3. A organização das nações unidas: poder e política
Quem é o responsável pela segurança mundial, fazendo com que o sistema internacional funcione adequadamente? Ou que, pelo menos, não funcione de maneira anárquica, obedecendo pelo menos um mínimo de regras? Conforme desenvolvemos nos parágrafos anteriores, obviamente que a primeira resposta é direcionada para as grandes potências. Foram elas que estiveram sempre presentes na linha de frente, fazendo guerras sem fim longe de seus territórios, colonizando continentes e escravizando populações, em busca de maiores espaços, de maior prestígio, de mais riquezas, de mais influências e de poder de decisão no sistema internacional. As grandes potências costumeiramente estipularam as condições para o estabelecimento da paz, em um mundo por elas mesmo legitimado.
A paz sempre foi ditada pelos vencedores e, com tal espírito, esses últimos sempre impuseram as regras do jogo para a (re)formulação da ordem mundial, exigindo do inimigo, em oportunidades diversas, rendição incondicional, não dando margem para qualquer tipo de negociação ou saída honrosa. Por isso, o Tratado de Versalhes, firmado em 28 de junho de 1919, em condições draconianas, fez com que países como a Alemanha reclamassem da forma como foram tratados, e se criassem profundos ressentimentos.
Com o clima reinante nas décadas de 1920 e 1930, é compreensível que situações explosivas pudessem acontecer, tal o descontentamento gerado nos países derrotados. Daí o breve interregno entre os dois grandes conflitos, separados apenas por uma geração.
Nada mais natural que os Estados que se julgam injustiçados cometam atos de rebeldia procurando mudar uma ordem que se lhes apresenta nitidamente desvantajosa. Claro que só podem agir, com esta perspectiva, países que julgam ter possibilidades razoáveis para reverter tal quadro, mesmo na condição de antigos derrotados. Aqueles outros que não desfrutam de elementos adequados para tentar, de qualquer forma, alterar os rumos para onde o mundo caminha, e mesmo assim o fazem, pagam pesado tributo por sua ousadia. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Saddam Hussein na década passada, quando quis medir forças contra a ordem estabelecida, e teve que se bater contra os Estados Unidos, líder de uma coalizão mundial apoiada pela ONU, em um confronto francamente desigual.
Mas outras respostas podem, igualmente, ser encontradas para dar conta da pergunta formulada no início deste tópico. Poderíamos pensar, por exemplo, na manutenção da ordem e na existência de um clima de paz e de segurança, através das organizações internacionais. Possivelmente, talvez estas sejam as instâncias mais competentes e adequadas que poderiam oferecer condições para que todos os países do mundo desfrutem de oportunidades iguais, facilitando intercâmbios, auxiliando na melhoria dos índices de desenvolvimento humano, além de incrementar o grau de confiança recíproco, eliminando ou minimizando desta forma as possibilidades de conflitos de maiores proporções.
Existe um grande número de organizações internacionais, com alcance regional ou global, um espectro amplo e variado, atendendo as mais diferentes necessidades, e que cobre praticamente todos os assuntos, desde os culturais aos econômicos, dos políticos aos militares, passando pelas instituições técnicas voltadas para facilitar a troca de informações entre os diversos povos, como a Organização Mundial de Saúde, a Organização Internacional do Trabalho, a União Postal Universal, etc.
Sendo voluntárias e criadas de comum acordo, muitas vezes por poucos países, as organizações não obrigam ninguém a delas participar, só o fazendo quem deseja. Certamente que, em muitos casos, não pertencer a uma instituição significa a possibilidade de exclusão dos benefícios que a mesma pode trazer para todos os membros. A entrada em uma organização plena, com todos os deveres e direitos inerentes aos sócios que a constituem, pode, também, propiciar papel de maior importância a um pequeno ou médio país e a obtenção de vantagens que, isoladamente, com certeza não conseguiria em relações bilaterais, quando do outro lado da mesa estiver ocupando lugar uma grande potência. Como diz Robert Keohane, afinal de contas, os grandes países sempre têm um número maior de demandas a serem apresentadas nesses encontros.
Por outro lado, o simples fato de se pertencer a uma organização não significa que a importância de cada país seja exatamente igual a de outros, aí prevalecendo, portanto, influências e poderes maiores segundo a capacidade de cada membro. Ou seja, cada país tem, na verdade, uma participação relativa, cuja influência é medida pelos seus próprios indicadores. E depende, também, do escopo da organização.
Quando as instituições não desempenham papel de importância na configuração da ordem internacional, a chance de que países menores ocupem a presidência ou direção das mesmas é infinitamente maior do que quando estiverem em jogo as organizações que, verdadeiramente, determinam os rumos do mundo, e onde se exercitam políticas vigorosas de poder. A igualdade, portanto, vai existir apenas no plano retórico, do discurso, porque na prática, as relações de poder são determinantes para se dizer qual país é mais forte ou mais fraco, se desempenha ou não papel de relevo no concerto mundial, e quais as chances que têm para bloquear políticas de outros países.
Quando uma organização não preenche mais às expectativas da maioria, ou de um dos agentes importantes do sistema internacional, ou se percebe que a atuação da maioria de membros bloqueia ou prejudica os interesses das grandes potências, ela (a organização) pode sofrer pressões para mudar seus objetivos, deixar de discutir ou solucionar problemas para as quais foi criada, ou então desaparecer, dando lugar a outra com perfil diferente da anterior, atendendo às novas realidades.
Embora existam desde o século XIX, com as características que hoje conhecemos, foi tão somente a partir de meados do século XX que as organizações internacionais ganharam maior relevância, fundamentalmente, com o surgimento da Organização das Nações Unidas. Anteriormente havia um número restrito de instituições como as antigas corporações medievais, ou aglutinando as cidades européias, entre as quais a Liga Hanseática nos séculos XIV e XV, a Liga dos Cantões no século XVI, ou ainda as comissões fluviais internacionais no século XIX.
Mas foi apenas com o término da Segunda Grande Guerra que uma instituição, depois tornada universal, surgiu e passou a exercer papel importante entre as nações. Obviamente que o seu sucesso deve ser relativizado, porque o momento em que foi criada, em um cenário de crise aguda, quase no início da guerra fria, conspirou para deixá-la em plano secundário.
Mas nem o fato de dois gigantes dominarem o cenário em praticamente toda a segunda metade do século passado, repartindo o mundo como se fosse um grande butim, fez com que a ONU desmerecesse o seu papel. Com altos e baixos ela conseguiu sobreviver, ainda que não tenha solucionado todos os problemas, ou mesmo resolvido a contento aqueles em que esteve diretamente envolvida. Não por culpa sua, mas dos principais agentes do sistema internacional que nem sempre acataram as determinações da própria ONU, colocando seus interesses particulares acima dos da coletividade, embora tenham assinado a carta da instituição.
Num contexto em que prevalecem políticas de poder, o fato de as nações assinarem documentos não significa necessariamente que as determinações neles contidas sejam cumpridas. Nesse caso, as medidas só são válidas para os pequenas e médios países, mas jamais para as grandes potências que simplesmente se recusam a acatar as regras que elas mesmas criaram.
Ou seja, os membros da comunidade internacional não são iguais, embora todas façam parte de uma mesma instituição, gozem da prerrogativa de serem soberanos e tenham seus próprios territórios e governos. Na realidade, são apenas iguais nas cartas diplomáticas, e não no mando e na distribuição do poder mundial. Por isso mesmo, muitas vezes as organizações internacionais são vistas com ressalva porque não atenderiam as demandas, ou não resolveriam a situação dos países menos desenvolvidos, ou que dispõem de menor poder.
O problema reside no fato de que as organizações internacionais não conseguem agir e colocar em execução as medidas necessárias, porque atuam em um contexto onde predominam políticas de poder e de influência. Daí a limitação para resolver problemas, com as grandes potências implementando políticas paralelas, separadamente, através de negociações bilaterais e fugindo das discussões travadas nas assembléias gerais. Esta é a dificuldade enfrentada, por exemplo, por instituições como a própria ONU.
Apesar das freqüentes críticas sobre a ineficácia da Organização das Nações Unidas para colocar ordem no mundo, quando se encontram no centro das discussões, os interesses das grandes potências, não resta dúvida de que ela é, até o presente momento, o maior experimento já visto, em termos de instituições internacionais.
Sua antecessora, a Liga ou Sociedade das Nações, não teve sequer igual sorte mostrando-se, desde o início, impotente para manter a paz e a segurança mundiais, frente a um cenário que sempre se lhe apresentou pouco favorável. Inspirada no idealismo e universalismo do ex-presidente norte-americano Woodrow Wilson, seguramente o seu advento não se deu na melhor época. Muitos motivos contribuíram para o seu fracasso. Em primeiro lugar, porque os Estados Unidos não aderiram à Liga, embora a proposta para a constituição de um organismo de tal porte tenha sido sugerida pelo ex-presidente Woodrow Wilson. Além da recusa do Congresso norte-americano em aderir a essa causa, o próprio declínio do prestígio político de Wilson deve ser levado na devida conta. Em terceiro lugar, porque os países colonialistas eram extremamente fortes, não se podendo falar em uma ordem justa, com países soberanos, quando dezenas deles espalhados pelo continente africano, pelo sudeste asiático e pelo Oriente Médio, encontravam-se submetidos ao rígido controle das potências européias. Em quarto lugar, porque nunca os grandes países, ou potências médias ocuparam assento simultaneamente na Liga. Quando um país ingressava na organização, outro estava desistindo ou sendo expulso da mesma. O Brasil, por exemplo, retirou-se em 1926, mesmo ano de ingresso da Alemanha que, por sua vez, abandonou a instituição em 1933, juntamente com o Japão. A ex-União Soviética aderiu à Liga das Nações em 1934, mas foi excluída em 1939. Por último, ninguém respeitava os princípios da Liga, como fazia o Japão ao invadir a Manchúria em 1931, ou a Alemanha ocupando a Polônia em 1939.
Apesar do surgimento da Liga das Nações, o que ocorria de fato é que os Estados continuaram implementando suas políticas individuais como se a entidade não existisse. Procuravam-se soluções através de relacionamentos bilaterais, e não no âmbito da organização que pouca possibilidade tinha, portanto, de resolver situações agudas, quando qualquer uma das potências de então estava diretamente envolvida. Conflitos localizados onde estivessem presentes diversos grupos, simultaneamente, como no caso da Guerra Civil da Espanha, que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, não eram sequer objeto de discussão, mesmo porque àquela altura, a Sociedade das Nações já estava há muito tempo desacreditada.
Os anos 30 foram atravessados por inúmeras invasões e desrespeito às convenções internacionais em todas as partes do mundo, sem que a Liga das Nações pudesse em qualquer momento resolvê-las. Mesmo que tentasse também não teria chances de êxito, porque ninguém se dispunha a acatá-la, ora por considerá-la não representativa, ora por não pertencerem à mesma, por isso não se sentiam obrigados a dela ouvir conselhos ou determinações.
Com a certeza do restrito papel que a Liga das Nações iria de fato desempenhar, soluções paralelas já eram providenciadas. Em 1928, por exemplo, se discutiam entre os governos frances e britânico, formas de evitar as guerras, ou mesmo de colocá-las fora da lei, como o Tratado Briand-Kellog. Na discussão que se travou para fazer esse tratado delineavam-se duas tendências frontalmente contrárias: uma, que considerava importante a existência de uma força coercitiva, e a outra, contrária a esta proposta. Pensada com a finalidade de eliminar as guerras, esta iniciativa nunca foi implementada porque, naqueles anos, os países tinham outra opinião sobre a forma como deviam se comportar no cenário internacional.
Fadado ao fracasso desde o seu surgimento, a Liga se converteu no primeiro grande experimento visando aglutinar os povos do mundo para tentar resolver os problemas globais, ordenando o mundo em torno de princípios básicos de respeito mútuo.
Em meados da década de 1940 a ONU surge sem apresentar uma política de poder definida. Nem poderia tê-la porque considerava todos os países juridicamente soberanos, portanto, iguais perante a comunidade internacional, sendo que "todos os membros ajustarão suas disputas internacionais por meios pacíficos, de forma a não pôr em risco a justiça nem a paz e a segurança internacional". Não havia, como ocorre ainda hoje, uma instância punitiva, mas apenas forças de paz, que se estabelecem nos locais em que já existe o cessar fogo entre os países ou grupos em litígio. Pode, também, realizar negociações com os países afetados, oferecendo alternativas e auxílios, para que finalizem o conflito. Em último caso, quando um país ameaça desestabilizar o sistema internacional, o Conselho de Segurança pode tomar medidas mais abruptas interferindo diretamente no processo, como no exemplo do Iraque. Mas essa última atuação é feita levando-se na devida conta cada caso específico, mobilizando-se recursos tão somente para essa ocasião.
Tanto na guerra do Vietnã, quanto na invasão da Checoslováquia, ou no Afeganistão nos anos 80, a voz da instituição não se fez ouvir, porque o assunto sequer foi discutido no âmbito da ONU. Nem adiantaria fazê-lo, sabendo-se de antemão os resultados.
Essas limitações sempre se constituíram em motivos para que críticas intensas fossem feitas contra a capacidade da ONU para resolver conflitos, quando os interesses das grandes potências estavam em jogo. Nesses casos, nada podia ser feito, porque o controle do Conselho de Segurança pelos cinco grandes sempre inviabilizou a tomada de medidas adequadas para atender a todas as demandas de maneira favorável a contentar os agentes envolvidos.
Mesmo a criação da ONU não se deu de forma tão pacífica como às vezes se pode pressupor. Ela só se tornou possível através de intensas negociações, pelo controle da instância mais importante, principalmente considerando o momento em que se vivia. Os anos seguintes mostrariam que os países que divergiam dos critérios para a constituição do Conselho de Segurança tinham razão em reivindicar assento como membro permanente. A França e a China não fizeram exigências do gênero, no primeiro momento, mas mudaram rapidamente de opinião quando os Estados Unidos, a União Soviética e a Grã-Bretanha não abriram mão de ocupar vagas fixas no Conselho, com direito a veto. Nos anos 90, sobretudo, muito se discutiu sobre a democratização do Conselho de Segurança, para aumentar o número de membros permanentes, fato não concretizado pela "falta de consenso" sobre quais países deveriam ocupar os novos assentos no mesmo.
As ressalvas que se avolumaram depois de sua criação, ao longo dos anos, contudo, foram, em grande parte injustas, porque apesar de suas limitações, a organização conseguiu criar normas e outras instâncias importantes como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção sobre Genocídio, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, a ocupação de regiões não mapeadas, a Agência Internacional de Energia Atômica, além de preocupações com a agenda social, mostrando que não passou a existir em vão. Em muitas ocasiões, a ONU também não foi chamada a intervir, sendo acionada apenas quando os conflitos já se encontravam em situação insustentável, pouco havendo a fazer.
O contrário, porém, não podia ser dito quando Estados Unidos e União Soviética disputavam cada pedaço do planeta, colocando em risco a segurança mundial. A corrida armamentista é um bom exemplo de como prevalecia um clima de insegurança coletiva, com os dois grandes atores sofisticando cada vez mais seus arsenais nucleares, aumentando sua capacidade de destruição, e contra os quais a ONU nada podia fazer. Apenas nos anos 70, começou a desvanecer o clima competitivo em torno das armas nucleares, sendo que três décadas depois consideráveis avanços foram verificados, apesar de mais alguns países terem tido acesso à tecnologia de destruição maciça.
O que acontecia é que os grandes temas da política mundial passavam ao longo da Organização das Nações Unidas, sendo resolvidas no âmbito da liderança dos dois grandes blocos, cada um com sua própria instituição, de um lado a Organização do Tratado do Atlântico Norte e, do outro, o Pacto de Varsóvia. Ambas mediam forças dentro de um contexto de poder bipolar, que se desfez com a derrocada do império soviético no início dos anos 90 e o desaparecimento do Pacto de Varsóvia.
A OTAN, pelo contrário, não apenas continuou existindo, e se converteu em instância maior do poder mundial liderada pelos Estados Unidos, como chegou a modificar a partir de 1991, seu conceito estratégico. Assim, nos anos mais recentes, a OTAN ampliou seu raio de ação, mudando seu caráter estritamente defensivo, frente às ameaças que durante anos estiveram abafadas pela rivalidade soviético-americana. As transformações sofridas pela instituição, ampliando o número de membros, e chegando junto à fronteiras do antigo inimigo, dão mostras de sua evolução e do aumento de sua capacidade para resolver os problemas de segurança no âmbito europeu, sem qualquer interferência da Organização das Nações Unidas.
4. A busca permanente pelo poder
O final da década de 80, caracterizado pela queda do Muro de Berlim, e o começo da década de 90, que viu ruir o império soviético, pareciam trazer bons augúrios para a Humanidade. Pelo menos era assim que viam os mais otimistas, já que não haveria mais motivos para se preocupar com um embate entre os dois grandes contendores. Com a vitória do bloco ocidental todo o medo causado pelo equilíbrio do terror, quando o mundo se sustentava sobre tênue fio, parecia destinado a desaparecer.
Nesses anos, quando se poderia pensar que o término da guerra fria finalmente levaria o mundo a momentos de tranqüilidade, os tempos que se seguiram serviram para mostrar a crueza das novas realidades. Em vez da paz desejada, o romper da década de 90 amanheceu com o céu abarrotado de aeronaves despejando toneladas de bombas sobre o Iraque, naquela que ficou conhecida como Operação Tempestade, e comandada pelo general A. Schwartskopf. A esta se seguiram outras tantas operações, sempre em territórios bastante distantes dos domínios americanos.
Mais do que nunca ocorreu o uso da força, com mais constância do que antes, contando sempre com a presença da única superpotência militar que passou a ditar as regras da nova conjuntura
Mais do que nos anos anteriores, o poder norte-americano se fez sentir em escala mundial, enquanto seu ex-adversário
restringiu suas ações passando a agir apenas em âmbito regional, principalmente enfrentando movimentos separatistas.
As intervenções militares realizadas a partir dos anos 90 não encontram precedentes, em termos comparativos. Se, durante o período da guerra fria, os Estados Unidos utilizavam-se de seu colossal aparato militar para se contrapor à União Soviética, e fazer valer seus interesses em grande parte do mundo, o que se verificou a partir do imediato pós-guerra fria é a unilateralidade nas ações globais.
Durante a segunda metade dos anos 60 os norte-americanos se bateram no Vietnã, consumindo dezenas de bilhões de dólares. A quantia seria provavelmente suficiente para melhorar a vida dos habitantes dos países do sudeste asiático envolvidos na guerra, tirá-los da esfera comunista e atraí-los para sua área de influência. A destruição causada na região não necessita de maiores comentários, visto que aquela guerra foi exaustivamente explorada em milhares de publicações, pelos filmes e pela mídia em geral.
Mas naquela ocasião, tinha-se um grande argumento que servia para justificar e sustentar as ações norte-americanas. Tratava-se da necessidade que os Estados Unidos tinham de defender os seus valores no mundo todo, isto é, a necessidade de difundir a democracia segundo os padrões ocidentais, contra doutrinas consideradas espúrias.
Nos anos mais recentes, afastado o perigo comunista, novos alvos passaram a ser eleitos, como as intolerâncias religiosas, concepções de mundo diferentes e o combate ao tráfico de drogas. E, em nome dessas novas cruzadas, guerras foram e continuam sendo feitas, sempre justificadas pela necessidade de defender o mundo contra as barbáries dos povos que não comungam os mesmos valores do Ocidente.
A escolha de alguns países como alvos, considerados perigosos para a ordem internacional, principalmente aqueles que protegem os denominados terroristas se tornou verdadeira obsessão, fazendo com que grande parte dos esforços norte-americanos fosse concentrada nessas ações, na esperança de que assim se manteria a segurança internacional, livrando o mundo dos considerados torpes e bárbaros inimigos. Na verdade, o que ocorreu foi que o mundo, frente ao super-poderio norte-americano, passou a experimentar sensação oposta, ou seja, inseguro, face à arrogância e auto-suficiência do governo estadunidense.
Assim, as instituições internacionais passaram a merecer cada vez menos importância. No caso específico da ONU, o governo norte-americano, por intermédio do presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, manifestava-se, em 1996, contrário à recondução do então secretário geral da instituição Boutros Galli, ameaçando inclusive retirar-se do seio da Organização das Nações Unidas. Tal situação, criaria, obviamente, situação inédita, visto que seria impensável uma instituição com tal magnitude funcionar sem a presença de seu membro maior. Por outro lado, em caso de saída da instituição, os norte-americanos sentir-se-iam à vontade para ditar suas políticas sem sequer levar em consideração argumentos de quaisquer outros países, visto que estaria fora das regras estabelecidas pela própria ONU. Neste caso, o governo de Washington poderia criar uma ordem paralela à existente, desestabilizando o próprio sistema internacional. O resultado todos conhecem, com um final favorável às pretensões norte-americanas, quando Koffi Anan substituiu Boutros Galli.
Os Estados Unidos pouco se importam com as instituições internacionais, apenas aderindo a ela ou recorrendo às mesmas quando seus interesses coincidem. Até porque a Suprema Corte não reconhece, para a política norte-americana, a superioridade dos tratados internacionais sobre suas legislações internas não acatando, portanto, o estabelecido pela Convenção de 1969 em Viena/Áustria. Quando seus interesses são questionados ou julgados em perigo, as instituições internacionais não são sequer consultadas pela Casa Branca, fato que só ocorre em uma segunda ocasião. Este comportamento não deve causar surpresas, quando se trata de uma superpotência com capacidade para atuar em escala global, e quando todos os assuntos dizem respeito à sua segurança. A diplomacia utilizada, portanto, é aquela que lança mão da capacidade militar acumulada pelo país, para dobrar a vontade de seus opositores, por mais longínquos que estes estejam e a quaisquer custos, na expectativa de que se atinja os objetivos, mas que nem sempre são alcançados em sua plenitude.
Todo esse poderio faz com que um país como os Estados Unidos procure impor as regras de como deve ser constituída a ordem mundial. Na realidade, nenhum país consegue, mesmo através da força, dominar tudo e a todos, simultaneamente, visando alcançar integralmente seus objetivos. Mas consegue, por outro lado, em grande parte dos casos, evitar que propostas contrárias às suas sejam realizadas. Ou seja, não manda em tudo, mas impede que os outros mandem contra sua vontade.
Com os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, o clima internacional sofreu sensíveis pioras. A obsessão norte-americana em colocar ponto final às atividades desenvolvidas por grupos que contestam a ordem mundial, tem feito com que medidas extremadas sejam tomadas por George Bush. Uma delas é a divulgação do próprio documento que estabelece a nova Doutrina de Segurança Nacional norte-americana, em que os Estados Unidos simplesmente afirmam não aceitar contestações.
Assim, pressões intermináveis têm sido feitas contra governos de todo o mundo para combater tais grupos, entre os quais se sobressaem o Al Qaeda e Osama Bin Laden, nisso tendo apoio incondicional apenas do governo britânico comandado por Tony Blair. As demais potências como a Alemanha, Rússia, a China e a França tem-se mantido prudentemente contrárias a ações precipitadas, fazendo distinções entre os desejos americanos e a realidade mundial, nem sempre coincidentes. Daí o aumento do papel exercido pela Organização das Nações Unidas que conseguiu convencer os EUA sobre a necessidade de se fazer inspeções mais rigorosas, por exemplo, no Iraque de Saddan Husseim, em busca de armamentos nucleares. É claro que em alguns momentos, os Estados Unidos manifestam-se contra alternativas como essa, tendo inclusive contribuído diretamente para a não reeleição de José Maurício Bustani, em 1992, para o cargo de diretor da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), já que este propunha soluções diferentes para o caso iraquiano.
Entre acertos e desacertos, o final de 2002 pareceu encerrar o clima belicoso de Bush que teve que ceder em suas demandas, face à recusa do apoio mundial às suas pretensões, tendo que fazê-lo através do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Este fato mostra, também, que o poder tem limites e, em muitos casos, um país por mais forte que seja não consegue atuar isoladamente. Os mais otimistas certamente tenderão a ver nesse acontecimento a perspectiva de aumento do papel da ONU para a resolução de futuros conflitos, mesmo contrariando os interesses das grandes potências.
Apesar do otimismo daqueles que entendem ser as organizações internacionais o forum indicado para resolver controvérsias, impedindo que as demandas sejam atendidas através de meios violentos, o que a História tem mostrado é que as políticas de poder têm sido utilizadas quotidianamente. Os defensores da idéia de que o Estado tem, necessariamente, que ser forte para fazer frente aos adversários, ou inimigos, encontram seu embasamento – apesar de introduzirem novas variáveis – na teoria realista das relações internacionais, e que teve seu ápice no período pós Segunda Guerra Mundial. Autores como Hans Morgenthau ou Raymond Aron fazem parte das leituras obrigatórias para todos aqueles que analisaram o cenário mundial da última metade do século passado.
Em um contexto onde são priorizadas as políticas de poder, pouco espaço costuma ser reservado para que as organizações internacionais exerçam a contento seu papel no intercâmbio entre as nações. O que vimos não só no século passado, mas igualmente nos primeiros anos desta década, é que as relações entre os diversos Estados ainda estão longe de atingir um patamar ideal em que prevaleçam a confiança e a colaboração recíprocas, na tentativa de moldar o mundo em bases amistosas, e nem sempre conferem à ONU sua devida importância.
Iniciado de forma violenta, o novo milênio apenas serviu para comprovar que, mais do que nunca, as disputas em grande parte do mundo estão sendo feitas apenas com o uso dos canhões. Nada mais natural se levarmos em conta que em toda a História as guerras sempre ocuparam papel importante na formação dos feudos, dos territórios e dos Estados Nacionais, cuja configuração hoje conhecemos.
As desconfianças mútuas, e as visões conspirativas que fizeram com que as guerras acontecessem ainda perduram com vigor, como os acontecimentos dos últimos anos têm mostrado. Há mais de trezentos anos, Thomas Hobbes dizia que o homem é o lobo do homem. Mesmo que a afirmação de Hobbes não seja aplicada integralmente, – e se constitua em apenas um recurso teórico para justificar a criação do Estado – suas considerações têm orientado as atitudes tomadas por grande parte dos governantes , como se estivéssemos em um Estado de natureza, em que todos são percebidos como inimigos de todos. Como o mundo em que vivemos está longe de ser considerado ideal, os Estados têm procurado acumular cada vez mais poder, imaginando que, no limite, é este que vai dar credibilidade às suas demandas e que estas vão ser atendidas justamente em função das capacidades que cada país usufrui.
Embora possam ser questionados, a verdade é que mutatis mutandis argumentos semelhantes aos hobbesianos têm sido de grande valia para governantes que tem pautado suas atuações elaborando e implementando políticas, visando alcançar e manter cada vez mais papel de relevo para seu país no contexto internacional. Neste ínterim, obviamente, pouco se importam com as regras ou com as organizações internacionais, desde que atinjam seus objetivos. Estas últimas, por sua vez, ainda que resolvam um número considerável de problemas, têm se mostrado, contudo, impotentes para colocar integralmente "ordem na casa", quando confrontadas com as políticas de poder estabelecidas pelas grandes potências.
Nestas circunstâncias, as organizações internacionais atuam, também, de forma realista, sabendo que conseguem atender certas demandas, mas também apresentam limites para agir em um mundo cujos governantes têm se apresentado, pelo menos até agora, pouco amistosos.
Trabajo enviado por:
Shiguenoli Miyamoto*
shiguenoli[arroba]globo.com
Depto. de Ciência Política do IFCH da UNICAMP
Patrícia Nasser de Carvalho**