Em torno do linchamento



 

"Pode-se mesmo dizer que o progresso da cultura humana,
que anda pari passu com o da vida jurídica, obedece a esta lei fundamental:
verifica-se uma passagem gradual na solução dos conflitos do plano da força bruta
para o plano da força jurídica.
Nas sociedades primitivas tudo se resolve em termos de vingança,
prevalecendo a força, quer do indivíduo, quer da tribo a que ele pertence
."
(Miguel Reale).

É assustador como a cada dia se multiplicam nos noticiários de nossa imprensa as informações acerca de um fenômeno social que se vem tornando perigosamente contumaz em nossa sociedade, alastrando-se por todo o Brasil, tendo o Estado da Bahia, indiscutivelmente, a primazia triste de estar ocupando lugar de destaque a seu respeito: estamos a falar do linchamento.A mídia, cotidianamente, traz-nos a visão da brutal e covarde prática do homicídio coletivo, consumado por um sem número de pessoas transformadas, por instantes, em verdadeiras "feras humanas". O que restam, via de regra, são corpos dilacerados pela brutalidade selvagem do grupo agressor.Ainda se ocultam em nossa memória as cenas chocantes trazidas pelos noticiários televisivos, tais como as que ocorreram em maio de 1990 quando uma presidiária de 35 anos foi agredida por outras detentas no interior do presídio onde se encontrava, sob a acusação de homicídio; aliás, já sujeita ao sistema penal, foi julgada e condenada à morte por outras presidiárias; à época, uma revista semanal assim se reportou ao fato.

"A presa foi assassinada a ponta-pés, golpes de ferro elétrico, teve seus olhos perfurados a unha e foi escalpelada como uma vítima de índios comanches num filme de faroeste – seus cabelos foram arrancados à força junto com pedaços do couro cabeludo" (Revista Veja, 09 de maio/90, p. 63).Já em novembro do mesmo ano aconteceu na cidade de Matupá, Mato Grosso, oportunidade em que três homens acusados de roubo foram espancados até a morte pela multidão, sendo, ao final, queimados vivos, como registrou um impassível cinegrafista amador da cidade.

O detalhe: entre os responsáveis pela chacina estavam, possivelmente, um próspero comerciante local e um vereador do mesmo Município.Em março do ano de 1994 uma outra, mas igualmente feroz multidão, invadiu a Delegacia de Polícia da cidade de Salto do Lontra, no Paraná, matando um médico de 44 anos e mais dois presos, todos recolhidos sob a acusação, sequer formalizada, de participação na morte de uma enfermeira. Tudo, mais uma vez, filtrado por uma câmera. Aliás, nesta região do Sul do País, segundo o veículo jornalístico já referido, já haviam acontecido até aquela data oito linchamentos nos últimos onze anos.No Estado do Rio de Janeiro, onde a violência grassa, o IBOPE realizou uma pesquisa, no ano de 1980, onde se constatou que 44% dos entrevistados apóiam o linchamento, sob a simplória alegação de que "se a justiça não age, o povo tem de agir" (apud Hélio Bicudo, in Violência – O Brasil cruel e sem maquiagem, Ed. Moderna, 2º. ed., p. 30).Ainda conforme elementos fornecidos pela obra acima referida, de "setembro de 1979 a fevereiro de 1982, a imprensa divulgou 82 ocorrências no Brasil: 38 linchamentos com vítimas fatais e 44 tentativas. Anote-se que na década anterior (1969/1979), noticiaram-se, só no Rio de Janeiro, 41 casos de linchamento".

 


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