Artigo original: "R. Bras. Zootec., Set 2002, vol.31, no.5, p.1953-1963. ISSN 1516-3598"
Dados de 32.779 controles mensais, de 3.605 lactações em 305 dias (PL305), de 2.082 vacas Gir, filhas de 281 touros, com partos ocorridos de 1987 a 1999, em 11 rebanhos, foram usados com o objetivo de verificar a viabilidade de utilização da produção de leite no dia do controle (PLDC1 a PLDC10) em avaliações genéticas da raça Gir. Foram realizadas análises bivariadas entre as PLDC1 a PLDC10 e PL305, usando para estimar os componentes de (co)variâncias o método de máxima verossimilhança restrita, sob modelo animal, incluindo as três primeiras lactações como medidas repetidas de uma mesma vaca, diferenciadas conforme o grupo contemporâneo de rebanho-ano-estação, de acordo com a idade da vaca ao parto e o intervalo parto-primeiro controle na PLDC1. As médias observadas e os respectivos desvios-padrão (kg) para PLDC1 a PLDC10 e PL305 foram: 11,97±4,64; 11,93±4,68; 10,98±4,40; 10,18±4,12; 9,66±3,88; 9,20±3,69; 8,63±3,51; 8,08±3,33; 7,59±3,27; 7,22±3,15 e 2.746,17±1.299,90. A duração de lactação foi de 273,72±48,95 dias. As estimativas de herdabilidade variaram nas PLDC de 0,24 a 0,14, sendo maior no primeiro controle e decrescendo até o décimo. A herdabilidade da PL305 foi de 0,19. As estimativas de correlações genéticas entre as PLDC e PL305 variaram de 0,85 a 1,00. As correlações genéticas entre PLDC1 a PLDC9 com PLDC6 a PLDC10 foram acima de 0,80, à exceção entre PLDC9 com PLDC1 e PLDC10 com PLDC1, PLDC2, PLDC3 e PLDC6, que foram inferiores. As correlações fenotípicas tiveram valores intermediários entre as correlações genéticas e as residuais (menores). Considerando a eficiência relativa de seleção, esta mostrou que se baseada nas PLDC2 a PLDC4 ocorrerá a mesma ou melhor resposta que se praticada na PL305.
Palavras-chave: bovino de leite, controle leiteiro, eficiência de seleção, melhoramento genético
Data from 32,779 monthly milk production, from 3,605 lactations until 305 days (PL305), from 2,082 Gir cows, sired by 281 bulls, calving from 1987 to 1999, in 11 herds, were used to verify the viability of using daily milk production control (PLDC) to perform genetic evaluations within Gir breed. Bivariate analysis on PLDC1 to PLDC10 and PL305 were performed utilizing the restricted maximum likelihood method within an animal model, which included the three first lactations as replicate measures of the same dams unit. Animals were grouped according to the criterion of contemporaneous group of herd-year-season, and according to calving-age and to the interval calving-first control in PLDC1. The observed averages (kg) and the respective standard deviations for PLDC1 at PLDC10 and PL305 were: 11.97±4.64; 11.93±4.68; 10.98±4.40; 10.18±4.12; 9.66±3.88; 9.20±3.69; 8.63±3,51; 8.08±3.33; 7.59±3.27; 7.22±3.15 and 2746.17±1299.90. The average lactation length was 273.72±48.95 days. Heritability estimates for PLDC based on bivariate analysis ranged from 0.24 to 0.14, decreasing from the first to the tenth control; the heritability estimate for PL305 was 0.19. Estimates of the genetic correlations between PLDC and PL305 varied from 0.85 to 1.00. The estimates of the genetic correlations between PLDC1 to PLDC9 with PLDC6 to PLDC10 were greater than 0.80, except the correlations between PLDC9 with PLDC1, PLDC10 with PLDC1, PLDC2, PLDC3 and PLDC6. The estimates of the phenotypic correlations resulting in intermediate value between genetic and environmental correlations (smaller). The results of genetic trend indicate that indirect selection for PLDC2 to PLDC4 was more efficient than direct selection for PL305.
Key Words: animal breeding, dairy cattle, milking control, test day
O Brasil, com 8.547.403 km2, ocupa, em extensão territorial, 20,8% das Américas e 47,7% da América do Sul (Almanaque Abril, 1999). As áreas de pastagem ocupam cerca de 76% da superfície usada pela agricultura, o que corresponde a 21% do território brasileiro, algo em torno de 177 milhões de hectares (Censo, 2000). Apesar desta 'geopotencialidade', os sistemas de produção em pasto utilizados nas condições brasileiras são tradicionalmente desprovidos de planejamento e controle, sendo menos eficientes, em relação à muitos países, em termos de produtividade e com custos de produção mais elevados (Faria & Corsi, 1986).
O rebanho bovino brasileiro é constituído de 102 milhões de animais criados na pecuária de corte e 45 milhões (31% do total) dedicadas à produção leiteira (Anualpec, 2000). O total de vacas em reprodução do gado leiteiro é de cerca de 14 milhões. É o primeiro rebanho leiteiro comercial do mundo (6,1% do total de vacas), mas em conseqüência da baixa produtividade (19 bilhões de litros de leite/ano), ocupa modesta posição (4,0%) com respeito ao total produzido. Segundo Viana (1999), o Brasil possui um dos maiores rebanhos do mundo, porém com média produtiva de leite de 3,8 kg/vaca/dia, abaixo da média mundial (7,8 kg/dia) e 3,6 vezes menor que a média dos países desenvolvidos (13,8 kg/dia).
Uma das razões apontadas para este desempenho inferior é a utilização de animais e de sistemas de criação inadequados para a produção de leite. Gomes (1997) estimou que 54% dos produtores de leite produzem até 50 litros/dia e respondem com somente 10% da produção. No outro extremo, produzindo mais de 200 litros/dia, estão apenas 10% do produtores, que, no entanto, participam com 50% da produção total de leite.
Não existe opinião consensual no meio técnico quanto ao tipo de sistema de produção e de gado mais conveniente às nossas condições de criação. Entretanto tem ocorrido aumento expressivo da produtividade do rebanho nacional, especialmente entre criadores de gado elite e mesmo de mestiços, com produções eqüivalentes a dos países do primeiro mundo, fato este desconsiderado em virtude de se utilizar a média para expressar a produtividade de uma população tão dispersa. O Brasil possui populações bovinas leiteiras de alto valor genético e qualificadas para obtenção de indicadores de produtividade comparáveis aos obtidos nos países mais desenvolvidos (Pereira, 1998).
Sem considerar outros fatores, o aumento da produtividade passa necessariamente pela busca de animais de valor genético superior para produção de leite, adaptados às condições ambientes e sócio-econômicas do país. A raça Gir, selecionada para leite, dentre outras zebuínas leiteiras e seus mestiços, tem apresentado desempenhos satisfatórios nas nossas condições de criação (Ledic, 1985).
Cabe salientar que o Brasil possui apenas 26.000 animais da raça Gir, distribuídos em 397 rebanhos. Das cerca de 8.000 vacas em reprodução, 50% pertencem a rebanhos que executam controle leiteiro oficial, em 57 propriedades rurais, com média de 3.321 kg de leite por lactação (Ledic, 2000).
Apesar disto, esta raça é muito importante na pecuária leiteira nacional, participando com 31,04% da comercialização do sêmen nacional das raças leiteiras, segunda em volume de vendas (316.903 doses), de acordo com os dados da Asbia (2002). Foi, ainda, a primeira a ter teste de progênie de touros e avaliação genética de vacas implantado no Brasil (Ledic, 1996), tendo dez grupos de touros avaliados (84 animais) e seis grupos em avaliação (81 touros), segundo relataram Verneque et al. (2002). Além disto, a raça Gir no Brasil, conforme reportou Ledic (1995), tem rebanhos com controle leiteiro oficial desde 1964, sendo a segunda raça em volume de animais com registros de lactação (23% do total), possuindo o Arquivo Zootécnico Nacional de Gado de Leite, para a raça Gir, mais de 36.000 lactações obtidas de cerca de 14.000 vacas (Ledic & Tonhati, 1998).
A medida padrão convencionada de produção de leite é o rendimento em 305 dias de lactação (PL305) e a seleção de reprodutores, das raças leiteiras, tem sido baseada neste critério produtivo. A produção de leite no dia do controle (PLDC) tem sido, também, utilizada para estimar parâmetros genéticos e ambientes visando auxiliar a seleção em gado de leite. Os estudos sobre a viabilidade de utilização da PLDC para estimar parâmetros genéticos, fenotípicos e ambientes das características produtivas visando auxiliar a seleção em gado de leite são bem antigos (Madden et al., 1959; Searle, 1961; Lamb & McGilliard, 1967; Keown & Van Vleck, 1971).
A falta de recursos computacionais era fator limitante para estes estudos, pois após o cálculo da produção na lactação, os controles parciais mensais eram eliminados por falta de espaço computacional para armazenamento destas informações (Ptak & Schaeffer, 1993). Além disto, o método estatístico mais indicado para estimar componentes de (co)variância de dados não balanceados das PLDC é o de máxima verossimilhança restrita (REML), o que exige processadores mais velozes e maior capacidade de random access memory (RAM), para execução dos algorítmos e processamento dos dados (Ptak & Schaeffer, 1993; Swalve, 1994; Rekaya et al., 1995; Firat et al., 1997a,b; Jamrozik et al., 1997; Vargas et al., 1998; Ferreira, 1999).
Os notáveis avanços ocorridos na área de informática possibilitaram o desenvolvimento de equipamentos com processadores mais velozes e otimizados, com maior capacidade dos dispositivos de armazenamento (Meyer, 1991; Verneque, 1994; Wiggans & Goddard, 1997). Este fato viabilizou a retomada dos trabalhos que propunham a utilização da PLDC em estudos de seleção para gado de leite.
Vários modelos estatísticos têm sido propostos para analisar a PLDC. Além dos trabalhos já citados, destacam os de Van Vleck & Henderson (1961a e 1961b); Danell (1982); Stanton et al. (1992); Gadini (1997); Machado (1997); Strabel & Szwaczkowski (1997); Kettunen et al. (1998). Esses trabalhos mostraram existirem altas correlações entre os controles parciais e a produção total de leite em 305 dias de lactação, tornando exequível a utilização de menor número de controles por lactação como critério de seleção para características produtivas em gado de leite.
Estes modelos, utilizando a PLDC, poderão incluir além do efeito peculiar para todas as vacas sobre o mesmo dia de controle, efeitos de meio associados com uma particular PLDC como: intervalo parto-primeiro controle (Danell, 1982), prenhez (Trus & Buttazzoni, 1990), período de serviço (Wiggans & Goddard, 1997), dias de gestação (Van Tassel et al., 1992), ordem do parto (Stanton et al., 1992; Reents et al., 1995), intervalo de controles (Pander et al., 1992). Por outro lado, se vacas são agrupadas de acordo com o nível de produção, como forma de tratamento preferencial, então este agrupamento poderá ser incluído no modelo, se for conhecido (Ferreira, 1999). Na PL305, a maioria desses efeitos são assumidos circunstanciais e não têm como serem considerados no modelo e ficam no resíduo.
Castle & Searle (1961) verificaram que os controles bimestrais têm a mesma utilidade para eliminar vacas do rebanho que controles mensais, sendo o custo 40% menor, podendo ser ainda mais reduzido caso se possa executar menos controles durante a lactação. Ainda hoje, entretanto, são necessárias novas pesquisas para que a PLDC possa ser recomendada e efetivamente empregada, principalmente porque faltam informações a respeito dos parâmetros genéticos de lactações parciais de rebanhos leiteiros nos trópicos (Ribas & Perez, 1990).
No Brasil, embora a literatura apresente alguns estudos sobre outros aspectos da curva de lactação das raças leiteiras e modelos de ajustes, não se tem conhecimento sobre estudos com a PLDC, a não ser os trabalhos de Machado (1997) e Ferreira (1999), com registros de produção de leite de vacas da raça Holandês, controladas pela Associação Brasileira de Criadores e Associação dos Criadores de Gado Holandês de Minas Gerais, respectivamente. Com animais das raças zebuínas, exploradas para leite, não se encontrou qualquer referência na literatura. A falta de pesquisas, nesta área, decorre do pequeno número de animais sob controle leiteiro no Brasil (menos de 0,2% das vacas em lactação), devido ao alto custo para este procedimento e à falta de qualquer estímulo para sua implementação rotineira.
Assim, este estudo foi conduzido com o objetivo de verificar a possibilidade de se utilizarem as PLDC como critério de seleção em avaliações genéticas de animais da raça Gir, estimando parâmetros como herdabilidades e correlações genéticas, fenotípicas e ambientes das PLDC e PL305.
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