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Estudo Comparado de Sistemas Burocráticos: Conceitos e Perspectivas (página 2)

Simon Schwartzman

 

4. Poder Político

Weber definiu poder como "a probabilidade de que um homem ou um grupo de homens realizem sua própria vontade em uma ação comunal mesmo contra a resistência de outros que estão participando nesta ação".6 Poder Político é uma relação de poder que é apoiada pelo uso da força como ultima ratio. Outro componente do conceito de Poder Político é que o apelo à força tende a ser legitimado quando as relações de poder se estabilizam Se pensamos em termos de recursos podemos dizer que o exercício do Poder Político consiste em uma alocação autoritativa de recursos escassos na sociedade. Mas poder é em si mesmo um valor escasso e na realidade o mais importante de todos, uma vez que ele determina a distribuição de outros recursos. A alocação do Poder Político na sociedade depende basicamente de dois fatores: a probabilidade real ou potencial de usar força e as pautas culturalmente aceitas de lideranças e compliance. Assim diremos que um sistema político é absolutista quando todo o Poder Político está concentrado nas mãos do governo e não existe outro grupo mais ou menos organizado que retenha parte deste podem . Quando a distribuição de poder existe dizemos que temos um sistema político pluralista em maior ou menor grau. Quando, em sociedade, não existe Poder Político distribuído entre os cidadãos, falaremos de uni sistema político totalitário. Na medida que o Poder Político se reparte entre os cidadãos poderemos falar, ao contrário, em graus diferentes de igualitarismo.

Essas possibilidades se referem a uma situação de jogo zero-sum,7 onde uma quantidade determinada dc poder é compartida pelo governo, outros grupos políticos e cidadãos. Quando a distribuição dc poder é estável o sistema político garante a manutenção da pauta de distribuição.

Quando o equilíbrio é dinâmico as fontes de poder funcionam como um mecanismo para resolver de maneira arbitraria os diversos conflitos Quando o equilíbrio é rompido, trata se então de uma situação de redistribuição de recursos . Finalmente, existem situações de soma variável onde o montante de recursos ou de poder disponível cresce e a estrutura do poder regula tanto a criação quanto a distribuição desses recursos.

A burocracia pode contribuir para o absolutismo de duas maneiras diferentes: a primeira é quando a burocracia funciona como instrumento de poder absoluto nas mãos do governo: a segunda, é quando a burocracia, como uma instituição ou um grupo, exerce poder absoluto por si mesma. A proposição lógica que se deriva é que para um montante dado de absolutismo governamental, o poder da burocracia está inversamente relacionado com o poder dos setores não burocráticos do governo, especialmente do executivo. Estes dois tipos dc absolutismo (absolutismo do Poder Executivo e absolutismo. da burocracia) aparecem de forma claramente diferenciada no estudo de Wittfogel sobre o despotismo oriental8 e no estudo de Rosemberg sobre a história do Estado. Prussiano9. Ambos sistemas são absolutistas, mas no primeiro o poder da burocracia é mínimo, enquanto que no segundo ele é máximo. Wittfogel mostra como, nos despotismos agrários, o poder está concentrado. nas mãos do déspota que usa de diferentes artifícios (mantendo escravos ou eunucos em posições de alta responsabilidade, por exemplo) para limitar o poder da estrutura burocrática . Na Prússia, ao contrário, é nas mãos da burocracia que "estava concentrando o. poder de facto de tomar as decisões políticas básicas, de determinar as orientações políticas tomando as iniciativas e manejando. o Rei."10 Assim, temos duas questões básicas a respeito do absolutismo . Que contribui para ele? Quando o absolutismo é exercido pela burocracia? A primeira questão é, seguramente a questão da ciência política moderna, e não podemos senão fazer uma breve referência a ela aqui. Wittfogel indica um fator: o desenvolvimento. de grandes aparatos burocráticos para a construção e manutenção de grandes trabalhos hidráulicos. R. Bendix indica outro: o desenvolvimento de sociedades plebiscitárias onde o governo, agindo "em beneficio de todos", pode eliminar o poder de grupos sociais específicos.11 Para Rosemberg, foi o processo. de consolidação de um Estado Prussiano estável que levou à transformação da aristocracia rural em um grupo dirigente absolutista. A característica principal das três situações foi o desenvolvimento de um aparato altamente burocrático. Nos impérios agrários a burocracia permite a concentração. do poder nas mãos do Rei e reduz assim o patrimonialismo e o feudalismo. A transformação de senhores da terra em chefe militares e burocratas é um fenômeno básico do absolutismo prussiano. Em um contexto moderno, a situação plebiscitária leva à intervenção do Estado em todas as esferas, e isto conduz ao desenvolvimento da administração e à redução da representação funcional.

Estes três autores não somente apontam para a burocratização como fator de totalitarismo, mas dão também indicações de quando ocorre crescente burocratização: em situações de mobilização social, quando o Estado se lança na criação ou redistribuição de uma dada distribuição de recursos. Essa mobilização tem como pré-condição um mínimo de surplus que possa manter os burocratas afastados da produção para o consumo direto, e que possa também ser recolocado na sociedade (ainda que esta seja uma condição menos importante, uma vez que é sempre possível criar novos recursos seja pelo desenvolvimento tecnológico, seja pela exploração intensiva, ou, finalmente, por expropriação) .

Parece assim que a burocracia é o fator básico de absolutismo. Mas sabemos que em muitas situações o poder da burocracia é muito mais limitado do que se poderia esperar dado seu tamanho e controle real de recursos sociais estratégicos de que dispõe. Como podemos explicar essas diferenças? Tomemos o montante de poder governamental como constante, e discutamos a distribuição desse poder entre governantes e aparelho burocrático.

A primeira consideração é que a burocracia, que é um instrumento de poder do governante, tende a transformar-se em seu único instrumento de poder, e conseqüentemente, o risco de tomada de poder pela burocracia é alto. As razões pelas quais isto não acontece mais freqüentemente são entre outras as seguintes:

a) é difícil para a burocracia legitimar seu poder; ainda que a burocracia tenha em geral o controle dos instrumentos de administração e de coerção. A aceitação que todos os governos necessitam para manter o seu poder através do tempo depende de uma legitimidade legal ou costumeira dos Chefes de Estado e raramente é transferida a um burocrata; mesmo a Prússia, que foi um exemplo famoso de poder burocrático o foi, como diz Rosemberg, somente como uma situação de facto; esta pauta de legitimação significa uma redução de poder.

b) o governante tem não somente uma legitimação de tipo racional e tradicional ou carismático, mas tem também em geral suas próprias fontes de poder que não se transferem para a burocracia; estas fontes de poder variam de acordo com a situação e podem ser a capacidade de mobilização popular, a solidariedade de classe que pode ser exercida por técnicos de cooperação, etc.

c) mesmo quando o dirigente não tem fontes extra-burocráticas de poder ele pode colocar ainda a burocracia contra a população, parte da burocracia contra outras etc; se não existem barreiras adscritivas claramente demarcadas entre as classes dominantes e a burocracia, a situação pode gerir um grau muito alto de instabilidade de governo, com intrigas palacianas, sucessão de dinastias etc.

Esta é a situação em que os poderes despóticos dos governantes são máximos e ao mesmo tempo seu controle da situação através do tempo é mínimo; mas a, burocracia não tem muitas chances a não ser de cooperar com a mudança de um membro do Estrato Dominante por outro membro do mesmo Estrato Assim, se a burocracia trata de dominar o poder existem muitas formas pelas quais o dirigente político pode pará-la ou limitá-la Aliás nem sempre a burocracia tem essa intenção. Existem aqui duas possibilidades Uma é quando o burocrata tende a buscar o poder para si mesmo, usando ou não a estrutura burocrática como um instrumento em sua ascensão pessoal. A outra, que nos interessa muito mais aqui, é quando ele busca esta ascensão enquanto burocrata, como um membro deste grupo específico e seu líder.

A primeira condição aqui é que a burocracia tenha unia consciência de grupo que poderia levá-la a agir como um corpo unificado. Weber afirma que nas sociedades modernas o poder da burocracia é sempre crescente, mas indica também que "como um instrumento para socializar relações de poder, a burocracia tem sido e é um instrumento de poder de primeira qualidade para aqueles que controlam a estrutura burocrática".12 Em outra passagem ele indica que "em geral o poder do monarca em relação aos membros da burocracia é muito maior do que o é no Estado Feudal, ou no Estado Patrimonial típico" . Isso por causa da presença constante de aspirantes à promoção com os quais o monarca pode facilmente substituir funcionários inconvenientes ou demasiado independentes.13 Assim a competição interna nas burocracias modernas, junto com seus outros elementos de impersonalização, tende a reduzir seu esprit de corps e em conseqüência reduz as possibilidades políticas tanto de seus membros como da instituição como um todo. A teoria weberiana dos efeitos da despolitização e da profissionalização tem tido um impacto importante nos estudiosos do militarismo latino-americano, muitos dos quais buscaram na profissionalização dos militares a solução para os problemas da participação política das forças armadas.14 As limitações dessa teoria foram evidenciadas quando, logo após ao golpe militar de 1966 na Argentina, os chefes militares congratularam suas tropas por sua demonstração de eficiência profissional na derrubada do governo civil. Ficou patente que, pelo menos naquela situação, a profissionalização conduzia a uma politização mais alta do que nunca.

O caso argentino, junto talvez com a revolta do exército francês contra De Gaulle na época da Algérie Française, é o mais famoso exemplo de como o desenvolvimento de um corpo profissional pode levar à participação política crescente. Isto pode ser explicado talvez pelo fato de que exista um alto desequilíbrio entre o prestígio interno e externo do burocrata,, dentro e fora de sua instituição.

Quando o prestígio interno é mais alto podemos esperar que sua lealdade à instituição será máxima, criando um espírito cooperativo que pode, em situações especiais, levar à ação política As situações especiais são em geral, ameaças reais ou percebidas à corporação; a perda de legitimação do líder político; uma confrontação social e política, que crie um vazio de poder, etc.

O caso prussiano é bem diferente. Neste o fator-chave foi o recrutamento social da burocracia. A transformação da nobreza em um grupo administrativo eliminou seu poder como senhores de terra, mas criou uma situação que se mostrou muito mais forte a longo prazo. É interessante comparar a situação na Prússia com a situação dos exércitos profissionais latino-americanos. Para os últimos o recrutamento social de seus membros parece não ter muita influência no comportamento político da instituição, uma vez que a socialização interna é muito mais importante. Mas, na medida em que as características corporativistas se desenvolvem, a tendência ao endo-recrutamento aumenta, e é bastante provável que uma situação tipo casta comece a se manifestar.

Quanto, e quando, a burocracia conduz ao totalitarismo? Isto é em primeiro lugar unia questão de definição, e definições são neste caso unia questão de pautas culturais Um escandinavo pode considerar um signo de totalitarismo o fato de que todas as pessoas na maioria dos países da America Latina tenham que levar consigo uma carteira de identidade fornecida pela polícia, mas lhe parecerá natural que esta mesma policia em seu pais mantenha fichários atualizados com o endereço de todos os cidadãos. A única definição que poderia ser aceita por todos seria talvez unia definição máxima: totalitárias são situações em que a maior parte da população de um país está submetida ao terror.

Se tomamos esta definição, a primeira conclusão é que somente grandes burocracias podem exercer terror Os regimes absolutos, principalmente de tipo tradicional, são potencialmente totalitários, mas as limitações da máquina governamental criam áreas que o braço coercitivo nunca alcança. Esta situação pode ser compensada pela descentralização do poder. O chefe local que não tem lealdades pessoais e familiares em sua área de autoridade é o instrumento mais eficiente do poder total.

Podemos sugerir, se isto é assim, que o absolutismo exercido de forma efetiva através da estrutura burocrática tende a ser mais totalitário do que quando ele é enfraquecido pelo patrimonialismo burocrático, que alimenta as vinculações e interesses locais dos administradores e reduz sua dependência total em relação ao governante máximo. O caso mais extremo dc descentralização se aproxima do modelo feudal, em que a combinação de áreas reconhecidas de autonomia do chefe local e o desenvolvimento de vínculos de lealdade e dependência pessoal são fatores que limitam as possibilidades de terror.

Os regimes absolutistas centralizados tendem a ser menos totalitários porque existe uma forte subordinação do aparato burocrático ao poder central e esta situação gera normas abstratas que constituem um marco de referencias estável para as relações entre o súdito, ou o público, e o governo Mas, em situações de mobilização, a estrutura burocrática está pronta para a súbita emergência do terror Neste sentido os governos absolutistas, mesmo quando não exercem terror, criam uma situação de ameaça constante, democracias mendicantes, na expressão de Wittfogel.

Fora desses casos extremos, totalitarismo é uma questão de diferenças culturais e valores ideológicos A concentração de conhecimentos técnicos na burocracia é certamente uma forma de redução do poder de decisão de outros grupos sociais, e uma limitação das liberdades individuais dos que procuram exercer sua vontade através dê seus representantes. Mas esta redução do poder da representação política é, em certo sentido uma liberalização do controle exercido pelos partidos políticos sobre os cidadãos. Esta tendência pode ser observada na evolução da social-democracia na Europa Ocidental. O desenvolvimento de uma tecnocratização governamental e burocrática foi paralelo ao emburguesamento dos partidos sociais-democratas, que perderam suas características dc grupo dominante dc envolvimento total e de participação compulsória para os membros das classes trabalhadoras.

O poder da burocracia para promover o desenvolvimento, se as condições técnicas e o propósito para fazê-lo estão presentes, é principalmente uma questão de saber se desenvolvimento pode ser visto como uma questão puramente técnica. O desenvolvimento é uma questão puramente técnica na medida em que não altera radicalmente a pauta de distribuição de recursos na sociedade, e quando não frustra as expectativas de melhoria de grupos sociais importantes. Quando, como na maioria dos casos, isto não se dá, o desenvolvimento por vias técnicas se transforma, em um caso especial de controle tecnocrático do Poder Político por parte de segmentos da estrutura burocrática.15

5. Produtividade

Existem vários modos de examinar os problemas de produtividade e algumas distinções preliminares são necessárias. Primeiro, existe a distinção entre produtividade e eficiência, a primeira referindo-se à capacidade de produzir bens e artigos de consumo e a segunda à capacidade de obedecer a comando. O paralelo que Weber faz entre as burocracias modernas e as máquinas é bastante ilustrativo. É claro que uma máquina não é mais ou menos produtiva, mas mais ou menos eficiente.

A produtividade é um atributo do ser humano que opera a máquina, e ele é tanto mais produtivo, outros fatores permanecendo constantes, quanto mais eficientes sejam seus instrumentos.

Esta não é, tão simplesmente, uma distinção formal. Pensar em burocracias como máquinas corresponde à perspectiva do Estado tipo laissez-faire, em que o governo necessita agir eficientemente mas não desenvolve atividades produtivas próprias. Pensar em termos de produtividade conduz a pensar em um Estado intervencionista, produzindo ou levando à produção de mercadorias e serviços considerados necessários ao bem-estar comum. Assim, a burocracia legal-racional de tipo weberiano é possivelmente a mais adequada para os objetivos de eficiência, mas não parece sê-lo para os objetivos de produtividade.

A outra distinção é entre produtividade como uma capacidade global e produtividade como uma relação input/output. Esta distinção é teoricamente menos importante que a anterior, ainda que ela tenha também suas implicações. O primeiro sentido, que chamaremos capacidade, se refere ao que a burocracia representa em termos do poder econômico, social e político do Estado, enquanto que a segunda se refere ao peso do aparelho burocrático para a sociedade. Nós nos referiremos ao segundo sentido aqui, simplesmente, como produtividade.

As burocracias que podem contribuir mais para o ideal de desenvolvimento são aquelas que se orientam principalmente para a produtividade, e menos para eficiência; e elas devem ser produtivas tanto em termos absolutos como em termos relativos. Quais são as condições que conduzem a isto? Existem várias questões técnicas que são importantes aqui, e que pertencem ao campo mais especifico da administração aplicada. Estruturas de comunicação, técnicas de documentação diferentes especializações são fatores que devem ser considerados como influenciando os diferentes níveis de produtividade. Para os propósitos desta discussão e suficiente dizer que estas técnicas organizacionais estão disponíveis e que qualquer burocracia pública pode, em principio, incorporá-las. Existem problemas de readaptação, treinamento, educação de pessoal, mas esses problemas são também tecnicamente passíveis de solução se existem recursos suficientes. A situação realmente problemática, do ponto de vista sociológico, é quando todos os recursos técnicos e econômicos existem, mas os níveis de produtividade permanecem baixos. Como explicá-lo? Uma explicação óbvia, ainda que nem sempre evidente, é que a produtividade não é necessariamente um objetivo prioritário da burocracia. Uma característica generalizada dos países subdesenvolvidos contemporâneos é que suas estruturas administrativas tendem a ser usadas principalmente como canais de mobilidade social vertical, e isto independentemente das necessidades funcionais da administração A burocracia torna-se assim um fator de influência política importante demais para ser deixado ao controle de centros de decisão meramente técnicos O fato de que missões estrangeiras sejam chamadas para racionalizar a administração de países subdesenvolvidos, ou mesmo que algumas comissões ou outros tipos de organismo sejam criados para este propósito, não significa que a utilização preponderantemente política da máquina burocrática tenha sido abandonada. O que existe é uma mistura de objetivos políticos e de produtividade, que corresponde ao que Fred Riggs denomina burocracia tipo sala, que se caracteriza tanto por um tamanho desproporcional ás suas funções manifestas como por sua baixíssima produtividade.16 Esta função de mobilidade social das estruturas burocráticas é uma característica predominante das chamadas nações jovens da África e Ásia, mas outras funções não produtivas subsistem também em sociedades subdesenvolvidas de tipo antigo, como na America Latina. Aqui ocorre uma manifestação peculiar do chamado spoils system. Como no spoils system de tipo clássico, os cargos públicos são distribuídos como favores entre clientes políticos do governo. Mas o funcionalismo público tende muitas vezes a se desenvolver como um grupo de pressão autônomo, incluindo muitas vezes a organização de partidos políticos próprios, como muitos dos partidos radicais tradicionais de vários países latino-americanos. Isto leva freqüentemente à introdução de normas rígidas e regulamentos que impedem a remoção dos clientes dos antigos grupos políticos no poder. A conseqüência é que novos clientes são somados aos antigos, o tamanho da burocracia cresce progressivamente e os níveis de produtividade caem cada vez mais.

Nesta situação, os esforços dos organismos centrais ou missões de assistência técnica, de aumentar a racionalização e produtividade tendem a conduzir à criação de normas e regulamentos de padronização que somente aumentam, em última análise, o peso e a inflexibilidade dás estruturas burocráticas. Quando é impossível, por razões políticas, dissolver as estruturas burocráticas antigas e criar novas estruturas orientadas desde o princípio para fins de produtividade, a duplicação surge como a solução mais prática. Isto foi desenvolvido no Brasil durante o Período Kubitschek, com a criação de empresas para-estatais colocadas fora dás normas, regulamentos e dificuldades da administração pública, e estas empresas, combinadas ou não com capitais privados, foram um fator importante para o sucesso do Programa de Metas. A força das tendências de rotinização e enrijecimento são tais, entretanto, que não é infreqüente que estes tipos de entidades terminem por assumir as normas e características do sistema centralizado em reação ao qual foram criadas. Em geral, podemos dizer que é quase impossível transformar burocracias orientadas para fins dc prestígio e mobilidade, ou fins clientelísticos, em burocracias orientadas à produtividade, sem transformações que equivalem de fato a revoluções profundas.

Mas por que as pessoas se interessam mais em poder político, prestígio e empregos do que em produtividade? Será que estes objetivos são sempre antagônicos? O fato é que produtividade é um projeto a longo prazo, e muitas vezes abstrato, enquanto que poder e prestigio são coisas bem concretas e imediatas . Algumas explicações psicológicas são freqüentemente dadas em relação a isto, como por exemplo no trabalho de Lucien Pye sobre a Birmânia, que procura encontrar nas características do caráter nacional birmanês as razões de desenvolvimento sócio-político do país.17 Sem entrar nos detalhes de sua hipótese, podemos simplesmente dizer que o fato de que culturas que têm tão pouco cm comum, como a Birmânia, Filipinas e a América Latina, mostrarem pautas similares de comportamento burocrático, é suficiente para invalidar o poder explicativo deste tipo de teorias psicologizantes. Menos trivial, ainda que menos sofisticada, é a teoria de Mannoni sobre a existência de um complexo de dependência18 . Ainda que não estejamos em condições de avaliar a qualidade de suas teorias desde um ponto de vista psicanalítico, podemos dizer que ele indica quais poderiam ser os traços mais gerais da personalidade humana submetida a situações de dependência, o que parece ser muito mais significativo que a busca de traços diferenciais de caráter nacional O estudo de Crozier sobre um Monopólio Industrial francês19 ilumina ainda mais o problema . Esse Monopólio Industrial é uma empresa do Estado, e assim um lugar ideal para o estudo de problemas de produtividade que são de difícil avaliação quando não existe um objetivo específico de produção.

Mas o que Crozier diz logo de início é que produtividade em termos de produto per capita ou de relação input / output é somente um e não necessariamente o mais importante objetivo do Monopólio. O custo da produção não é muito, importante: não existe competição, e além disto a maior parte do preço do, produto deriva de impostos de consumo. Esta falta de preocupação com produtividade é, na realidade, uma característica generalizada de empresas estatais, uma vez que elas muito dificilmente entram no mercado livre competitivo. Voltaremos a este ponto mais adiante.

Que não exista preocupação com produtividade não significa, evidentemente, que não exista preocupação com produção, e de fato a produção efetiva, em termos de capacidade, é um dos principais objetivos do Monopólio. Outro objetivo é proporcional trabalho e estabilidade a alguns grupos sociais necessitados, como por exemplo viúvas de veteranos de guerra. Em geral, o segundo objetivo da burocracia é proporcionar renda e segurança para seus membros e funcionários, independentemente de sua produtividade. Isto se torna possível, primeiro, porque a produtividade não é, de fato, tão importante; segundo, pela coesão e força dos grupos instalados em vários níveis da organização, o que conduz por sua vez a limitações do poder direção mais alta, à rigidez generalizada de normas e pautas de comportamento, e mais limitações de produtividade. Neste sentido o Monopólio Industrial, apesar do contexto tão racional que é o sistema público francês, tem também fortes componentes clientelísticos. Como aumentar a produtividade nestas condições? O principal ponto de conflito é entre as tendências à estabilização e rotinização e as demandas de racionalização crescente O aumento de poder de setores do funcionalismo burocrático leva a um fortalecimento progressivo das tendências á rotinização, e a única solução possível parece ser a criação de crises sucessivas no interior da estrutura burocrática. Assim como Bendix mostra como um estado de emergência continua parecia ser necessário para o funcionamento adequado na Alemanha Oriental, e como Schurmann mostra como os conflitos entre as tendências de rotinização e as demandas de produtividade da liderança política da China - que conduziu, muitos anos depois da publicação do trabalho de Schurmann, à Grande Revolução Cultural de época recente,20 Crozier também indica que somente através de uma sucessão de crises a burocracia pode se mover no sentido de níveis cada vez mais altos de produtividade.

A rotinização e a estabilidade conduzem ao ritualismo, e são uma característica do tipo weberiano de burocracia. Se o paralelo entre burocracias modernas e máquinas é aceitável, em termos de eficiência, podemos então concluir que a produtividade das burocracias públicas pode ser alta se elas são organizadas desde o início de forma racional por forças extra-burocráticas. Quando existe um alto nível de organização e racionalidade, a falta de preocupação com problemas de custo permite experimentos e pesquisas científicas de tipo não aplicado, e esta é uma das vantagens decisivas das organizações públicas em relação às privadas, em termos de produtividade a longo prazo.

Racionalidade em termos de custo e participação competitiva no mercado não é então uma condição necessária para a produtividade. O cálculo de custos que parece haver sido reintroduzido na União Soviética a partir de Liberman parece dever-se menos à importância do incentivo monetário que à necessidade de criar um sistema geral de avaliação e contabilização para o planejamento. Os estímulos do mercado podem ser substituídos por outros tipos de gratificações sociais, em termos de auto-realização, segurança, patriotismo, integração organizacional, etc.21 Como partes integrantes de um sistema político dado, as burocracias públicas tendem a ser um fator de estabilidade. Uma vez que desenvolvimento, em termos de produção e produtividade crescentes na sociedade, é, essencialmente, um processo político, a conclusão geral parece ser que a produtividade das burocracias públicas não pode ser aumentada através de simples incrementos internos contínuos. Interferências externas de tipo especificamente político são exigidas.

6. Formas Organizacionais e de Autoridade

Existem muitas maneiras pelas quais as diferentes formas organizacionais e de autoridade podem ser estudadas, mesmo quando nos limitamos a problemas de poder e produtividade.

Consideraremos a autoridade organizacional, aqui, em termos de tipos de autoridade, e as formas organizacionais em termos das bases de solidariedade e integração da organização burocrática. Uma tipologia de burocracias públicas pode ser derivada das características políticas da sociedade, uma vez que as burocracias são o principal instrumento através do qual estas políticas são levadas a cabo.

A relação não é direta, uma vez que o poder de resistência e autonomia da burocracia é, como vimos, alto, mas a interferência política do centro de poder parece ser ainda a variável determinante mais importante a longo prazo. Podemos pensar em governos em termos de sua estabilidade e de seus objetivos políticos, e isto nos dá a seguinte tipologia:

Estabilidade do governo

Objetivos do governo:

Alta

Baixa

Consolidação do poder

burocracia de mobilização

Manutenção do poder

burocracia tipo sala

burocracia de status

Bem estar social

burocracia de produtividade racional

Esses quatros tipos de burocracia estão definidos exatamente em termos de suas formas organizacionais e de autoridade, tal como estes conceitos estão definidos aqui.

As burocracias de mobilização são dotadas de um tipo de autoridade carismática e estruturadas ao redor do que Durkheim denomina solidarité mécanique, que é um tipo de solidariedade que une todos os membros da instituição em função de suas características comuns.22 Este tipo de solidariedade, para Durkheim corresponde a sociedades primitivas, e o conceito de solidarité mécanique se relaciona a conceitos tais como agrária, volk, Gemeinschaft, etc. Estas são relações primárias que ocorrem tipicamente quando o número de pessoas em interação é limitado, quando o grau de diferenciação da estrutura social é baixo, e quando o envolvimento dos indivíduos no sistema é alto. Assim, somente em condições especiais a solidariedade mecânica aparece em instituições modernas de larga escala, onde a complexidade é alta, e o envolvimento dos diferentes atores tende a ser mais segmentado que em sociedades primitivas. O termo mobilização se refere exatamente ao primeiro tipo de situação, quando todos os membros de um tipo dado de instituição são mobilizados à ação conjunta por um movimento coletivo carregado de componentes ideológicos e valorativos que integram e ultrapassam as definições objetivas de cada função.23 Os sistemas de mobilização demandam uma liderança ou autoridade carismática. Não se trata aqui de burocracias publicas sob uma liderança política carismática no nível de Chefe do Estado Neste ultimo caso a liderança carismática é compatível e muitas vezes supõe uma burocracia racional ou de status baseada em uma autoridade legal. No nosso caso, entretanto, o carisma é necessário dentro da estrutura organizacional, e a situação ideal é aquela em que existe um determinado montante de carisma em cada nível de autoridade. Dois exemplos desse tipo de estrutura de autoridades são o exército e as organizações religiosas. Mas em ambos casos as situações estáveis e normais tendem a substituir a liderança carismática por liderança legal, baseada geralmente em critério de antiguidade e status de origem. Somente em situações de conflito, como estados de guerras religiosas, é que a autoridade carismática se manifesta em sua plenitude. A conclusão é que as burocracias de mobilização, como todas as situações estruturadas ao redor do carisma, são fenômenos bastante instáveis que tendem a mudar seu caráter quando situações de poder são consolidadas.

Burocracias tipo sala são bem caracterizadas por Fred Riggs,24 e faremos somente uma pequena referência a elas aqui. Elas surgem em situações em que governos respondem à instabilidade política por concessões aos adversários e cooptação de seus líderes. Nesta situação os governos não têm controle efetivo sobre a máquina burocrática que é utilizada, principalmente, para propósitos de autopreservação política. A autoridade, neste caso, tende a ser exercida de forma puramente formalística, e a integração ao sistema é baseada em relações familiais, de clientelismo e outros tipos de uso quase patrimonial do aparelho burocrático.25 Se um alto nível de estabilidade é logrado nesta situação, é bem provável que a burocracia se transforme em uma burocracia de tipo status. Os membros da burocracia desenvolvem formas de solidariedade baseadas em seus status e papéis; regras gerais são desenvolvidas para a garantia de direitos iguais pára grupos de iguais, e a amplitude e os limites da autoridade são explicitamente regulados. Existe uma conjunção, neste caso, dos interesses dos dirigentes e da burocracia, e surgem formas legais de autoridade. A integração da instituição se baseia na solidariedade de status dos diferentes estratos burocráticos, ou de toda a burocracia como instituição. Tal como discutimos anteriormente, esta solidariedade de status pode originar-se tanto do tipo especial de recrutamento do funcionalismo, quanto da socialização proporcionada pela própria instituição em situação de estabilidade.

A burocracia racional, orientada para a produtividade, é uma característica de sociedades modernas desenvolvidas. A liderança se baseia na capacitação técnica, tendo assim um caráter racional, enquanto que o princípio de solidariedade é o da diferenciação funcional - solidarité organique, de acordo com a terminologia de Durkheim. O problema da evolução de burocracias de tipo status ou sala para burocracias de tipo racional-produtivo, através de um estágio de mobilização ou não, é uma das questões abertas mais importantes da sociologia do desenvolvimento.

Se supomos haver uma linha de evolução desde o tipo mobilização até o tipo racional-produtivo, o fato de que as burocracias de tipo racional-produtivo tenham alguns traços comuns com a burocracia de tipo carismático, ou de mobilização poderia indicar a existência de um processo de evolução circular. Em ambos os casos a autoridade se baseia em qualidades pessoais do líder, em termos de carisma ou competência. Em ambos o envolvimento pessoal do funcionário tende a ser alto, quer em termos de ideologia quer em termos de uma aceitação geral dos valores da organização Poderíamos especular sobre que tipos de sistemas de status se desenvolveriam a partir dás burocracias modernas de tipo racional-produtivo e semi-mobilizados. A expressão meritocracia. já de uso freqüente, parece apontar para este futuro não tão remoto.

TIPOS BUROCRÁTICOS:

AUTORIDADE:

Mobilização

Sala

Status

Racional/Produtivo

Autoridade

carismática

formalista

legal

racional

Forma

solidarité mécanique

familismo, clientelismo

solidariedade de status

solidarité organique

Exemplos

(China, Egito)

(Brasil, Filipinas)

(Prússia Imperial, França)

(Escandinávia moderna, Israel)

7. Comportamento

A variável comportamento é a mais geral de nossas quatro e por isto mesmo a mais difícil de analisar.

Em comparação com o problema do poder, notamos que este é um fenômeno muito mais global, que pode ser muito mais facilmente localizado em situações históricas específicas. Mas, a não ser que utilizemos uma orientação de tipo caráter nacional, é praticamente impossível buscar características gerais de comportamento em nível societal .

Esta dificuldade surge, por exemplo, quando tratamos de utilizar diretamente as pattern variables parsonianas para a comparação entre sociedades. Duvidamos que uma cultura ou sociedade dada possa ser caracterizada como mais particularista, difusa, ou individualista que outra. Estas são orientações da ação que se dão em situações especificas de interação e acreditamos que pensar que é a orientação que determina a natureza da interação, e não o contrário, é uma perspectiva pelo menos pouco sociológica.

A melhor maneira a de abordar o problema parece ser a de considerar as pautas de comportamento como variáveis intervenientes entre situações estruturais e resultados em termos de poder e produtividade Nós já o fizemos quando da discussão dos diversos níveis de poder e produtividade Assim, em relação a poder, discutimos o que pode ocorrer quando os funcionários desenvolvem fortes identificações com sua instituição, como resultado de um desequilíbrio de prestígio entre seu status no interior e fora de sua organização O mesmo raciocínio relacionado a status foi utilizado para a discussão de produtividade e o impacto do comportamento nas formas organizacionais foi discutido como contribuindo para os quatro tipos de burocracias que descrevemos anteriormente.

O que faremos aqui é utilizar o estudo de Crozier sobre o Monopólio Industrial francês para tentar penetrar mais em detalhe nos determinantes estruturais do comportamento. Comportamento é aqui entendido principalmente como a estratégia do indivíduo em relação à instituição à qual ele pertence, e pode ser pensado em termos de seu envolvimento na Instituição; a tipologia de Presthus, em termos de ascendentes, indiferentes e ambivalentes26 ; a distinção de Alain Touraine entre retrait, conflict e participation 27; a tipologia bem conhecida de R. K. Merton de formas de anomia, são categorias alternativas para analisar o mesmo problema.28 Interessantes conclusões podem ser obtidas a partir da análise que Crozier faz das relações de poder entre os membros da direção do Monopólio. O status de um membro do Monopólio é descrito como função de sua posição formal na hierarquia, sua antiguidade e a relevância técnica de seu papel para a realização de suas tarefas produtivas. Além disso, a origem social do funcionário tem também um impacto em seu comportamento. É possível ver que, para os quatro principais cargos de direção, somente o diretor tem status formal alto, somente o diretor-assistente tem pouca antiguidade, somente o diretor-técnico é realmente importante para a produção direta. O quadro seguinte dá as características das configurações de status dos quatro cargos:

Diretor

Diretor Assistente

Engenheiro Técnico

Contador

Status formal

alto

baixo

baixo

baixo

Antiguidade

alta

baixa

alta

alta

Origem social
(recrutamento)

alta

alta

baixa

baixa

Relevância
Funcional

baixa

baixa

alta

baixa

As pautas de comportamento se derivam facilmente deste quadro: o diretor tem todas as posições altas, exceto uma, dado que o engenheiro monopoliza as tarefas ligadas à produção e o sistema de pessoal é rígido. Seu comportamento, em conseqüência, pode ser ou negligenciar suas atividades funcionais ou tratar de aumentar a relevância de seu cargo, propondo novos projetos, por exemplo.

O que parece determinar a escolha de uma ou outra alternativa é a relação de suas duas fontes de status dentro e fora da organização. Se o diretor vive em uma pequena cidade, seu prestígio social como diretor é muito maior do que os benefícios que ele poderia obter de um esforço de maior participação dentro da empresa. Seu grupo de referência não são seus colegas graduados da prestigiosa École Politechnique, mas a cidade, onde ele tem uma posição excelente. Ele não se deixará perturbar pela sub-utilização de sua capacidade como engenheiro e, em geral, deixará de lado suas atividades funcionais. Mas se ele vive em Paris e tem colegas engenheiros da Politechnique em seu grupo de iguais, seu status entre eles sera mais baixo que seu status dentro da organização como diretor. Isto fará da participação maior na empresa o meio que lhe gratifica mais e através do qual seu prestigio externo pode ser incrementado. É claro que o determinismo geográfico não é absoluto, e é possível imaginar-se que alguns diretores, menos inclinados a competir com seus colegas, busquem o prestigio tranqüilo das pequenas cidades, en quanto que outros tratem de permanecer na capital Mas esse processo de seleção somente confirma a importância do mecanismo descrito acima como mecanismo de adaptação.

é baixo em todas as dimensões, exceto quanto a seu status externo: ele também é graduado da École Politechnique e bastante jovem. Seu comportamento, em conseqüência, é bastante claro: deixa a organização tão logo tenha condições para isto, já que a perspectiva de chegar um dia a diretor não é demasiado atraente O contador, por outro lado, cujo único bem é a antiguidade, cumpre suas funções de forma ritualista, e não está interessado nem em deixar a organização nem em mudá-la.

O papel do engenheiro: técnico é talvez o mais interessante. Ele tem antiguidade e relevância funcional, e relativamente baixo status formal e origem social, mas não tem o curso da Politechnique A conclusão é que seu envolvimento na empresa será alto, mas de tipo conflitivo: Ele é o mais interessado nos objetivos de produção, ainda que seja extremamente conservador em relação a mudanças que possam reduzir o poder que lhe advém do: monopólio do conhecimento dos processos técnicos produtivos Ele disputará a autoridade formal do diretor baseado em que o status deste é puramente adscritivo e sem base de mérito: Em geral, ele será a fonte de manifestação de uma luta intermitente de poder dentro da organização.

O que é notável é que estas atitudes, que decorrem logicamente das pautas de configuração de status, correspondem bastante bem ao que foi encontrado empiricamente A estrutura da organização e a distribuição de status em seu interior é algo que deve ser explicado historicamente e em função do contexto nacional mais amplo em que ela se insere. Mas uma vez que esta estrutura existe, as pautas de comportamento se dão de maneira perfeitamente predizível.

O principal problema com esta abordagem estrutural é que ela implica um modelo de racionalidade dos atores que irão é necessariamente o único modelo de comportamento possível. Por exemplo, a escola de relações humanas afirma a existência de uma espécie de lógica dos sentimentos que é dominante no nível informal da organização; uma abordagem psicanalítica tratará de detectar a existência de uma lógica do inconsciente. A abordagem econômica buscará uma racionalidade orientada para o lucro. E assim por diante.

Seria possível sugerir que todos estes modelos coexistem, prevalecendo cada qual, contudo, de acordo com cada contexto específico de interação. Assim, poderíamos esperar uma lógica do inconsciente em interações afetivas, uma lógica do lucro em transações econômicas, assim como uma lógica de prestigio dentro de uma instituição, como determinantes predominantes de comportamento.

Em geral, além e em adição de determinantes culturais e de personalidade do comportamento, os sistemas de interação criam sua própria lógica e pautas de atuação correspondentes. Assim, quando R. Bendix estuda os problemas derivados das relações de trabalho e autoridade na indústria29, sua tese principal de é de que, quando poucos comandam e muitos obedecem, existe uma série de problemas que são comuns a todas organizações de produção, independentemente de seus contextos culturais. É a participação do Estado nos conflitos dentro da empresa que faz, para Bendix, toda a diferença.

Que tipos de comportamento contribuem mais para produtividade? Aqueles que derivam de níveis altos de envolvimento na organização, em geral; em situações em que a organização é altamente desenvolvida, quando as lealdades, tanto cm relação aos objetivos explícitos da organização, quanto aos grupos formais e informais dentro dela, são altas; em situações em que as pessoas encontram dentro da organização o lugar ideal para a expansão de suas potencialidades de auto-realização.

Quando o nível de desenvolvimento na organização é baixo, mais produtivas são as pessoas que têm um alto envolvimento na organização como um sistema de interação, mas não com sua situação e definição presentes de objetivos.

8. À Guisa de Conclusão

Cobrimos uma grande extensão em pouco tempo, o que não permite estudar nada a fundo, mas proporciona, em compensação, uma visão de conjunto. Talvez a principal conclusão de tipo metodológico a notar é de como foi necessário passar de estruturas concretas mais complexas a abstrações mais simples e gerais na medida em que passamos da discussão de características mais gerais das burocracias, tais como seu nível de poder, a características de seus membros, como suas pautas de comportamento. As teorias sociológicas existentes se tornam cada vez mais adequadas na medida em que elevamos nosso nível de generalidade, mas isto traz em si o preço do afastamento cada vez maior da realidade historicamente datada. O estudo de estruturas burocráticas específicas, como o estudo de qualquer realidade histórica concreta, não pode ser feito por uma simples ilação: a partir de uma teoria geral existente. Isto não é tão claro quando do a teoria se refere a aspectos globais de sistemas concretos, e está construída por uma generalização de primeiro grau sobre um número limitado de observações globais Mas na medida em que a análise se orienta a problemas mais específicos o numero de determinações concretas aumenta, a complexidade de fatores intervenientes se multiplica, e o simples conhecimento da teoria é de utilidade relativa. O estudo de sistemas burocráticos no nível diagnóstico e terapêutico não é, assim, algo que decorre diretamente da familiaridade com a teoria, mas um tipo de prática de análise histórica e de intervenção administrativa dotada de uma técnica que não chegamos a discutir aqui. Mas esta técnica é impotente se ela não toma em conta e não incorpora a contribuição da análise teórica como a aqui esboçada. Assim como o diálogo entre teoria e dados é essencial para o desenvolvimento de qualquer corpo de conhecimento científico, na área específica da administração o intercâmbio entre teoria e técnica é essencial para o aperfeiçoamento contínuo de ambos.

Notas

1. Enquanto a teoria administrativa mais tradicional tendia a considerar fenômenos de organização burocrática independentemente de contexto politico, a teoria política mais tradicional fazia exatamente o inverso: tendia a considerar os processos políticos como uma função direta dos interesses e relações econômicas e de classe dentro da sociedade, sem examinar o papei político específico desempenhado pelas estruturas governamentais. Para uma discussão geral deste problema, ver Schwartzman, Simon. "Desenvolvimento e Abertura Política", Dados 6, 1969.

2. O trabalho de Fred Riggs, ao qual voltaremos mais adiante, é um dos melhores exemplos da necessidade de introduzir marcos gerais para a análise comparada de estruturas administrativas. Cf. Riggs, Fred, Administration in Developing Countries - The Theory of Prismatic Society, Boston. Houghton Mifflin Co., 1964 (tradução brasileira de Wahrlich, Hugo, Administração nos Países em Desenvolvimento, Rio, fundação Getúlio Vargas, 1968).

3. Cf. Blankstein, G.I. "Political Groups in Latin America", in Kautsky John H., (ed.), Political Change in Underdeveloped Countries: Nationalism and Communism, Nova Iorque, J. Wiley, 1962, p. 140.

4. A obra mais representativa desta perspectiva é a de Almond, G. e Powell. B, Comparative Politics: A Developmental pproach. Boston, Little, Brown, 1966.

5. Cf. Eisenstadt, S. N. The Political Systems of Empires. Nova Iorque, Free Press, 1963; e vários artigos, entre os quais: "Political Struggles in Bureaucratic Societies," World Potitics, Outubro, 1956, e "Bureaucracy and Political Development" em La Palombara, J. (ed) Bureaucracy and Political Development Princeton, N. J., Princeton University Press, 1963.

6. Gerth, H. e Mills, C. W. From Max Weber: Essays in Sociology . Londres Kegan Paul, Trench, Trubner & Co., 1947, p. 180.

7. Jogos de soma zero, zero sum games, são aqueles em que o ganho de uma das partes significa uma perda equivalente para a outra . Esta situação competitiva difere daquelas em que o montante de bens em disputa se amplia ou diminui durante o conflito; estes são os jogos de soma variável. Ver a respeito Rappaport, Anatol, Fights, Games and Debates. Michigan, 1960, e Schelling, Thomas A. The strategy of Conflict. Cambridge, Harvard, Univ. Press, 1960.

8. Wittfogel, Karl A. Oriental Despotism. New Haven, Yale University Press, 1967.

9. Rosemberg, Hans. Bureaucracy, Aristocracy and Autocracy - The Prussian Experience 1660-1815. Cambridge, Harvard University Press, 1966.

10. Rosemberg. op. cit., p. 209.

11. Bendix, R., Nation Building and Citizenship. Nova Iorque, Wiley, 1964.

12. Weber, em Gerth e Mills, op. cit., p. 228.

13. Idem, p. 235.

14. Ver, entre outros, Alba, Victor, El Militarismo. México, 1959; e Johnson, J. J., The Military and Society in Latin America, Stanford, Stanford University Press, 1964.

15. Ver discussão a respeito do poder tecnocrático da burocracia em Schwartzman, Simon, "Desenvolvimento e Abertura Política," Dados 6, 1969.

16. Riggs, op. cit.

17. Pye, Lucien. Politics, Personality and Nation Building, New Haven, Yale Univ. Press, 1962, trata de localizar em problemas de insegurança pessoal e outras características de personalidade as dificuldades de desenvolvimento da Birmânia.

18. Mannoni, O. Prospero and Caliban: The Psychology of Colonization. N. Iorque, Praeger, 1956. Uma curiosa análise das conseqüências psicológicas derivadas de uma situação de dependência colonial. Publicado originalmente em francês, Psicologie de la Colonization, Paris, Seuil, 1950.

19. Crozier, Michel, Le Phenomène Bureaucratique, Paris, Ed. Du Seuil, 1965.

20. Schurmann, Franz, Ideology and Organization in Communist China, 1960.

21. Isto não é nada surpreendente depois da análise que John Kenneth Galbraith oferece da perda de importância da motivação do lucro nas grandes empresas modernas. Cf. Galbraith, J, K. O Novo Estado Industrial. (trad. Álvaro Cabral). Rio, Civilização Brasileira, 1968.

22. Cf Durkheim, Émile De La Division du Travail Social, 5a. edição, Paris, F Alcan, 1926.

23. Ver o trabalho de Smelser, N. J., Theory of Collective Behavior, Nova Iorque, Free Press, 1963, sobre a mecânica da mobilização. Para uma análise dos fenômenos de massa em sociedades modernas, cf Kornhauser, W. The Politics of Mass Society, Londres, Routledge and Kegan Paul, 1960.

24. Cf Riggs, op. cit.

25. Esta situação de redução progressiva de poder de decisão é bem analisada por Heintz, Peter. "La lndecisión Social en el Desarrollo Económico." (Anales de FLACSO, 1, 1964). Para uma aplicação destas idéias a fenômenos brasileiros veja o artigo de Passos, Alaor, "Transição e Tensão nos Estados Brasileiros", Dados 5, 1969).

26. Presthus, Robert V. "Behavior and Bureaucracy in Many Cultures". Public Administration Review, 1959.

27. Bassoul, R., Bernard, P. e Touraine, Alain Retrait," Conflict, Participation". Sociologie du Travail, outubro-dezembro 1960, e os desenvolvimentos a respeito em Touraine, Alain. Sociologie de l'Action, Paris, Ed. du Seuil, 1965, na parte referente à participação social.

28. Merton, Robert K. "Social Structure and Anomie", in Social Theory and Social Structure. Glencoe, Free Press, 1957.

29. Bendix, Reinhard, Work and Authority in Industry, Nova Iorque, Wiley, 1956.

 

Simon Schwartzman
simon[arroba]schwartzman.org.br
http://www.schwartzman.org.br/simon



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