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O promotor de justiça e o conciliador na lei 9.099/95 (página 2)

Rômulo de Andrade Moreira

 

Com efeito, lê-se nos três dispositivos citados o seguinte (grifados por nós):

"Art. 72 - Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

"Art. 73 – A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

"Parágrafo único – Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

"Art. 74 – A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

"Parágrafo único – Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação."

Diante dos dispositivos legais acima transcritos, necessariamente são extraídas, desde já, quatro ilações:

1ª.) A presença do representante do Ministério Público na audiência preliminar é obrigatória;

2ª.) É nesta audiência preliminar que se dará a (primeira) tentativa de composição dos danos (poderá haver uma segunda oportunidade prevista no art. 79);

3ª.) Esta tentativa de conciliação para composição dos danos pode ser conduzida por um Conciliador, que agirá sob a orientação do Juiz de Direito.

4ª.) A homologação do acordo acaso efetivado só poderá ser feita pelo Juiz de Direito, vedado ao Conciliador esta ou qualquer outra tarefa de cunho jurisdicional.

A primeira das nossas assertivas é forçada pela literalidade do texto transcrito (art. 72), o qual não dá margem a interpretação diversa; talvez por isso, aliás, a doutrina não discrepa, como veremos a seguir (todos os grifos são nossos):

"Mas a audiência preliminar, conduzida por quem estiver imbuído da adequada mentalidade de mediador, deverá ser o mais informal possível, atendendo aos critérios do art. 62. O juiz (ou conciliador) conversará abertamente com os interessados, deixará que troquem idéias entre si e com ele, induzirá os advogados e o promotor ao mesmo comportamento."(Ada Pellegrini Grinover et alli, in Juizados Especiais Criminais, 2ª. ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 108).

Nesta mesma obra, lê-se adiante:

"Os conciliadores funcionarão nos Juizados como multiplicadores da capacidade de trabalho do juiz. Sentarão junto aos protagonistas principais (MP, autuado, vítima, responsável civil e seus advogados) para conduzir o entendimento destes com vistas à autocomposicão." (p. 118).

Damásio de Jesus afirma que o "Promotor de Justiça participa da composição civil, ainda que o ofendido não seja menor ou incapaz" (Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, Saraiva, 4ª. ed., p. 70).

Mas não é só; para ilustrar vejamos outros doutrinadores:

"A audiência de conciliação é o momento mais importante do procedimento prévio. Presentes o órgão do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o juiz dará início à audiência preliminar (...).

"Sua participação, bem como a do Ministério Público, deve ser a mais informal possível, não apenas conduzindo, como está no art. 72, mas intervindo nos momentos apropriados, quando a conciliação das partes depender de uma palavra, de um conselho, de uma pequena mudança na proposta." (Weber Martins Batista, Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo, Forense, 1996, p. 313).

A seguir esclarece este mesmo autor que como "estabelece o art. 73, a conciliação será conduzida pelo juiz ou conciliador sob sua orientação", que deverá "esclarecer o autor do fato e a vítima sobre as vantagens que a conciliação traz para ambos." (p. 314).

O sempre lembrado Mirabete assevera:

"Por essa razão, devem estar presentes, obrigatoriamente, para a tentativa de conciliação e transação, além do juiz, o representante do Ministério Público, o autor do fato, seu advogado constituído por instrumento próprio ou verbalmente na própria audiência."

(Juizados Especiais Criminais, Atlas, 1997, p. 68).

Para este autor, os conciliadores "terão a condição de auxiliares da Justiça e que tentarão, sob orientação do magistrado, promover o acordo entre a vítima, ou eventualmente o responsável civil, e o autor do fato", tendo "como função apenas presidir, sob a orientação do juiz, a tentativa de conciliação entre as partes, como auxiliares da Justiça que são, nos limites exatos da lei." (págs. 73/74).

O Professor gaúcho, Cézar Roberto Bitencourt, em ótima obra, afirma também que à audiência preliminar "devem comparecer o Ministério Público, as partes – autor e vítima – e, se possível, o responsável civil, todos acompanhados por seus advogados", asseverando, ademais, que "a conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador." (cfr. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, Livraria do Advogado Editora, 3ª. ed., págs. 76 e 78).

Neste mesmo sentido, Fátima Nancy Andrighi e Sidnei Beneti, além de Liberato Póvoa e José Maria de Melo (em duas recentes obras a respeito do assunto); estes dois últimos escreveram:

"Como a finalidade precípua da audiência preliminar é a conciliação do autuado com o Ministério Público (com vistas à transação penal) e com a vítima (levando à transação, renúncia ou submissão), a lei determina a imprescindibilidade da presença das partes e do Ministério Público." (Teoria e Prática dos Juizados Especiais Criminais, Juruá Editora, 1996, p. 44).

Vê-se, portanto, que a presença de um Promotor de Justiça na audiência preliminar é necessária e indeclinável, até porque, acaso não lograda êxito a composição civil (e tendo havido representação ou tratando-se de ação penal pública incondicionada) imediatamente deverá ser dada a palavra ao representante do Ministério Público (providência a ser tomada exclusivamente pelo Juiz de Direito) para que se pronuncie sobre a possibilidade de arquivamento, transação penal ou oferecimento da denúncia oral.

Ora, se ausente estiver o Promotor de Justiça (e sendo o caso de oportunizar-se a transação penal) como se passará à segunda fase desta primeira audiência se não se encontrava no recinto o representante do Ministério Público? Observa-se, a propósito, que a audiência preliminar não tem como fito apenas a tentativa de composição civil dos danos, mas, como bem advertem Marino Pazzaglini Filho e outros, "compõe-se de três fases: composição dos danos civis; transação penal; e oferecimento oral de denúncia." (ob. cit., p. 39); indaga-se: sem o Promotor de Justiça, como haverá a transação penal ou o oferecimento de denúncia oral? É sempre bom relembrar, por outro lado, que a participação do Conciliador se reduz à primeira fase da audiência preambular, visto que, à evidência, não possui ele qualquer poder jurisdicional.

Como adverte o mesmo Mirabete, "o conciliador tem como função apenas presidir, sob a orientação do juiz, a tentativa de conciliação entre as partes (...), portanto, função meramente administrativa (...)", nada impedindo "que o Juiz interfira nas negociações, devendo fazê-lo obrigatoriamente no caso de apurar alguma irregularidade no decorrer das negociações (...)", sem obstar, ademais, "que o juiz promova várias audiências concomitantes, a cargo cada uma de um auxiliar, supervisionando o andamento delas e interferindo apenas quando necessário ou aconselhável." (ob. cit., p. 74).

Sobre esta nobre função, assim se pronunciou a Confederação Nacional do Ministério Público:

"Conclusão 11 – A participação dos conciliadores na audiência prevista pelo art. 72 da lei cessa com o encerramento da fase de reparação civil dos danos entre ofensor e ofendido, qualquer que seja o seu resultado."

Aliás, a mesma Confederação, na sua conclusão anterior assentou:

"É indispensável a presença do Promotor de Justiça à audiência prevista pelo art. 72 da Lei 9.099/95."

Ressalte-se que mesmo havendo a composição civil entre as partes, ainda assim, termina a participação do Conciliador, pois a homologação do respectivo acordo (como ato tipicamente jurisdicional), só poderá ser feita pelo Juiz togado (cfr. neste sentido Damásio de Jesus, ob. cit., p. 69 e Maurício Antônio Ribeiro Lopes, in Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 335).

É evidente que não há falar-se em submissão do Promotor de Justiça ao Conciliador; absolutamente. Estar ao lado deste auxiliar da Justiça não significa estar a ele submetido, mesmo porque, como já se disse, não haverá nesta fase da conciliação civil nenhum ato que se revista de caráter jurisdicional, fato que redundaria, se assim não o fosse, em grosseira inconstitucionalidade, como advertiu Ribeiro Lopes, para quem "é preciso que se afaste por completo qualquer possibilidade de se conferir ao conciliador poderes superiores ao de mediar a composição dos danos civis", não sendo possível submeter-se o Ministério Público "na conciliação à disciplina do conciliador, mero auxiliar da Justiça (arts. 7º. e 73, parágrafo único desta lei), subvertendo a hierarquia constitucionalmente desenhada." (ob. cit., p. 336).

Relembra-se, ademais, que a condução da composição civil pelo Conciliador está submetida à supervisão do Juiz togado, inclusive para prosseguir na audiência, seja homologando o acordo, colhendo a representação da vítima, ouvindo o Ministério Público para a transação penal, pedido de arquivamento ou denúncia oral ou mesmo interferindo na própria conciliação. A atividade do Conciliador, repita-se, restringe-se à condução da conciliação entre o autor do fato e o ofendido, e só.

Diante deste quadro, é perfeitamente possível, como aliás acima foi mostrado por Mirabete, a realização de mais de uma audiência simultaneamente, cada uma com o seu Conciliador, inclusive em horário noturno e em qualquer dia da semana (art. 64).

Diante do exposto, entendemos necessária a presença do representante do Ministério Público na audiência preliminar, inclusive na fase em que esta é conduzida pelo Conciliador; a audiência preliminar será presidida sempre por um Juiz togado, ficando a cargo do auxiliar apenas o encaminhamento da composição civil dos danos; a participação do parquet servirá também para fiscalizar os esclarecimentos prestados pelo Conciliador, funcionando neste primeiro momento da audiência, tipicamente, como fiscal da lei, pugnando ao Juiz togado pela correção de possíveis irregularidades.

É salutar, a fim de que o Promotor de Justiça não se assoberbe de atribuições, que a Procuradoria Geral de Justiça de cada Estado da Federação discipline a atuação dos Promotores de Justiça atuantes junto aos Juizados Especiais Criminais, no sentido de que possa o representante do Ministério Público exercer com equilíbrio e tranqüilidade as suas demais atividades ministeriais (que não são poucas).

 

Rômulo de Andrade Moreira
romuloamoreira[arroba]uol.com.br
Rômulo de Andrade Moreira
Promotor de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais e Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS



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