A testemunha, em sentido próprio, é uma pessoa diversa dos sujeitos principais do processo (podemos dizer, um terceiro desinteressado) que é chamado em juízo para declarar, positiva ou negativamente, e sob juramento, a respeito de fatos que digam respeito ao julgamento do mérito da ação penal, a partir da percepção sensorial que sobre eles obteve no passado.
Mittermaier define a testemunha como sendo "o indivíduo chamado a depor segundo sua experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato".1 Para Malatesta, o fundamento da prova testemunhal reside "na presunção de que os homens percebam e narrem a verdade, presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra como na realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico".2
O testemunho é um meio de prova disciplinado pelos arts. 202 a 225 do CPP. O Juiz, tendo em vista o sistema de apreciação de provas do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas. No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo testis unus, testis nullus (voix d’un, voix de nul, para os franceses), onde uma só testemunha não valia como prova. Hoje se admite até uma condenação com base em um único testemunho, desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos. Por outro lado, muitas vezes vários testemunhos não são suficientes para uma sentença condenatória. Portanto, o que importa não é o número de testemunhas, mas a credibilidade do respectivo depoimento e o critério com que o julgador o aferirá.
Em nossa sistemática processual a testemunha pode ser:
1) Referida: aquela que, não tendo sido arrolada pelas partes, poderá ser ouvida pelo Juiz por ter sido citada por uma outra testemunha, dita referente (art. 209, § 1º., CPP). A inquirição da testemunha referida pode ser determinada de ofício ou a partir de requerimento das partes. Esta testemunha "corroborará o depoimento da referente, ou lhe será contrário, ou então o completará, trazendo ao conhecimento do juiz novas circunstâncias e elementos de convicção sobre fatos litigiosos".3
2) Judicial: é aquela ouvida por ordem do Juiz, independentemente de indicação ou requerimento das partes (art. 209, caput). Esta prova testemunhal deverá ser produzida após a colheita de toda a prova, quando, ao invés de sentenciar desde logo, o Juiz converterá o julgamento em diligência a fim de ouvir a pessoa desejada; observa-se que o art. 156, in fine, do CPP permite ao Juiz determinar de ofício quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante da questão.
3) Própria: depõe sobre fatos que dizem respeito diretamente ao objeto do processo, ao thema probandum, seja porque os presenciou, seja porque deles ouviu dizer.
4) Imprópria ou instrumental: declara ou certifica fatos que não se referem diretamente ao mérito da ação penal. Na verdade, a testemunha imprópria não presenciou nem ouviu dizer dos fatos, mas assistiu a um ato da persecutio criminis, seja na primeira ou na sua segunda fase, funcionando como um meio de garantia da veracidade e da legalidade de determinado ato praticado na fase investigatória ou na fase judicial. Como diz Manzini, este testemunho é uma "assistenza di controllo, mera guarentigia processuale è invece la così detta testimonianza ad atti processuali".4 Tal testemunha diz apenas, por exemplo, que viu alguém depor sem coação ou ameaça ou que assistiu a apresentação de um preso em flagrante, etc. É evidente que se também presenciou ou ouviu dizer a respeito do thema será inquirida, outrossim, como testemunha própria. No nosso Código podemos exemplificar com os arts. 6º., V, 226, IV, 245, § 7º. e 304, § 2º.
5) Numerária: é a testemunha que presta compromisso ou juramento, na forma do art. 203, primeira parte, do Código de Processo Penal (ver adiante).
6) Informante ou declarante: é a testemunha que está dispensada por lei a prestar o compromisso. São elas os doentes e deficientes mentais e os menores de 14 anos, além de todas aquelas elencadas no art. 206 (art. 208, CPP). Aliás, quanto a estes últimos (os parentes e os afins do acusado), só estão obrigados a depor quando sem os seus respectivos testemunhos não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias (art. 206, in fine). Se assim depõem, não precisam prestar o compromisso, porém remanesce indeclinável o dever jurídico de dizer a verdade (ver adiante).
7) Direta: é a testemunha denominada de visu, ou seja, que sabe dos fatos porque os viu diretamente, os presenciou sensorialmente. Manzini só considerava verdadeiramente testemunha este tipo de declarante, pois, para ele, quem não presenciou os fatos seriam meros informantes. A lei brasileira, no entanto, não faz tal distinção, sendo que pelo sistema do livre convencimento é evidente que o Juiz pode valorar a prova da forma como melhor lhe aprouver, dando, por exemplo, valor maior à palavra da testemunha que viu do que à de quem apenas ouviu dizer.
8) Indireta: ao contrário, esta testemunha declara sobre o que ouviu dizer e não a respeito do que viu; é, portanto, testemunha de auditu. É um meio de prova criticado por muitos sob o argumento de que testis debet deponere de eo quod novit et praesens fuit et sic per proprium sensum et non per sensum alterius. Apesar de ser um testemunho, digamos, mais frágil e menos firme, o certo é que deve ser aceito como prova testemunhal, ainda mais à luz do sistema do livre convencimento que dá uma certa liberdade ao julgador no momento de avaliar a prova.
Para Tornaghi a exigência que deve ser feita para se admitir o testemunho indireto é que o depoente indique "as fontes de sua ciência como, aliás, ordena o art. 203 do Código de Processo Penal. Não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Observa o mesmo jurista que "o testemunho indireto é, ademais, por vezes, o único possível, como no caso de ausentes, de pessoas que, no leito de morte, fazem alguma declaração etc".5 sentido próprio:6
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