes Filho, não se pode excluir "a reapreciação de questões atinentes à disciplina legal da prova e também à qualificação jurídica de fatos assentados no julgamento de recursos ordinários."3 A esse respeito, o STJ já decidiu que "o erro sobre critérios de apreciação da prova ou errada aplicação de regras de experiência são matérias de direito e, portanto, não excluem a possibilidade de recurso especial." (STJ, RT 725/531).
Este recurso não tem efeito suspensivo, segundo dispõe o art. 27, § 2º. da Lei nº. 8.038/90: "os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo."
Neste sentido, veja-se este julgado do Supremo Tribunal Federal:
"O direito de recorrer em liberdade não se estende ao recurso especial e ao recurso extraordinário, eis que essas modalidades excepcionais de impugnação recursal não se revestem de eficácia suspensiva." (STF – 1ª . Turma – HC nº. 72.465-5/SP – Rel. Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, 24/11/95, p. 40.387).
Atente-se, porém, para a lição de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual o art. 27, § 2º. da Lei nº. 8.038/90 "visa a regulamentar os recursos de forma genérica, não sendo aplicável, quanto aos efeitos prisionais, à esfera penal."4
Aliás, não é mesmo possível admitir-se o efeito somente devolutivo do recurso especial (e mesmo do extraordinário) na esfera penal, pois estaríamos contrariando o princípio constitucional da presunção de inocência.
Ora, se o art. 5º., LVII, da Constituição proclama que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", é de todo inadmissível que alguém seja preso antes de definitivamente julgado, salvo a hipótese desta prisão provisória se revestir de caráter cautelar, independentemente de primariedade e de bons antecedentes. Soa, portanto, estranho alguém ser presumivelmente considerado não culpado (pois, ainda não foi condenado definitivamente) e, ao mesmo tempo, ser obrigado a se recolher à prisão, mesmo não representando a sua liberdade nenhum risco seja para a sociedade, seja para o processo, seja para a aplicação da lei penal. Mais estranho se nos afigura ao atentarmos que aquela presunção foi declarada constitucionalmente.
Desta forma, esta prisão provisória anterior a uma decisão transitada em julgado, ditada automaticamente pelo só motivo do recurso não ter efeito suspensivo, só se revestirá de legitimidade caso seja devidamente fundamentada (art. 5º., LXI, CF/88) e reste demonstrada a sua necessidade (periculum libertatis5).
Resta-nos, então, já que legem habemus, interpretar este dispositivo legal à luz da Constituição Federal, a fim de que possamos entendê-lo ainda como válido, fazendo, porém, uma leitura efetivamente garantidora.
Ora, se temos a garantia constitucional da presunção de inocência, é evidente que não pode ser efeito de um acórdão recorrível, pura e simplesmente, um decreto prisional, sem que se perquira quanto à necessidade do encarceramento.
Como sabemos, entre nós, cabível será a prisão preventiva sempre que se tratar de garantir a ordem pública, a ordem econômica, ou por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. São estes os requisitos da prisão preventiva e que configuram exatamente o periculum libertatis. Estes requisitos, portanto, representam a necessidade da prisão preventiva, que não é outra coisa senão uma medida de natureza flagrantemente cautelar, pois visa a resguardar, em última análise, a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (há, ainda, os pressupostos desta prisão, que não nos interessam no presente estudo).
Se assim o é, fácil é interpretar este art. 27, § 2º. da Lei nº. 8.038/90 da seguinte forma e nos seguintes termos: a prisão será uma decorrência do acórdão confirmatório da sentença condenatória sempre que, in casu, seja cabível a prisão preventiva contra o réu. O que definirá se o acusado aguardará preso ou em liberdade o julgamento final do processo é a comprovação da presença de um daqueles requisitos acima referidos.
Conclui-se que a necessidade é o fator determinante para alguém aguardar preso o julgamento final do seu processo, já que a Constituição garante que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."
Por outro lado, como a ampla defesa (e no seu bojo a garantia do duplo grau de jurisdição) também está absolutamente tutelada pela Carta Magna, o artigo ora analisado não pode ser interpretado literalmente, porém, mais uma vez, em conformidade com aquele Diploma, lendo-o da seguinte forma: não se pode admitir que o recurso especial interposto contra uma decisão de natureza condenatória/penal tenha, tão-somente, efeito devolutivo. Aqui, vamos, inclusive, mais além: mesmo que a prisão seja necessária (e se revista, portanto, da cautelaridade típica da prisão provisória), ainda assim, admitir-se-á o recurso especial, mesmo que não tenha sido preso o acusado, ou que, após ser preso, venha a fugir.
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