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Micromorfologia do solo e sua relação com atributos físicos e hídricos (página 2)

Wanderley José de Melo

Material e Métodos

A área de estudo localiza-se no nordeste do Estado de São Paulo, no Município de Guariba, SP (21º19'S, 48º13'W; a 640 m de altitude). O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo mesotérmico com inverno seco (Cwa), com precipitação média de 1.400 mm, com chuvas concentradas no período de novembro a fevereiro.

O relevo é predominantemente suave ondulado com declividades médias variando de 3 a 8%. O solo da área em estudo foi classificado como Latossolo Vermelho eutroférrico, textura muito argilosa (LVef) (Embrapa, 1999). A área apresenta histórico de cultivo intensivo de cana-de-açúcar por mais de 30 anos consecutivos.

O solo foi amostrado em 100 pontos de cruzamento de uma malha com intervalos regulares de 10 m, em uma área de 100x100 m, nos horizontes A1 e AB. Foram abertas 100 trincheiras de 0,60 m de profundidade (0,3x0,3 m de largura), para a coleta de amostras nas quais foram determinados os atributos físicos. As amostras micromorfológicas foram coletadas em uma trincheira aberta no centro da área. As amostras indeformadas foram coletadas com auxílio de anéis volumétricos de 0,04 m de altura e 0,06 m de diâmetro, para determinação da microporosidade e da macroporosidade, utilizando a mesa de tensão. A porosidade total foi determinada segundo Embrapa (1997), a microporosidade, por secamento (-0,006 MPa) e a macroporosidade, por diferença entre a porosidade total e a microporosidade. A densidade do solo foi determinada conforme Embrapa (1997).

A resistência do solo à penetração foi determinada com o penetrômetro de impacto (modelo IAA/Planalsucar-Stolf), com ângulo de cone de 30º e os resultados transformados conforme Stolf (1991). Na avaliação da condutividade hidráulica do solo saturado no campo, empregou-se o permeâmetro de Guelph, modificado por Vieira (1998). Mediu-se a taxa constante de infiltração e calculou-se a condutividade hidráulica do solo saturado no campo (Kfs), de acordo com Reynolds & Elrick (1985). Feitas as medições, os dados foram analisados segundo modelos matemáticos propostos por Vieira (1998).

Nas análises micromorfológicas, lâminas delgadas (5x7 cm) foram feitas a partir de blocos impregnados com resina poliéster não saturada, diluída com monômero de estireno e misturada com pigmento fluorescente (Uvitex OB), que permite a distinção dos poros, quando iluminados com luz ultravioleta (Murphy, 1986). Imagens digitalizadas foram adquiridas a partir das lâminas delgadas e blocos polidos utilizando uma câmera CCD com resolução de 1.024x768 pixels e área por pixel de 156,25 µm2.

As imagens foram processadas utilizando o programa Visilog 5.4 (Noesis). A porosidade total (PT) foi calculada como a soma das áreas de todos os poros dividida pela área total da imagem, em porcentagem. Os poros foram divididos em três grupos de acordo com sua forma: arredondados, alongados e complexos. Dois índices foram utilizados para determinar a forma dos poros:

em que P é o perímetro do poro e A sua área, e

em que NI é o número de interceptos de um objeto na direção i (i = 0, 45, 90 e 135º), DF é o diâmetro de Feret de um objeto na direção j (j = 0 e 90°), m é o número de i direções e n é o número de j direções. O índice I2 é utilizado como complemento ao índice I1 para obter precisão mais alta na separação entre os grupos de formas arredondados, alongados e complexos.

A partir de jogo de imagens nas quais as principais formas dos poros podem ser observadas, procede-se à identificação dos poros. Canais, cavidades isoladas e poros tubulares pertencem à categoria de poros com índice de forma I1<5 e definem a classe morfológica Arr de poros arredondados. Os poros que resultam da assembléia de agregados ou de partículas elementares e de poros de diversos tipos, interconectados, formando, nos dois casos, uma rede poral de tamanho grande de formas muito contornadas, pertenciam à categoria de poros caracterizada por um índice de forma I1>25 e define os poros de forma complexa (Comp). Dentro da gama de índices de forma I1, compreendido entre 5 e 25, coexistem poros alongados e poros de forma complexa, de tamanho menor, em geral, que os precedentes. Neste caso, o índice I2 foi elaborado para separar os limites do índice I1, o qual permitiu melhor discriminar os poros alongados (Alon) e os poros complexos (Comp); os primeiros têm um I2<2,2 e os segundos um I2>2,2.

As três classes de forma, arredondados (Arr), alongados (Alon) e complexos (Comp), foram cruzadas com as classes de tamanho dos poros na escala utilizada. Desta forma, foram definidos nove tipos de poros, segundo sua forma e tamanho: poros arredondados pequenos, médios e grandes (Arrp, Arrm, Arrg); alongados pequenos, médios e grandes (Alonp, Alonm, Along) e complexos pequenos, médios e grandes (Compp, Compm, Compg). As classes de tamanho foram definidas da seguinte maneira: poros pequenos, aqueles que ocupam áreas entre 1,56x10-4 e 1,56x10-2 mm2; poros médios, áreas entre 1,56x10-2 e 0,156 mm2 e poros grandes, áreas maiores do que 0,156 mm2.

A análise estatística constou dos dados de 100 coletas simples ao acaso, nos horizontes A1 e AB, com distância de 10 m, que foram avaliados estatisticamente pelo confronto de médias, duas a duas, pelo teste t de Student a 5% de probabilidade, por meio do SAS Institute (1995).

Resultados e Discussão

Os valores médios de resistência do solo à penetração pertencem às classes alta no horizonte A1 e muito alta no horizonte AB, de acordo com USDA (1993). Houve aumento da resistência do solo à penetração do horizonte A1 para o horizonte AB (Tabela 1), com valores considerados restritivos ao desenvolvimento radicular, segundo Grant & Lafond (1993), os quais afirmam que valores compreendidos entre 1,5 e 3,0 MPa são considerados críticos e dificultam o desenvolvimento radicular das culturas.

A condutividade hidráulica do solo saturado (Tabela 1) apresenta valores médios pertencentes à classe lenta a moderada para o horizonte A1 e lenta no horizonte AB (USDA, 1993). Os valores médios da densidade do solo foram de 1,38 a 1,41 kg dm-3, considerados altos, segundo Arshad et al. (1996), que relatam que valores acima de 1,40 kg dm-3 restringem o crescimento radicular em solo argiloso. Os valores altos da densidade do solo e resistência à penetração e os valores baixos de permeabilidade são conseqüências do tráfego intensivo de máquinas na cultura da cana-de-açúcar. Segundo Salire et al. (1994) e Hakansson & Voorhees (1998), sistemas com pouco revolvimento do solo e tráfego de máquinas pesadas podem promover compactação do solo até 0,4 m.

A análise da porosidade média total na trincheira, a partir dos blocos polidos e lâminas delgadas, indicou aumento gradativo da porosidade total entre os horizontes AB e Bw3, passando de uma porosidade média de 13% no horizonte AB, para 34%, no Bw3 (Figura 1). O horizonte AB apresentou o menor valor para porosidade total (13%), indicando maior compactação nesse horizonte. Nos locais onde ocorre ação do tráfego intensivo de máquinas agrícolas (horizontes A1 e AB), os valores de porosidade total foram menores em relação aos horizontes que não sofreram ação do manejo (horizontes Bw2 e Bw3), corroborando os resultados de Pagliai et al. (1983) e Cooper (1999).

Os altos valores médios da densidade do solo, microporosidade e resistência do solo à penetração e os baixos valores de macroporosidade e condutividade hidráulica do solo saturado foram verificados no horizonte AB (Tabela 1), concordando com os resultados alcançados por meio da análise de imagem, em que se observou menor porosidade total e maior distribuição de poros arredondados neste horizonte (Figura 1). A mobilização do solo e o tráfego de máquinas e implementos agrícolas, comuns no cultivo da cana-de-açúcar, modificaram o tamanho de agregados, com aumento na proporção de microporos em relação aos macroporos, corroborando resultados obtidos por Bullock & Thomasson (1979) e Silva & Mielniczuk (1998).

Todas as formas de poros estão representadas em todos os horizontes, e o horizonte AB foi o que apresentou menor porosidade total (13%) e maior quantidade de poros arredondados responsáveis por menor condução de água ao longo do perfil do solo, em razão de provável baixa conectividade entre esses poros (Figura 1). O horizonte Bw3 apresentou maior porosidade total (34%), assim como maior número de poros complexos, conduzindo maior quantidade de água ao longo do perfil. Maior quantidade de poros arredondados no tratamento com cultivo em relação ao tratamento não cultivado foi observado por Pagliai et al. (1983).

No horizonte AB, ocorreu a menor condutividade hidráulica do solo saturado (Tabela 1), estando esse resultado de acordo com a menor porosidade total e distribuição de poros arredondados (Figuras 1 e 2). Já nos horizontes Bw2 e Bw3, observaram-se maiores valores de condutividade hidráulica do solo saturado (Tabela 1). Isto se deve, provavelmente, à maior quantidade de porosidade total e às formas complexas de seus poros, que promovem maior movimentação da água ao longo do perfil do solo (Figuras 1 e 2). Maior movimento de água ao longo do perfil por meio dos poros alongados também foram observados por Fox et al. (2004). O mesmo comportamento foi constatado por Cooper (1999) nos horizontes Bw, em virtude do maior desenvolvimento da porosidade complexa nesses horizontes.

As observações microscópicas das lâminas delgadas revelam diferenciações da geometria do espaço poroso, interferindo na condutividade hidráulica do solo saturado, em conseqüência de alterações causadas pelo manejo, concordando com os resultados de Soares et al. (2005b).

Conclusões

1. Os atributos físico-hídricos mostram compactação nos horizontes A1 e AB.

2. A análise de imagem confirma a compactação do solo nesses horizontes.

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Zigomar Menezes de SouzaI; José Marques JúniorI; Miguel CooperII; Gener Tadeu PereiraIII
zigomarms[arroba]yahoo.com.br

IUniversidade do Estado de São Paulo (Unesp), Fac. de Ciências Agrárias e Veterinárias, Dep. de Solos e Adubos, Via de acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/nº, CEP 14884-900 Jaboticabal, SP. E-mail: zigomar[arroba]fcav.unesp.br,
IIUniversidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Dep. de Solos e Nutrição de Plantas, Av. Pádua Dias, nº 11, CEP 13418-900 Piracicaba, SP.
IIIUnesp, Fac. de Ciências Agrárias e Veterinárias, Dep. de Ciências Exatas.



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