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1) O sindicalista amigo: salário e empregos na corda bamba
Do setor privado ou do público –aqui com maior estridência –, a função legítima do dirigente sindical é defender os interesses dos seus liderados, a começar pela manutenção e recomposição do poder de compra dos salários da categoria. Por isso não há surpresa em constatar que representantes do funcionalismo público federal já estão reivindicando do novo poder a reposição das "perdas salariais" – por eles avaliadas em 89% – acumuladas no regime do neoliberalismo. Como advertido por um desses amigos do movimento sindical, "não haverá pacto de tolerância". A solução está posta: "Ele (o novo presidente) vai ter que optar. Há recursos, é só não acatar a política do FMI e parar de pagar a dívida externa".
Simples não? Antigas amizades às vezes custam caro para manter, como alguns casamentos de fachada, preservados com presentes caros e sorrisos amarelos. Mas, isto é apenas no plano puramente salarial. Existe ainda a questão vastamente mais complexa da criação de novos empregos e da preservação dos antigos, com ou sem subsídios para criar ou reconverter empregos eliminados pela destruição criadora da modernização capitalista. Como todos sabem, até os próprios interessados, os sindicatos não são feitos para criar empregos (salvo alguns poucos na própria sede), mas para preservar os existentes, ou seja, eles atuam em direção dos já incluídos, não em favor dos milhões de excluídos que constituem o problema mais gritante do Brasil atual. As normas demandadas pelos sindicatos redundam, em grande medida, na diminuição das chances de empregabilidade dos excluídos, que não conseguem encontrar pessoas ou empresas dispostas a contratá-los nas condições fixadas pelos já incluídos. Já não é tão simples, não é mesmo? Por isso, da próxima vez que encontrar um sindicalista amigo, lembre-se: pense duas vezes!
2) José Bové e outros socialistas bovinos de la campagne française: gordos subsídios
Você sabia que uma vaca européia tem uma renda per capita superior à renda média dos brasileiros? Você sabia que, no mesmo continente, existem porcos milionários, com contas em banco, ficha de identidade e cartão de crédito? Você sabia que tomates podem ser lavados com champagne, tão ricos são os fluxos de subsídios que fluem como cornucópia, literalmente, para os bolsos desses paysans bigodudos que vêm nos dar lições sobre como melhor organizar nossa agricultura e lutar contra as sementes geneticamente modificadas das multinacionais americanas? Se não sabia, você ainda não conhece nada da "Loucura Agrícola Européia", a política comum que resulta em gordos subsídios para um punhado de privilegiados e concorrência desleal para os pobres agricultores do Terceiro Mundo. Por isso, quando receber novamente essa personagem inusitada – talvez para a cerimônia de posse – pense duas vezes: evite tapinhas nas costas e sobretudo não combine ações conjuntas contra os subvencionistas americanos.
Esqueça aquela coisa antiga de que subsídio interno, à produção, é permitido ou mesmo recomendável, e que os únicos prejudiciais aos interesses dos exportadores não subvencionistas são as subvenções às exportações. Exatamente o contrário: o apoio às exportações é o aspecto menos importante, e menos danoso, das tremendas distorções que caracterizam hoje os mercados agrícolas mundiais. O que faz mal mesmo aos nossos agricultores são as medidas de apoio interno, pois elas vêm acopladas a restrições de todo tipo – protecionismo tarifário e não tarifário – e provocam depressão nos preços mundiais e acumulação de estoques que depois serão "descarregados" nos países pobres, tornando inviável qualquer progresso econômico e anulando completamente a famosa ajuda ao desenvolvimento que esses "humanistas" pretendem ostentar hipocritamente.
Não precisa pensar duas vezes, aliás: o agricultor europeu e os subvencionistas de todo tipo no hemisfério setentrional são inimigos absolutos dos agricultores brasileiros, em primeiro lugar dos pequenos agricultores familiares preferidos da nova maioria.
3) Consenso de Washington, imposições do FMI e Wall Street: distância deles?
Certamente, mas não pelas razões que usualmente são aventadas em determinados arraiais. Nunca é bom depender do dinheiro dos outros, sobretudo quando esse dinheiro vem com condições estritas de utilização e com uma "receita médica" que faz do regime de emagrecimento condição indispensável para a retomada da saúde econômica. Mas, pense duas vezes: você teve de ir ao FMI por causa do "consenso de Washington" ou por que dependeu demais dos "rapazes de Wall Street"? Já pensou que as regras do famoso "consenso de Washington" não são exatamente um conjunto de prescrições de política econômica "normal" mas, bem mais simplesmente, uma série de medidas que devem ser consideradas apenas como receitas para um ajuste bem-sucedido, depois de alguns anos de embriaguez econômica? Pois foi exatamente com esse espírito que essas regras foram concebidas pelo seu autor – aliás um amigo do Brasil, embora ele estivesse pensando mais no Chile e no México –, mais como instrumentos de política, do que como um conjunto de objetivos ou resultados que devam ser elevados à categoria de dogma.
Por isso, esqueça todas as bobagens que você ouviu sobre o famoso – e muito mal conhecido – consenso e estude rigorosamente (se possível sem paixão) suas prescrições, pois elas podem ser úteis para a continuidade do processo de ajuste de que certamente necessita a economia brasileira. Se isto não fosse verdade, por que, justamente, temos de fazer tanto apelo ao dinheiro de Wall Street e depois buscar socorro nos pacotes de ajuda financeira do FMI? Já pensou que o FMI pode ser o seu amigo das horas amargas? E que os inimigos podem ser aqueles que recomendam "ruptura com o sistema financeiro internacional" em nome de não se sabe qual alternativa de financiamento duradouro?
Sabe qual é a alternativa à imposição de regras vindas de fora? A auto-assunção de regras de boa gestão macroeconômica no plano doméstico, tornar-se independente da poupança externa – o que significa o aumento da poupança interna – e o rompimento com as práticas nefastas dos desequilíbrios orçamentários, dos déficits fiscais e de balanço de transações correntes. Mais fácil dizer do que fazer, não é mesmo? Mas o consenso de Washington foi feito para isso mesmo: para oferecer um guia simples e prático de regras claras e diretas em favor da responsabilidade administrativa na gestão da "coisa pública" em sua vertente econômica. Os verdadeiros inimigos são os opositores dessas regras.
4) Anti-naftalinos, anti-alcalinos e anti-globalizadores em geral: muy amigos?
Lembra-se de quando os anti-naftalinos, em suas ruidosas manifestações de dez anos atrás, prometiam as piores catástrofes econômicas a partir da implantação do acordo de livre-comércio da América do Norte, com uma sucessão inevitável de desastres sociais só comparável às sete pragas do antigo Egito? Pois bem: o que houve depois disso? Nada, rigorosamente nada. Ou melhor: os efeitos para a economia dos EUA não foram aquele imenso "sorvedouro de empregos" antecipado por Ross Perot, se tanto um crescimento modesto das ocupações associadas ao Nafta e um aumento significativo das exportações desse país para o México. O Canadá também se deu muito bem, com um aumento ainda maior dos volumes de comércio global com seus dois parceiros meridionais e uma ligeira diminuição da dependência exclusiva do Big Brother.
E o México, sobreviveu ao novo colonialismo comercial? Bem, logo depois de aprovado o acordo ele entrou em crise, teve sua moeda desvalorizada em quase 100%, foi socorrido por um pacote de 48 bilhões de dólares liderado pelos EUA, seus nacionais tiveram uma redução brutal no seu poder de compra e outras conseqüências igualmente indesejáveis, mas nada disso tem algo a ver com o Nafta, muito pelo contrário. O Nafta foi, no cômputo global, bastante positivo para o México, com um aumento da oferta de empregos – e o aumento de renda associado –, a expansão exponencial do investimento direto estrangeiro e o crescimento ainda maior das exportações (ainda que aumentando a dependência do Big Brother). Com uma economia que, em termos reais, é inferior em 10 a 15% à economia brasileira, o México exporta três vezes mais, o que faz muito bem à sua saúde econômica, e à de seu balanço de pagamentos. Os desastres anunciados por sindicalistas, ecologistas, zapatistas e outros "istas" mais bizarros não ocorreram, ou então seus efeitos sociais foram minimizados pelo aumento geral do nível de atividades econômicas permitido pelo Nafta. Não acredita?: pergunte a algum economista mexicano não comprometido com qualquer um daqueles grupos anti-naftalinos (por ideologia, pois eles não podiam ter estudos de impacto quando começaram a se mobilizar, ainda numa fase precoce, contra o acordo).
Depois da luta contra o Nafta, e dos protestos contra o MAI-OCDE (cujas negociações esses grupos até hoje acreditam que conseguiram "interromper", esquecendo o oportunismo francês na questão da "exceção cultural" e outras desavenças entre os próprios países membros), a ênfase se deslocou para a taxação contra os movimentos financeiros internacionais, com os mesmos grupos criando uma singular ação em favor da "Tobin Tax" que o próprio economista patronímico teve de recusar como representando suas idéias ou motivações originais. A intenção em todo caso era a de colocar um "grão de areia" na engrenagem dos capitais voláteis, acusados dos piores desastres financeiros dos anos 90 (e além), o que por acaso materializou-se em vários grãos de areia, não contra os capitais voláteis, mas contra todas as reuniões dos organismos econômicos internacionais desde então.
A promessa de modelos alternativos conduzindo a "um outro mundo possível" revelou-se até agora impossível, e de fato ainda não se materializaram políticas de ruptura em relação ao capitalismo realmente existente, razão pela qual ocorreu uma reciclagem permanente desses grupos em manifestações de protesto que trouxeram mais transpiração do que inspiração, apesar da criação de uma nova instância de reflexão – o Foro Social Mundial – que fez mais pelo turismo alternativo do que pelo esclarecimento de questões reais da economia mundial.
A pergunta relevante é, contudo, esta aqui: as ações e políticas propostas pelos militantes da ATTAC e por suas várias derivações anti-alcalinas e anti-globalizadoras são benéficas à economia brasileira e correspondem aos interesses do País? Ou, na nossa terminologia maniqueista, eles são amigos ou inimigos das causas nacionais? Visto pelo lado da Tobin Tax, por exemplo, sua introdução seria claramente contrária às atuais necessidades de capitais, voláteis ou não, que o Brasil se vê, voluntariamente ou não, obrigado a buscar no exterior. Seu efeito mais visível seria o de aumentar o custo desses empréstimos, sem outros resultados positivos para a economia nacional.
No plano mais geral do comércio internacional, ou no da formação de um bloco hemisférico de liberalização comercial, a ação desses movimentos se ajusta perfeitamente à estratégia dos sindicalistas do Norte de bloquear o processo de deslocalização produtiva que seria operado pelas multinacionais desses países em direção das regiões a baixos salários, entre as quais se encontra supostamente o Brasil. O que se vê, portanto, são sindicalistas do Sul, e outros militantes ingênuos, fazendo o trabalho "sujo para seus colegas do Norte no sentido de impedir que a transferência de empregos se faça. Muy amigos, pois não? Pense três vezes da próxima vez que encontrar um anti-alcalino.
5) A boa e velha burguesia nacional: aliada contra o imperialismo?
Nos tempos do Partidão, a burguesia nacional era um aliado indispensável na luta contra o latifúndio e o imperialismo, mas o incômodo da história era o fato de que ela nunca se conformou a essa papel progressista e nunca soube desempenhar a contento sua "missão histórica" de criar um sistema capitalista nacional em bases autônomas, livre da dominação imperialista e não subordinado às velhas oligarquias políticas. Que aliada mais traidora e relapsa em relação aos "verdadeiros interesses nacionais"!
Depois disso tivemos golpes militares, alinhamentos ao poder imperial, caminhos alternativos de desenvolvimento – com "planejamento industrial" – e um grau razoável de promiscuidade entre a burguesia, o capital estrangeiro e o Estado "empreendedor". Sem dúvida o Brasil criou uma base industrial respeitável na comparação com qualquer outro país emergente – ainda que tenha persistido na dependência tecnológica – mas ele não conseguiu resolver os mais comezinhos problemas de integração social dos estratos mais humildes da população ou equacionar a iniquidade "africana" da distribuição da renda. Alguma relação entre esse estilo de desenvolvimento e o modelo concentrador? Aparentemente sim, pois a situação apenas se alterou, ligeiramente, quando o Estado deixou de ser tão "empreendedor" e a burguesia gozou de menor proteção tarifária e vitaminas fiscais como tinha ocorrido na fase do "milagre econômico" e depois.
Hoje em dia, novas propostas de "política industrial" são formuladas para serem postas em vigor com a nova maioria, geralmente baseadas nos estímulos fiscais, em algum grau de proteção "seletiva" e vários incentivos para investimento em "ciência e tecnologia". Pensando ainda em termos de amigos-inimigos: a burguesia aprova sua filosofia de governo ou é apenas amiga dos seus recursos orçamentários, o seu, o meu, o nosso dinheiro? Pense duas vezes antes de responder a esta questão e pergunte uma vez mais se sua intenção é realmente a de distribuir dinheiro para quem já é rico.
Se for para lutar contra a Alca, alguns setores dessa burguesia vão efetivamente se mobilizar, mas não pensando necessariamente no interesse nacional como um todo, mas em seu próprio desejo setorial de escapar à concorrência menos que perfeita de empresas estrangeiras mais agressivas. Será bom para o País construir, uma vez mais, fortalezas tarifárias e muralhas protecionistas para não ter de enfrentar a realidade da globalização?
Estes constituem apenas cinco pontos neste exercício de "think again", que podem ser relevantes para a construção de uma "economia política" da nova maioria, lembrando que existem vários outros pontos que confrontam a lógica convencional dos esquemas dicotômicos amigos-inimigos, que nem sempre estão do lado em que se pensa poder encontrá-los. Este é um dado imanente às realidades complexas de nossa época, que faz com que "tudo o que era sólido se desmanche no ar" e que antigas posições progressistas se convertam rapidamente em combates de retaguarda, quando não em defesa reacionária de velhas posições ultrapassadas pelas novas tendências da economia global.
Construir uma defesa consistente dos interesses sociais da maioria da população nem sempre significa aplicar as receitas de uma outra época, quando "forças produtivas" e "relações de produção" pareciam apontar numa determinada direção: dirigista, estatal, protecionista, nacionalizante (no sentido estreito), ou simplesmente intervencionista. Pode também querer dizer integração produtiva, concorrência ampliada, investimento sobretudo em educação universal de crianças pobres, antes do que em "indústrias estratégicas" ou transferência de renda para elites universitárias. Podendo dar para todo mundo, excelente. Não podendo, selecione cuidadosamente os beneficiários de suas políticas de transferência de renda. Na dúvida, pense duas vezes.
Washington, 957: 8 de outubro de 2002
P.S.: Nada a ver aqui com a vertente econômica deste manual, mas apenas uma derivação do princípio das alianças com os "inimigos do meu inimigo" para fins de vitória eleitoral. A nova maioria chegou a ser o que é inclusive, e talvez principalmente, pela aplicação de um conjunto de regras éticas que sempre a diferenciaram dos tradicionais participantes do jogo político, e muito menos pela eficiência econômica (altamente discutível) de suas propostas políticas. Pense nisso também na hora de fazer novas alianças.
Publicado na Revista Virtual Espaço Acadêmico
http://www.espacoacademico.com.br
Paulo Roberto de Almeida (*)
paulo_almeida[arroba]terra.com.br
(*) Doutor em Ciências Sociais e autor de vários livros na área diplomática e das relaçoes internacionais
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