I. O Beijoqueiro, um anti-herói brasileiro
O Beijoqueiro (1992, 25 minutos), documentário de Carlos Nader, é sobre José Alves de Moura, que se tornou uma figura pública no Brasil por beijar celebridades. Moura tornou-se uma espécie de pop star no Brasil por beijar 452 figuras públicas notáveis incluindo reis, celebridades do esporte, chefes de Estado, líderes religiosos, políticos e artistas.
O Beijoqueiro, cuja tradução em inglês é The Portrait of a Serial Kisser, começa com as seguintes legendas aparecendo na tela: "Essa é a história de um homem/que tem um joelho débil/uma mão paralisada/e mais de 80 pontos pelo corpo./Ele já foi processado 14 vezes/ preso 74 vezes/ e espancado mais de 60. /Qual é o crime desse homem?"
A primeira cena do vídeo de Nader mostra o Beijoqueiro enterrado na areia, só com a cabeça de fora (somos informados pelo locutor que ele se enterra desse modo para extrair energia do solo brasileiro), assobiando a melodia do hino nacional brasileiro. Quando ele invade o campo de futebol do estádio do Maracanã para beijar os jogadores, como faz freqüentemente, interrompendo jogos e sendo preso pela polícia em pleno gramado, ele sempre carrega consigo uma bandeira do Brasil. Numa outra cena, o Beijoqueiro está usando a camisa da seleção brasileira de futebol para fazer jogging. Nós o vemos correndo em câmara lenta. Ele pesa 105 quilos.
O Beijoqueiro pode ser visto como um desdobramento de um dos mais famosos heróis culturais do Brasil, ou melhor anti-heróis: Macunaíma. Este personagem brasileiro essencial – uma criação ficcional – foi arquitetado pelo escritor modernista Mário de Andrade (1893-1945) no livro de mesmo nome, publicado pela primeira vez em 1928. Macunaíma foi classificado pelo seu autor como uma rapsódia, uma fantasia livre ‘de um personagem épico, heróico ou nacional’. O movimento modernista brasileiro (1922-1930) – uma contrapartida brasileira ou resposta aos movimentos modernistas da Europa – pretendia democratizar a arte por meio de uma postura de nacionalismo cultural, rejeitando imitações acríticas de modelos europeus em favor de um interesse em formas populares de expressão. Muitos poetas modernistas incorporaram os ritmos das línguas dos indígenas brasileiros em seus trabalhos, e sua Revista de Antropofagia (1929) freqüentemente incluía artigos sobre folclore e cultura popular. Talvez mais que qualquer outro modernista, Mário de Andrade empreendeu uma extensa pesquisa sobre danças, festas, mitos e lendas brasileiros.
O terceiro longa metragem do cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade, Macunaíma (1969), foi adaptado do romance de Mário de Andrade. Não por coincidência, o papel de Macunaíma é feito pelo ator Grande Otelo, que, junto com Oscarito, foi um dos atores mais famosos das chanchadas brasileiras.
Macunaíma está sempre dizendo, 'Que preguiça!' Suas desventuras incluem encontros com figuras do folclore e da mitologia brasileiros, que são retratados de forma irônica, como no personagem do ogro que é um industrial capitalista. O filme de Joaquim Pedro de Andrade reexaminou o modernismo brasileiro dos anos 20 no contexto da situação sociopolítica do país do final dos anos 60. Nas palavras do diretor:
O canibalismo é um modo exemplar de consumismo adotado por povos subdesenvolvidos. Em especial, os índios brasileiros, imediatamente após terem sido ‘descobertos’ pelos primeiros colonizadores, tiveram a rara oportunidade de saborear o Bispo enviado pelos portugueses, Dom Pedro Fernandes Sardinha, a quem devoraram em uma memorável refeição.... Não é por acaso que os artistas revolucionários dos anos 20 – os Modernistas – dataram seu Manifesto Antropofágico de "Ano 374 da Deglutição do bispo Sardinha". Hoje podemos notar claramente que nada mudou. As classes sociais tradicionalmente dominantes continuam com seu controle sobre a estrutura de poder – e nós redescobrimos o canibalismo. (1) (tda, tradução da autora)
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