A onu e a paz mundial:
Alcances e limites

Indice
1. Introdução
2. A força e a violência nas relações internacionais
3. A organização das nações unidas: poder e política
4. A busca permanente pelo poder
5. Notas Finais

1. Introdução

Qualquer observador medianamente atento à evolução dos povos e das civilizações verá que estes foram forjados a ferro e a fogo. Centenas de guerras foram travadas em todos os continentes, até atingirmos o estágio em que hoje nos encontramos. Os conflitos dividiram territórios e Estados, fragmentaram impérios e afetaram diretamente milhões de pessoas que, na maior parte das vezes, nunca entenderam os motivos que os levavam a ter que passar pela situação que viveram.
A definição do tamanho dos territórios e a fixação das fronteiras, delimitando soberanias, foram e continuam sendo resultados de disputas, divergências e intolerâncias múltiplas no plano político, no geográfico, no econômico, no religioso, no étnico e no estratégico-militar. Todos os períodos da história da Humanidade, sem exceção, foram permeados por guerras, às vezes menos intensas, outras vezes avassaladoras, com as fronteiras funcionando como "isóbaras políticas" sendo empurradas de um lado para outro, criando ou fazendo desaparecer países e impérios na Europa, na Ásia, passando pela África e pelas Américas.
O que temos notado, portanto, é a predominância dos conflitos em detrimento da paz, que nunca conseguiu ser duradoura, com as guerras sendo feitas em nome de princípios duvidosos, como a necessidade de aumentar a segurança de um ou de outro país , para ampliar domínios, ou então simplesmente para alguém assenhorar-se de riquezas alheias.
O final do século XX e a entrada no terceiro milênio não conseguiram abrandar as discórdias entre as nações. Pelo contrário, essas não só continuaram a existir, como se tornaram mais agudas, destruidoras, principalmente pela sofisticação dos armamentos utilizados. Com o avanço da tecnologia, e a construção de equipamentos cada vez mais poderosos e eficientes, o que se tem verificado nas últimas décadas é um alargamento das diferenças de capacidade entre os membros da comunidade internacional, e que se acentua velozmente a cada dia que passa.
Os países que têm modelado o mundo, segundo suas vontades, têm usado e abusado de seus poderes para fazer valer seus interesses. Com o pretexto de defender a segurança nacional, regional ou internacional intervêm, fazem guerras, e impõem condições pouco generosas aos demais Estados-Nações. As grandes potências têm priorizado tão somente suas necessidades individuais, relegando as vontades coletivas, e obrigando os demais a viver a paz por elas imposta. Além disso, freqüentemente mudam de opinião, conforme suas conveniências e de acordo com as conjunturas, esquecendo-se do que disseram ou fizeram pouco tempo antes. Não é raro adotarem conduta diametralmente oposta ao comportamento anteriormente assumido, desde que satisfaçam seus novos interesses.
Em um cenário altamente competitivo, marcado por clivagens profundas, e caracterizado por disputas cada vez mais acirradas, a segurança e o desenvolvimento do mundo são pensados de acordo com a ótica das grandes potências. Essas simplesmente se arrogam o direito de ditar o que consideram certo ou errado, muitas vezes de forma maniqueísta, sem se preocupar com critérios de justiça, fazendo ouvidos moucos das opiniões contrárias, mormente das pequenas e médias nações.
Verdadeiras donas do mundo, as grandes potências pouco se incomodam com a legitimidade de suas demandas, fomentando um clima de constrangimento geral. Contudo, apesar de normalmente atingirem seus objetivos imediatos, enfrentam cada vez mais descontentamentos; em vez de contribuírem para o relaxamento das tensões, têm feito com que a situação mundial se deteriore progressivamente; e colocam em risco a segurança internacional, sendo elas próprias ameaçadas, porque não conseguem dar conta de grupos ou países que adotam modalidades de atuação "fora do script", operando de maneira não convencional.
Neste texto vamos nos deter em algumas dessas questões, ponderando que – apesar da existência de mecanismos que garantem a possibilidade de resolução de controvérsias, mesmo as mais agudas, sem o uso da força e da violência – de fato tem prevalecido com freqüência a vontade de uma superpotência, ou de reduzido círculo de Estados na condução dos negócios internacionais. Em nome de objetivos particulares relegam, inclusive, as instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a papéis secundários, deixando-as muitas vezes com espaço de ação reduzido.

2. A força e a violência nas relações internacionais

O uso da força e da violência é uma característica permanente das Relações Internacionais. Pelo menos isto tem se verificado até o presente momento, para desgosto daqueles que sempre acreditaram na possibilidade de construção e existência de um mundo ordenado, pacífico, apoiado em regras duradouras, fundando-se uma verdadeira sociedade internacional justa e democrática.

Desde as antigas civilizações, as disputas internas pelo controle dos reinos e dos impérios, e as guerras travadas entre dois ou mais Estados, fazem parte de nossa memória. Gregos, romanos, mongóis, árabes e mais dezenas de povos imprimiram suas marcas na História, destruindo, refazendo e construindo civilizações, feudos e paises, através de conflitos que deixaram atrás de si territórios devastados. Registradas, comentadas ou teorizadas por Tucídides, Heródoto e Sun Tzu, por Maquiavel , Arnold Toynbee ou Barbara Tuchman, incontáveis são as guerras dos dois últimos milênios e, embora fossem conhecidas as conseqüências de cada uma delas, nem por isso serviram de lição e deixaram de se repetir em outras oportunidades, fazendo parte do cotidiano da política das nações. As duas grandes guerras do século XX, muito mais européias do que mundiais, que provocaram dezenas de milhões de vítimas, são exemplos claros e recentes dessas tendências.
Apesar de esse expediente merecer condenações no âmbito das organizações internacionais, e por parte dos países militarmente mais fracos, desenvolvidos ou não, o recurso às armas sempre foi e continua sendo utilizado, regularmente, em todas as latitudes. É pensando sob este prisma, que os países mantêm e não abrem mão de suas Forças Armadas – nem sequer cogitando de colocar o tema de extinção das mesmas em discussão –, reforçam suas fronteiras, e procuram equipar-se com os armamentos mais modernos possíveis, dependendo, é claro, dos recursos financeiros colocados à disposição para tal fim, muitas vezes investindo parcela considerável de seu Produto Interno Bruto.
Este raciocínio, como se sabe, leva a um círculo vicioso, porque um Estado ao se armar, modernizando suas Forças Armadas, faz com que os vizinhos também ajam sob a mesma ótica. Os governos que adotam esta postura belicosa costumam justificar seu comportamento, em larga medida, pela necessidade de defender seus interesses nacionais, de demover vizinhos a não agir precipitadamente contra eles, e neutralizar ou remover obstáculos considerados prejudiciais para suas políticas domésticas e internacionais, em todos os planos, incluídos aí temas sensíveis como a segurança nacional.
Ações desse porte, que resultam em guerras, – justificam contudo as grandes potências, – são levadas a cabo apenas quando se consideram esgotadas as possibilidades ou a falta de diálogo para a resolução de divergências através dos mecanismos de consulta rotineiros, isto é, via diplomática. A máxima de Clausewitz é aqui colocada em sua plenitude: "a guerra não é somente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios".
Os canais diplomáticos, porém, nem sempre são acionados com a devida presteza, com a vontade e eficácia necessárias. Em diversas ocasiões, um dos agentes entende que não é interessante ou oportuno colocar a disputa na mesa de negociações, porque isto implicaria na obediência às regras do jogo, de acordo com as convenções, com o Direito Internacional. Outras vezes, este comportamento é adotado porque já se sabe a priori que uma reivindicação não é legítima, por isso não encontraria respaldo nos foros legais; em alguns momentos, um país detentor de grande aparato bélico se julga forte o suficiente para desafiar a comunidade mundial, recusando-se a colaborar ou prestar contas a quem quer que seja, e descartando o uso das instâncias multilaterais; ou então porque a ordem, percebida como injusta, faz com que um país resolva adotar uma postura com características revolucionárias contestando a estrutura vigente. O desejo de um país que se considera oprimido é, pois, a de tentar mudanças nas relações de poder globais, visando ampliar seu raio de ação para inserir-se em um novo contexto, agora redesenhado, e que lhe possibilite auferir vantagens que anteriormente não usufruía.
O recurso à força (ou ameaça de) é utilizado, na maior parte dos casos, pelo parceiro maior, consciente de sua superioridade, seja no plano econômico seja no militar, quando procura impor suas vontades. Ou por países que, por algum motivo, têm litígios, principalmente fronteiriços, e não se dispõem a negociar soluções pacíficas. Nesse caso, mesmo sabendo que não detêm condições propícias, ou encontrarem-se em nítida inferioridade, preferem o caminho das armas, esperando contar, depois, com o apoio dos vizinhos ou da comunidade mundial.
O que se procura sempre são pretextos, chances para intervir em momentos apropriados, ou então quando se julgar ameaçado. Não interessa aqui discutir se esse medo é um sentimento verdadeiro ou falso, se tem ou não fundamentos, se se trata de um problema de incompetência para avaliar a situação, mas apenas constatar que esse motivo possibilita a tomada de medidas fortes, mesmo desproporcionais ao perigo real. No limite, pode-se dizer que a política das grandes potências sempre foi a de criar situações ou a de procurar elementos que justifiquem suas intervenções; na falta desses, agem com desenvoltura, pouco se importando com a anuência da comunidade mundial, fazendo o que melhor sabem fazer: interferir em assuntos domésticos de outras nações, rompendo suas fronteiras, quebrando suas soberanias e atropelando suas instituições.
O raciocínio adotado pelas grandes potências é simples. Tendo acumulado poder com o passar do tempo, mesmo que às custas de outros países, aliados ou não, qual o problema em usá-lo quando for necessário para atingir seus interesses? Afinal de contas, para que teriam então aumentado suas capacidades?
Nenhum país acumula poder como um fim em si mesmo, mas tão somente como um instrumento a ser utilizado quando se considerar em perigo, para defender seus direitos, ou quando seus interesses estiverem em jogo sendo questionados. O poder serve para isso mesmo. Como diz Talcott Parsons, "o poder é como um meio circulante, análogo ao dinheiro". Abdicar do uso do poder na medida das necessidades, ou para promover os objetivos de um Estado nacional, quaisquer que sejam eles, seria o mesmo caso de um indivíduo que, apesar de dispor de quantidade apreciável de recursos financeiros, resolvesse passar dificuldades afetando sua sobrevivência, em vez de investir no seu bem-estar. É esta a concepção que orienta o homem de Estado, na defesa dos interesses nacionais, por mais discutível que seja esta terminologia.
Quer dizer, o poder é um meio para se atingir um determinado fim. Por isso, os Estados Unidos bombardearam o Kosovo em 1999. O então presidente Bill Clinton foi muito enfático ao lembrar que, além de ser um problema humanitário, estavam em risco os interesses dos Estados Unidos naquela parte do mundo: "precisamos compreender o que temos em jogo na paz nos Bálcãs e no Kosovo. Essa é uma crise humanitária, mas é também muito mais, é um conflito sem fronteiras naturais, que ameaça nossos interesses nacionais". Nos anos 90, o poderio estadunidense, isoladamente, com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), ou com a própria Organização das Nações Unidas se fez sentir em todo o planeta. Mas nem por isso o grande país do Hemisfério Norte mostrou-se invulnerável no alvorecer do novo milênio.
O uso da força pode ser bem entendido, se utilizarmos como analogia a história de um grupo de meninos, do qual sobressai um maior e mais forte . Embora todas as crianças do bairro saibam da força desse menino, isto não é um dado suficiente. Não adianta esse mesmo garoto ter consciência de sua superioridade física, e alardear que é mais forte do que os demais; é preciso, periodicamente, demonstrar esta qualidade para manter a credibilidade, e ser respeitado. Caso contrário, suas vontades não serão obedecidas. Por isso mesmo, nas conhecidas histórias em quadrinhos de Calvim e Haroldo, o menino forte chamado Moe recebe destaque especial; é ele quem age de maneira truculenta e agride o personagem principal, para mostrar sua autoridade, manter sua liderança, sua capacidade para estabelecer regras no local onde circula, para que todos admitam ainda que reclamem, que ele é o chefe, é ele quem manda ali naquele território. Quem contestar será reprimido.
As gangues operam, também, sob idêntico raciocínio, cada uma estabelecendo os limites de seus domínios. Os Estados Unidos fazem a mesma coisa, adotando princípios semelhantes, com uma pequena, porém marcante diferença: seu campo de influência não está restrito a uma determinada parte do Hemisfério, ou a um continente, mas ao planeta inteiro. Comportam-se como os guardiões do mundo, buscando auferir o máximo possível de vantagens, em benefício de seus próprios e exclusivos interesses. Apresentam-se com um discurso de defesa da Humanidade, procurando a todos convencer que sua luta é contra as injustiças e as barbáries, porém nada mais fazem do que combater concepções de mundo que se lhe opõem, e que podem colocar em risco sua hegemonia. Por acreditarem que suas propostas são as melhores, tentam impô-las ao resto do mundo. Para demonstrar que são os mais poderosos interferem nos negócios internos de qualquer país (excluindo os países nuclearizados e os tradicionais aliados) , exercem todo tipo de pressão e fazem uso constante da força.
Isto se dá mesmo contra a vontade da comunidade, e desacatando as normas internacionais, simplesmente ignoradas. O respeito a essas só se verifica quando se percebe que agir sob as mesmas é mais producente ou conveniente, ou quando encontra resistências intransponíveis de seus aliados para a execução de uma grande tarefa. Quando o Direito Internacional lhe é favorável, e coincide com seus pontos de vista, é acionado , caso contrário utiliza-se o poder como instrumento legítimo para atingir seus objetivos. O preço a ser pago, eventualmente, é o fato de que o país ao usufruir de imenso poder é solicitado, também, para resolver problemas outros que escapam de sua alçada ou de seu interesse, mas que na condição de líder se sente obrigado a fazê-lo.
Quanto mais poder um país detém, mais atua, tem custos financeiros mais elevados, cria mais atritos, tem que negociar mais
e, conseqüentemente, também comete mais erros. No caso estadunidense, sua política de segurança não se restringe à defesa de seu próprio território ou hemisfério, mas abarca todo o mundo, porque seus interesses multifacetados se encontram espalhados por todos os cantos, o que o obriga a atuar incessante e globalmente.
Por sua vez, que comportamento têm adotado os demais países? Assumem formas diferentes de relacionamento? Considerando a existência de raras exceções, o exemplo das grandes potências é reproduzido, em termos proporcionais, em todas as esferas pelos outros membros da comunidade internacional. Só não age desta forma quem não for dotado de capacidades. Mesmo assim, países como o Canadá, a Suíça ou as nações nórdicas, conhecidos pela sua tendência avessa à utilização da força militar para convencer seus oponentes, lançam mão de grandes empresas que se fazem presentes em todo o mundo, na disputa por mercados, adotam políticas protecionistas para resguardar suas economias e garantir seu bem-estar, competindo porém com os próprios países em desenvolvimento.
O Brasil, por exemplo, em 1999 se deu o direito de fazer observações, ainda que veladas, ao Paraguai, que enfrentava problemas internos, visto que o aguçamento da crise poderia desestabilizar a região fronteiriça, principalmente levando-se em conta a usina de Itaipu. Se algo grave acontecesse, afetando a barragem, os resultados seriam desastrosos para o Brasil, porque grande parte do país, notadamente no Sul e no Sudeste onde se concentram o parque industrial, seria diretamente afetado, enfrentando um colapso em todos os serviços. Tal fato era entendido como inadmissível, porque colocaria em risco a própria segurança nacional brasileira.
Em contextos dessa natureza, as reclamações normalmente serão oriundas sempre dos Estados menores, que têm um leque reduzido de opções para atuar e alterar o quadro, até mesmo no âmbito regional. Ou dos grandes com relação aos seus parceiros ainda mais poderosos. Embora diariamente discursos sejam feitos apelando para o bom senso, para a necessidade de se implementar cada vez mais o diálogo, todos os governos sabem que nas Relações Internacionais prevalecem relações de força, relações de poder, relações de interesse, competições e disputas intermináveis, envolvendo países e organizações, que nada têm a ver com amizades ou concepções idealistas ou moralistas da história. O que não significa dizer que não cooperem entre si, quando for conveniente, em determinados momentos e em certos aspectos das relações bilaterais ou da realidade mundial, ao mesmo tempo que se digladiam em outras arenas.
Certamente que nem todas as disputas são resolvidas no campo de batalha, utilizando como ultima ratio o fogo dos canhões, dos aviões ou dos mísseis. Mas o comportamento competitivo por mais poder, mais influência e mais mercados, tem sido um fato corriqueiro no relacionamento até de parceiros mais próximos, muitas vezes vizinhos, imbuídos até mesmo com políticas que deveriam trilhar na mesma direção. Podem, inclusive, estar envolvidos em processos de integração, como os Estados Unidos e o Canadá, entre os países da União Européia, ou no exemplo argentino-brasileiro. Por isso, em decisão inédita desde que se iniciou o processo de integração regional, o Brasil resolveu, em 2000 solicitar na Organização Mundial do Comércio (OMC), a abertura de um painel contra a Argentina, seu parceiro mais importante no Mercosul, para resolver as divergências no setor têxtil. Vizinhos, aliados, parceiros ou amigos são categorias apreciadas por todos os atores, porém negócios são negócios, e como tal tratados à parte, pelo menos até que o processo de integração avance mais e efetivamente se consolide.
Se esta é a tônica de funcionamento do sistema internacional, baseada em princípios pragmáticos, quase sempre apoiada na lei do mais forte, nada mais natural que a paz só seja viável quando for ao encontro da vontade dos grandes agentes. Mesmo que para isso seja necessário fazer a guerra. Como lembra Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano "pode haver guerras mas serão feitas em nome da estrutura existente, e a paz que vier será justificada como uma melhor expressão do consenso geral, da 'legitimidade'". Mais ainda, que "a diplomacia no sentido clássico, conciliação de divergências pela negociação, só é possível nas ordens internacionais 'legitimadas'".
Por que deveria ser diferente? Afinal de contas, é para isso que todos os países procuram maximizar suas capacidades, tentando aumentar cada vez mais seu peso relativo frente aos demais, porque sabem que este é um elemento imprescindível para ocupar papel de realce no cenário global. Só assim poderão influenciar ou vetar tomadas de decisão que afetam não só seus interesses mas de todos os agentes do sistema internacional. Suas vontades e reivindicações no plano político, no econômico, e nas demais esferas, serão então contempladas.
A história é recheada de exemplos para comprovar que o mundo sempre girou em torno dos mais fortes, que esse modelo se reproduz hoje, e que ainda durante muito tempo comportamento desta natureza será observado entre os diversos Estados. As diferenças de poder nunca deixaram de existir, ora de maneira mais suave, ora mais acentuada, fazendo com que acordos e tratados sejam escritos e cumpridos, na maior parte das vezes, segundo a concepção dos mais poderosos, mesmo no contexto da interdependência, da globalização e dos regimes internacionais, quando proliferam organizações internacionais e organizações não-governamentais.
O sistema internacional, desta forma estruturado, é considerado legítimo, porque existe um consenso entre as grandes potências que, ao ditar as regras de funcionamento deste jogo, obrigam que as mesmas sejam seguidas por todos os demais membros da comunidade. O Estado que se sentir prejudicado e desejar a mudança de tais regras,usando o recurso da força, sabe que poderá pagar elevado preço pela tentativa. Isto não significa que a ordem seja imutável, ou que o sistema internacional esteja perpetuado, mas sim que as regras foram estabelecidas a partir de intensas negociações entre as grandes potências, e que a quebra das mesmas enfrentará fortes objeções, se elas forem prejudicadas em seu status.
Quando as próprias grandes potências não se encontram satisfeitas com o status quo, procuram alterá-lo pacificamente exercitando pressões asseguradas por suas capacidades, obrigando os demais a redistribuírem parcelas de poder. Com isto, evita-se o acirramento de divergências que poderiam levar a situações de um caminho sem volta, a não ser o de medir forças na ponta das baionetas, o que seria inviável, já que normalmente todas elas têm o controle de tecnologia nuclear.
Para as pequenas e médias potências não cabe outra alternativa, senão submeter-se à estrutura vigente, a não ser que tenham, também, seus próprios arsenais nucleares, ainda que limitados. Neste caso, o uso da chantagem se torna um instrumento utilizado corriqueiramente, sendo que tais países igualmente desacatam os acordos e tratados internacionais, como os de não-proliferação nuclear, casos da Índia e do Paquistão. Como resultado, sua participação no cenário global se torna mais significativa, mas apenas sob o prisma estratégico-militar, e sem afetar bruscamente as correlações de poder vigentes. No âmbito regional, o recurso às armas tem sido utilizado sobretudo para resolver problemas fronteiriços, como no contencioso entre Peru e Equador nos anos 80.
Quando está envolvida uma das grandes potências, que surge como normal vencedora do conflito, o uso da força e da violência, em nome da estabilidade do sistema, é considerado normal, e os casos de excesso não são passíveis de punição por outrem, ou qualquer instância mundial, já que são elas mesmas que lideram essas últimas, e contribuem com as forças interventoras em tempos de paz e de guerra.
Vale ressaltar, contudo, que mesmo uma superpotência como os Estados Unidos muitas vezes não consegue dar conta sozinha de todos os compromissos mundiais, nem faz valer suas vontades de forma incontestável, dobrando todos os demais parceiros. Exemplos que caminham nesta direção podem ser verificados na segunda metade do século passado, quando a Casa Branca aventurou-se na guerra do sudeste asiático; anteriormente os franceses tinham também amargado resultados desastrosos, sendo derrotados pelo general Giap na Indochina.
O uso da força em muitas ocasiões é contraproducente e, por isso mesmo, evitado, por exemplo, se houver obstáculos intransponíveis, quando os outros grandes atores mostrarem-se francamente contrários, ou então se a própria opinião pública mundial se mobilizar pressionando seus governos, fazendo com que um Estado não tome medidas unilaterais. Todavia, se uma grande potência considerar, de qualquer forma, que medidas isoladas devam ser tomadas para resguardar sua segurança, nem as pressões internacionais conseguem evitar sua ação. Trata-se, no caso, de fazer o costumeiro cálculo de custos e benefícios. Mas, se países como os Estados Unidos e as demais grandes potências não conseguem impor suas vontades em todos os momentos, pelo menos impedem que muitas medidas contrárias aos seus interesses sejam tomadas ou implementadas.


 
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