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Migrações internacionais e transnacionalismo na atualidade (página 2)

Pedro P. Geiger

 

No dizer de Allan Scott (1998), a globalização representa a passagem de um mundo de economias nacionais em interação para uma economia globalizada localizada em nações. Aspectos da nova estrutura são o elevado número de empresas transnacionais, com seus estabelecimentos distribuídos por diversos países, e o deslocamento de empregados que estas promovem. Em meados dos anos 90 havia no mundo 38.541 companhias com filiais em outros países, somando 251.450 estabelecimentos (Scott, 1998). Só o número de empregados japoneses atuando fora do Japão era de 83 mil.

Outras formas de mobilidade são estimuladas pela globalização. Em meados da década de 1990 havia 5.401 organizações intergovernamentais internacionais e 31.085 organizações não-governamentais (ONGs) internacionais, 25 vezes mais que em 1960. O número de pessoas realizando breves estadias de negócios fora de seus países era estimado em 1 milhão por ano, e o de pesquisadores trabalhando fora de seus países, em 29 mil. Observam-se formas de associação do turismo, em expansão, com migrações.

Grande número de países permite a entrada de turistas sem exigência de visto e uma permanência de até três meses. Multiplicam-se casos em que o "turista", depois de trabalhar nestes três meses, sai do país para a ele retornar em seguida. Sem falar daqueles que se tornam imigrantes ilegais. O número de vistos concedidos a turistas brasileiros para ingresso nos EUA passou de 128 mil para 380 mil entre 1984 e 1992 (Margolis, 1994, p. 42).

No dizer de Richard Sennet, o capitalismo flexível contém a perspectiva do curto prazo como sua ideologia. Neste sentido, a expectativa do migrante por uma estadia de curto prazo fora de seu país se conforma a esta filosofia, e a intensificação das migrações, nas últimas décadas, reflete tanto o quadro econômico promovido pelo capitalismo flexível, como o de suas ideologias.

Contudo, o mundo globalizado também aponta para tendências de maiores restrições às migrações internacionais espontâneas, em contraste com as pressões por maior liberdade na circulação de capitais e mercadorias. Restrições relacionadas a ciclos de desemprego e ao desmonte do Estado previdenciário.

O crescimento do desemprego na Europa durante meados dos anos 90 influiu no comportamento de segmentos crescentes de suas populações contra os imigrantes.

Políticas de redução de gastos previdenciários elegiam os migrantes como alvos privilegiados. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram votadas leis estaduais que retiravam subsídios para filhos de migrantes ilegais, mesmo quando nascidos no país.

O obstáculo à livre migração vem alimentando a organização de uma "indústria" de tráfico de migrantes – em geral, trabalhadores pouco qualificados –, compreendendo desde corretores que cuidam de arranjos para migrações legais a máfias que tratam do transporte de migrantes ilegais, ou de sua transformação em legais.

Estima-se que, só na Europa, este comércio vem auferindo de 3 a 4 bilhões de dólares anuais (segundo o The Economist). Na África, por outro lado, assiste-se à ressurgência de formas de tráfico escravagista.

 

Categorias de migrantes e de países.

Marx distinguia migrantes burgueses e migrantes proletários. Na atualidade, busca-se qualificar os migrantes com muito detalhamento: trabalhadores pouco qualificados, qualificados, altamente qualificados; executivos, altos funcionários, de empresas transnacionais, de órgãos internacionais; idosos que se transferem de regiões muito frias para regiões mais amenas etc.

O estudo de Margolis sobre brasileiros em Nova York observa que mais de 40% deles procediam das classes médias, e que, no novo ambiente cultural, muitos aceitaram empregos em ocupações que não ousariam aceitar em suas cidades de origem. Em grandes cidades americanas, migrantes orientais recentes se estabeleceram com pequenas casas de comércio de alimentos.

Os episódios recentes de violência contra lojas de coreanos ou vietnamitas em Los Angeles exibiram uma transferência de conflitos de classe para conflitos étnicos.

Morén-Alegret compara comportamentos de executivos e altos funcionários estrangeiros, que não são tratados como "migrantes", termo de conotação pejorativa.

Mostra que o pertencimento à classe capitalista aparece em suas participações na vida mundana da alta sociedade local.

Os japoneses costumam formar associações exclusivas; os americanos, clubes abertos para os quais convidam membros da sociedade local e executivos de outras nacionalidades; ingleses e suíços criam associações que alternam reuniões abertas e fechadas.

Considerando o balanço migratório, os países podem ser classificados em "importadores" ou "exportadores" de população. O World Competitiveness Yearbook de 1999 exibe um indicador quanto à capacidade dos países em reterem pessoas de elevada educação. Ele era de 8,2 para os Estados Unidos, 7,2 para a Alemanha e 7 para o Japão. O Brasil figurava com 5,8.

Destino de migrações européias no passado, o Brasil é hoje origem de importantes correntes migratórias, principalmente para os Estados Unidos, Japão e alguns países europeus, ao mesmo tempo em que recebe migrantes da América do Sul e da África portuguesa. Portugal atrai brasileiros e africanos, mas possui 3,3 milhões de cidadãos fora do país, grande número deles nos países da União Européia.

Muitos países passaram a defender direitos para seus emigrados, pois que estes lhes remetem poupanças e utilizam os sistemas sociais dos países hospedeiros.

Através das "colônias", os países podem exercer alguma influência cultural e política nos países hospedeiros – por exemplo, a influência árabe na França. Ligações entre diásporas e seus países de origem vêm se tornando tão complexas quanto as das empresas multinacionais com os governos de seus países de origem.

Pluriculturalismo, transnacionalismo, tribos. Malgrado a dizimação de culturas pré-colombianas em grande parte do continente americano, nele foram criadas estruturas nacionais já bem diversas das que se formaram na Europa, dada a coabitação de populações de diversas origens. As raízes do pluriculturalismo moderno estavam sendo plantadas. De qualquer modo, porém, os novos migrantes que iam chegando aos países americanos já independentes tendiam a assumir nova identidade nacional, a estabelecer uma ruptura maior ou menor com o passado.

Na contemporaneidade, considere-se, entre outros, dois fatos. Primeiro, que o indivíduo passou a se dar conta da pluralidade de identidades que carrega. "Se o aparecimento do sujeito cartesiano representou parte da catástrofe do universo medieval, o homem esquizo, tal como a Psicanálise nos fez ver, representa a nova catástrofe, para o mundo cartesiano. Faz parte do aparecimento em cada um e no social do sentimento do múltiplo, da multidão, que nunca chega sequer a formar um." (Veschi, 1993, p. 21). O outro fato refere-se ao estabelecimento do "meio técnico científico informacional" de que nos fala Milton Santos. O progresso em transportes e comunicações aproxima os locais de origem e destino dos migrantes.

Estes e outros fatos, como a criação dos mercados comuns, atuam a favor do pluriculturalismo e do transnacionalismo.

Para Martin Matnstik (1996), o pluriculturalismo, como processo real, estaria substituindo, com vantagem, uma identidade internacionalista idealizada, virtual. Para Julia Kristeva, a abertura multicultural para o outro ocasiona a emergência da solidariedade aos excluídos, abalados e oprimidos, e "a liberdade dos indivíduos da contemporaneidade pode ser medida de acordo com sua capacidade de escolher as suas pertenças, enquanto que a capacidade democrática de uma nação, ou de um grupo social, é revelada pelo direito que oferece aos indivíduos de exercer a sua escolha." (Kristeva, 1993).

Antigos termos estão sendo reutilizados.

Relações fundadas em "afinidades eletivas" por razões étnicas, como turistas brasileiros em Nova York preferindo fazer compras em lojas de brasileiros, dão margem à expressão "tribos". Brasileiros descendentes de japoneses repetindo viagens periódicas para trabalhar no Japão são exemplo do chamado novo "seminomadismo".

 

Referências bibliográficas

  • CASTELS, Stephen & MILLER, Mark J. The age of migration. 2nd edition. Nova York/ Londres, The Guilford Press, 1998.
  • KRISTEVA, Julia. Nations without nationalism. Nova York, Columbia University Press, 1993.
  • MARGOLIS, Maxin L. Little Brazil. Imigrantes brasileiros em Nova York. Campinas, Papirus, 1994.
  • MATNSTIK, Martin J. Postnational identity. Nova York/Londres, The Guilford Press, 1996.
  • MORÉN-ALEGRET, Ricard. Beyond immigrants, Marx and immigration. Trabalho apresentado no simpósio Migrações: Nação, Lugar e Dinâmicas Territoriais, São Paulo, UGI/ Depto. de Geografia da USP, 1999.
  • SCOTT, Allan. Regions and the world economy. The comming shape of global production, competition and political order. Oxford, Oxford University Press, 1998.
  • VESCHI, Jorge Luiz. Caos sensível. Rio de Janeiro, Livraria Sette Letras Ltda., 1993.
  • WEINER, M. "Nations without borders. The gifts of folk gone abroad". In: United Nations (ed.), Migrations and cultures: a world view, Basic Books, 1996.

 

Nota

* Pesquisador associado do Laboratório de Gestão do Território (LAGET) do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Pedro P. Geiger
pgeiger.IPLAN[arroba]pcrj.rj.gov.br



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