Os Novos Juizados Especiais Federais Criminais: Considerações gerais sobre a Lei Nº. 10.259/01



Os arts. 1º. e 60 da Lei nº. 9.099/952, regulamentando o art. 98 da Constituição Federal, previram a criação pelos Estados e pela União (no Distrito Federal) dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Ocorre que com o advento da Emenda Constitucional n.º 22/99, acrescentou-se um parágrafo ao referido art. 98, prevendo-se que "lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal", o que veio a se efetivar com o surgimento da Lei n. 10.259/2001 que no seu art. 27 estabeleceu que a sua vigência seria de seis meses após a data de sua publicação; como esta formalidade ocorreu em 13 de julho de 2001, entendemos que os seus dispositivos mais favoráveis passaram a ter vigência no dia 12 de janeiro de 2002, utilizando-se a regra estabelecida no art. 10 do Código Penal.

Observa-se preliminarmente que a Lei nº. 9.099/95 deverá ser aplicada nos Juizados Federais quando não conflitar com a lei ora comentada.

Os Juizados Federais Criminais terão competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos. Em que pese o seu art. 2º. prevê tão-somente "processar e julgar" é induvidoso que caberá também aos Juizados a respectiva execução, por força do que permite o art. 98, I da Constituição Federal.

Como a Lei nº. 9.099/95 possui normas de caráter processual e outras que traduzem também princípios de Direito Material, é certo que com referência a estas últimas, aplicar-se-ão em qualquer Juízo, mesmo nos procedimentos da competência originária dos Tribunais Regionais Federais (salvo na Justiça Militar, por força da Lei nº. 9.839/99 que acrescentou o art. 90-A). Mesmo onde não houver Juizado Especial criado, deve o Juiz Federal aplicar a lei especial porque é mais benéfica para o réu.

São princípios orientadores dos Juizados Especiais Federais Criminais a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Como seus objetivos primordiais temos a conciliação, a transação, a reparação dos danos e a aplicação de pena não privativa de liberdade (arts. 2º. e 62 da Lei nº. 9.099/95).

O art. 61 da Lei nº. 9.099/95 conceituava infração penal de menor potencial ofensivo como sendo todos os crimes cuja pena máxima não excedesse a um ano, excetuados aqueles que obedecessem a um procedimento especial, além de todas as contravenções penais.

A nova lei, no entanto, no parágrafo único do art. 2º.

passou a considerar infração de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, retirando a ressalva quanto ao procedimento especial, não se referindo, evidentemente às contravenções penais, pois, como se sabe, estão excluídas da competência da Justiça Federal, por força do art. 109, IV da Constituição.

Assim, a nova lei conceituou de modo diferente crime de menor potencial ofensivo, derrogando, deste modo, o art. 61 da Lei nº. 9.099/95, que se aproveita apenas quando trata das contravenções penais.

É bem verdade que aquele mesmo dispositivo, ao conceituar crime de menor potencial ofensivo adverte que o faz "para os efeitos desta lei". Esta ressalva, no entanto, ao ser confrontada com a Constituição Federal não pode e não deve prevalecer, por força do disposto no art. 5º., caput da Constituição Federal que consagra o princípio da igualdade. Com efeito, seria absurdo admitir-se que uma mesma conduta fosse considerada um delito de menor potencial ofensivo (com todas as vantagens advindas) e, em outro momento (tendo em vista, por exemplo, o seu sujeito passivo ou o local onde foi cometida) não o fosse. Evidentemente que uma mesma ação e um resultado igual devem gerar uma mesma conseqüência jurídica. Se desacato um Delegado da Polícia Civil devo ter o mesmo tratamento jurídico-penal dado a quem desacata um delegado da Polícia Federal; se furto uma televisão, devo ser tratado penal e processualmente da mesma forma de quem furta uma televisão a bordo de um navio ou de uma aeronave. É óbvio! Assim, parece-nos tranqüilo o entendimento de que a definição de crime de menor potencial ofensivo foi elastecida.3

Portanto, são infrações penais de menor potencial ofensivo todas as contravenções penais (que estão excluídas da apreciação dos Juizados Especiais Federais Criminais) e todos os crimes "a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa", independentemente da previsão de procedimento especial.

A questão é saber como interpretar esta última parte do parágrafo único do art. 2º. da lei nova. Para nós a pena máxima de dois anos é o limite intransponível para o conceito, ou seja, qualquer delito cuja pena em abstrato seja superior a dois anos está fora do âmbito dos Juizados, tenha ou não pena de multa alternativamente cumulada (observa-se que o critério do legislador ao conceituar tais delitos foi sempre a pena máxima, não a mínima). Ainda que a pena de multa seja cumulada com a pena de detenção ou reclusão igual ou inferior a dois anos, a situação não muda, ou seja, continua sendo de menor potencial ofensivo4.

A competência dos Juizados Especiais Federais Criminais é ratione materiae, sendo, portanto, absoluta, até porque estabelecida constitucionalmente (art. 98, I).5

Para efeito de determinação da competência territorial, prevaleceu o local da ação ou da omissão (como no art. 147, § 1o. do Estatuto da Criança e do Adolescente) e não o do resultado (art. 63), como estabelece a regra geral insculpida no art. 70 do Código de Processo Penal.6

Para efeito de definição como infração de menor potencial ofensivo são levadas em conta as causas de aumento (no máximo) e de diminuição (no mínimo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), excluídas as agravantes e as atenuantes genéricas. No caso de concurso material ou formal de crimes, ou em se tratando de crime continuado, entendemos que cada crime deve ser considerado isoladamente, aplicando-se, por analogia, o art. 119 do CP e a Súmula 497 do STF, posição que sofre restrições de boa parte da doutrina e da jurisprudência. Hoje, com a Súmula 243 do STJ, o entendimento de que nestes casos devem ser levados em conta os respectivos aumentos irá prevalecer.7

No caso de concurso de infrações penais ou de pessoas (e em sendo o caso de conexão ou de continência), entendemos que deve haver a separação de processos (como o permite o art. 80, CPP), tendo em vista que a competência para julgamento do crime de menor potencial ofensivo é ditada pela Constituição, afastando-se, portanto, a regra do art. 79, do CPP. Damásio de Jesus, contrariamente, entende que deve prevalecer o "Juízo Comum"8. Como já frisamos, a competência dos Juizados Especiais Federais Criminais é ditada pela natureza da infração penal, estabelecida em razão da matéria e, portanto, de caráter absoluto, ainda mais porque tem base constitucional (art. 98, I da Constituição Federal); neste sentido, Mirabete e Ada, respectivamente:

"A competência do Juizado Especial Criminal restringe-se às infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme a Carta Constitucional e a lei. Como tal competência é conferida em razão da matéria, é ela absoluta, de modo que não é possível sejam julgadas no Juizado Especial Criminal outras infrações, sob pena de declaração de nulidade absoluta."9

"A competência do Juizado, restrita às infrações de menor potencial ofensivo, é de natureza material e, por isso, absoluta. Não é possível, portanto, que nele sejam processadas outras infrações e, se isso suceder, haverá nulidade absoluta."10

Igualmente pensa Cezar Roberto Bitencourt, para quem "a competência ratione materiae, objeto de julgamento pelos Juizados Especiais Criminais, apresenta-se da seguinte forma: crimes com pena máxima cominada não superior a um ano e contravenções penais."11

O Professor Sidney Eloy Dalabrida também já escreveu:

"A competência do Juizado Especial Criminal foi firmada a nível constitucional (art. 98, I, CF), restringindo-se à conciliação (composição e transação), processo, julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo. É competência que delimita o poder de julgar em razão da natureza do delito (ratione materiae), e, sendo assim, absoluta. Logo, na ausência de disposição legal permissiva, é inadmissível a submissão a processo pelo Juizado Especial Criminal de outras infrações penais, sob pena de nulidade absoluta." ( grifo nosso).12

Observa-se que a competência da qual ora falamos tem índole constitucional, posto ter sido prevista no art. 98 da Carta Magna.

A esse respeito, o já citado Cezar Roberto Bitencourt, afirma que "as infrações que não se caracterizarem como de menor potencial ofensivo, ainda que estejam dentro do limite previsto no artigo 89, não poderão receber a suspensão do processo através do Juizado Especial, posto que a competência será da Justiça Comum."13 (grifo nosso).

Repita-se que a competência da qual falamos é ditada ratione materiae e, como tal, tem caráter absoluto (mesmo porque delimitada pela Constituição, secundada pela lei federal), sendo nulos todos os atos porventura praticados, não somente os decisórios, como também os probatórios, "pois o processo é como se não existisse."14

Ora, se assim o é, ou seja, se a própria Constituição estabeleceu a competência dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, é induvidoso, ainda que estejamos à frente de uma conexão ou continência, não ser possível o simultaneus processus com a aplicação da regra contida no art. 78 do Código de Processo Penal, norma, aliás, infraconstitucional e anterior à Constituição de 1988. Ademais, ressalva-se que o próprio CPP, no art. 80, permite a separação de processos mesmo sendo o caso de conexão ou continência, quando, por exemplo, "o juiz reputar conveniente a separação por motivo relevante." Assim, ainda que a separação não fosse ditada pelo art. 98, I da Constituição, deveria sê-lo por força do art. 80 do Código, por ser conveniente a separação, pois o rito nos Juizados Especiais Criminais, além de ser mais rápido e desburocratizado, permite a composição civil dos danos e a transação penal, institutos despenalizadores e de aplicação obrigatória, pois são de Direito Material e benéficos.

 


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