Texto não publicado, 1959
Nacionalismo e desenvolvimento são as palavras de ordem em todos setores mais avançados do povo brasileiro, do operariado, dos trabalhadores do campo, da classe média, da indústria e da agricultura, das forças armadas e classes estudantis.
Desenvolvimento Econômico é a tarefa que surge como possibilitando vias efetivas para elevar nosso povo da situação atual de miséria e ignorância, vítima de epidemias, endemias e fomes, joguete impotente das alterações climáticas, para uma situação de riqueza, domínio sobre o meio, saúde física e mental. Em síntese, de transformar o homem brasileiro, de mero instrumento alienado de economias estrangeiras, sofrendo reflexamente seus embates e oscilações, fisicamente incapaz de qualquer reação, em sujeito de seus próprios atos, que decide seu próprio destino, pela força da riqueza e cultura próprias.
O desenvolvimento econômico é buscado através da industrialização progressiva do país, com a criação de uma indústria de base, com o aumento da produtividade e pleno emprego das forças produtivas disponíveis, pela integração ao sistema das áreas de economia não-monetária, com a resolução dos pontos de estrangulamento e desequilíbrios no dinamismo do processo. Para a realização destes objetivos, busca a realização de um planejamento racional de investimento de recursos, estímulo às atividades particulares de cunho desenvolvimentista, política cambial de proteção a indústria nacional, limitação à remessa de lucros em forma de divisas por empresas estrangeiras para o exterior, assim como à sua predominância em atividades de base, a eletricidade, os combustíveis, a mineração. Para a integração das áreas não monetárias, a reforma agrária fundada no princípio do aproveitamento ótimo das terras e recursos humanos e materiais existentes, com sua distribuição racional e amparo efetivo ao lavrador.
O desenvolvimento interessa praticamente a todos os setores da nação brasileira. Ao industrial, que com ele terá possibilidade de desenvolver suas atividades sem a concorrência esmagadora dos trusts internacionais, e com auxilio governamental efetivo a seus empreendimentos. Às classes médias, tradicionalmente instaladas, em sua grande parte, no aparelho estatal de forma parasitária, que podem ter ampliado o campo para a. atividades econômicas de pequena empresa, assim como o surgimento de um excelente mercado de trabalho para pessoal técnico e especializado, que uma nação em desenvolvimento oferece. Às classes proletárias, que vêem a possibilidade de ampliar seu mercado de trabalho e seu nível salarial. E ao campesinato, que com o aumento da produtividade e monetarização dos campos elevar-se-á da condição sub-humana em que ainda hoje se submerge.
O nacionalismo surge como a ideologia do desenvolvimento, termo catalisador que reúne em torno de si todos os que, de uma maneira ou de outra, estão interessados na realização dos objetivos desenvolvimentistas, na luta política e cultural por uma mentalidade progressista, por medidas progressistas no campo da politica interna e externa, da política cambial, no plano da educação e de equacionamento das questões sociais.
Esta simultaneidade de interesses a que nos referimos, base para uma frente única nacional desenvolvimentista, não permite no entanto ignorar a existência de contradições internas à nação brasileira. Unidos todos na luta pelo desenvolvimento, cada qual procurara orientá-lo no sentido que melhor lhe aprouver. Realmente, se se afere o desenvolvimento pelo crescimento da renda per cápita, este crescimento importa varias diferenciações, e a distribuição da renda, por exemplo, será tão importante quanto seu crescimento. Assim, o conceito de sub-desenvolvimento não será apenas um conceito quantitativo, medido pela comparação de taxas de renda e produção das nações sub-desenvolvidas com as nações paradigma, mas implicará também os critérios qualitativos de auto-suficiência, auto-dinamismo e elevação geral do padrão de vida. Não haverá desenvolvimento, ao menos no sentido que possa interessar ao povo brasileiro, se, aumentando a renda per cápita, continuarmos na dependência econômica de um produto único, se nossa economia produzir apenas para a exportação de dividendos, ou se a acumulação de capital se efetivar pela manutenção das massas populares em baixos níveis de vida.
À s diferentes orientações qualitativas que pode assumir o desenvolvimento econômico correspondem diferentes concepções de nacionalismo, explícitas ou no mais das vezes mantidas implicitamente. Nacionalismo, como termo global, abrange as diversas concepções, com as correntes respectivas, numa frente única que há de conter necessariamente divergências, discussões, e oposições sem que entretanto tais divergências levem à cisão do movimento nacionalista. O que não significa, entretanto, que as divergências devam ser ocultas sob uma aparência de unanimidade, o que resultaria na orientação de todo o pensamento nacionalista conforme os grupos que fortuitamente ocupam os centros políticos de decisão e influência. Seria isto eliminar o critério razão no encaminhamento da política nacionalista, substituído por elementos puramente emocionais, que passariam inevitavelmente a camuflar interesses particulares em detrimento do todo. O nacionalismo exige a discussão como condição indispensável para seu bom encaminhamento.
Ao conferências pronunciadas pelo professor Álvaro Vieira Pinto em agosto de 1959 na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais colocaram com clareza a necessidade e mesmo a urgência de uma nítida definição e caracterização dos postulados da ideologia que se pretende elaborar para o desenvolvimento nacional, e que encontra no Instituo Superior de Estudos Brasileiros seus principais teóricos.
Sob o título de "O Pensamento do Ponto de Vista do Pensador do País Sub-desenvolvido", procurou o professor Vieira Pinto colocar as condições de possibilidade de um pensamento filosófico autenticamente brasileiro, que fosse o fundamento, no plano das idéias, do esforço brasileiro de auto-determinação e desenvolvimento. A integridade intelectual do Prof. Vieira Pinto não o impediu de formular idéias a nosso ver grandemente discutíveis, com conseqüências que, pelo que dito professor representa no pensamento nacional, transcendem de muito sua pessoa e suas melhores intenções. Não há filosofia inocente, e é grande a responsabilidade de quem pretende dar as diretrizes do pensamento de um povo. Quando lançamos o debate, é para alertar dos perigos dos falsos pressupostos, para buscar nas trocas de opiniões os verdadeiros fundamentos para nosso pensar filosófico.
O pensamento filosófico tem sido sempre, segundo o prof, Vieira Pinto, uma concepção de mundo, condicionada pela situação histórica concreta do pensador. Na realidade não existira um pensamento que tivesse validade em si, e que pudesse ser separado de suas raízes históricas.
Normalmente, a filosofia tem sido um produto daqueles que se encontram situados no topo do processo civilizatório nos centres dominantes. Colocando-se no cume, o pensamento filosófico pretende valer universal e intemporalmente, continua o professor, e tende a negar a possibilidade de um pensamento válido que não seja o seu. Estando em posição privilegiada, o pensador de centro dominante tenderia a valorizar como absolutos seus enunciados, a não reconhecer na realidade o caráter do processo, a não reconhecer aos graus menores do processo o direito a ponto do vista autônomo, a considerar privilegiada a sua situação histórica, o que faria com que somente o seu ponto de vista fosse o envolvente da totalidade.
Mas, prossegue professor, citando Hegel, a partir de cada unicidade é possível um ponto de vista universal. A atribuição do direito exclusivo ao pensamento válido aos centros dominantes é fruto de um complexo de dominação de caracterização relativamente fácil. A filosofia, como visão-do-mundo do cada ser-no-mundo que possua consciência desta visão, tornar-se-á possível quando neste centro se configurarem condições desta conscientização de sua situação. É o surgimento da industrialização brasileira que configurará as condições desta conscientização, ao mesmo tempo que fixará como contradição principal a contradição desenvolvimento - sub-desenvolvimento, centro dominante - centro dominado, e acentuará assim nossa unicidade dentro de universal, a unicidade "nação proletária". A nação proletária, subdesenvolvida, como unicidade, tem em si a visão da universalidade, e pelas características históricas de sua constituição, é capaz de consciência desta consciência de universal, ou suja, de filosofia.
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