Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior, Universidade de São Paulo, 1990, não publicado
O Brasil tem pouco menos de um milhão e meio de estudantes de nível superior, e forma menos de 300 mil anualmente. Isto é muito pouco, cobrindo apenas cerca de 11% da faixa etária correspondente (de 18 a 25 anos), comparado com os números da Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica, Colômbia, etc., sem mencionar os países da Europa e os Estados Unidos. Este sistema está estagnado há cerca de 10 anos, e existem em média três candidatos para cada vaga que se abre. Não é possível imaginar que o Brasil possa participar plenamente do mundo moderno com um ensino superior tão atrofiado.
As universidades públicas não aumentam suas vagas há muitos anos, e a pressão que existe hoje sobre os gastos governamentais não permitirá que elas se expandam no futuro próximo, a não ser pela melhor utilização dos recursos de que já dispõem. O sistema privado, em quanto isto, tem aumentado de tamanho aos saltos, ao sabor das políticas mais ou menos liberais das autoridades federais, e também em função dos ciclos econômicos. Existem neste momento várias centenas de pedidos de autorização de abertura de novos cursos privados retidos junto ao Ministério da Educação, à espera da definição de uma política de expansão para o setor. Parece óbvio que, se não existem custos para o setor público, não há razão para não autorizá-los a funcionar sem maiores delongas, se eles demonstrarem um mínimo de seriedade, probidade e competência.
A questão na realidade não é tão simples, e existem dúvidas tanto quanto à qualidade dos cursos oferecidos quanto sobre as opções que oferecem, inflacionando áreas do conhecimento já saturadas, e deixando outras mais necessitadas a descoberto. Daí a idéia de que o governo só deveria autorizar a criação de novos cursos depois de um exame rigoroso de sua qualidade, a ser garantida por um sistema rigoroso de fiscalização; e também em função de uma análise adequada das necessidades presentes e futuras de novos profissionais nas diversas áreas do conhecimento. São duas idéias que parecem óbvias, mas que são, na realidade, profundamente equivocadas.
O controle da qualidade: introduzir um mercado de competência
O Governo Federal tem se limitado, até hoje, a um processo formal de autorização e credenciamento de cursos superiores privados que é reconhecidamente sujeito a fraudes e acomodações, e não existe nenhum mecanismo regular de acompanhamento do desempenho dos cursos através do tempo (as universidades, autônomas, podem criar novos cursos independentemente de aprovação, e os cursos criados pelos governos estaduais e pelas municipalidades ficam sob jurisdição estadual). Nem o Ministério da Educação nem as secretarias ou conselhos estaduais têm estrutura administrativa para uma fiscalização mais permanente, e, mesmo sem falar dos custos, existem sérias dúvidas sobre a conveniência de expandir este tipo de fiscalização: os mecanismos de controle que existem são formais e burocráticos, gerando comportamentos ritualísticos e burocráticos nas instituições de ensino, em detrimento dos conteúdos ensinados, e não permitem nenhum tipo de avaliação dos resultados efetivos da educação oferecida. O atual sistema de autorizações e credenciamento de cursos via Conselho Federal de Educação Não tem como funcionar bem, e deve ser substituído por um outro, baseado na ampla liberdade de iniciativas, a partir de um certo mínimo, e da avaliação do desempenho. As idéias fundamentais são a de eliminar ao máximo os controles burocráticos e formais, deixando surgir um "mercado de qualidade"; avaliar o conteúdo, não a forma; avaliar depois, e não antes; avaliar de forma descentralizada e com a participação da comunidade, e não pela burocracia governamental; definir gradações de qualidade e explicitar modelos e objetivos alternativos; e divulgar amplamente os resultados. Cabe ao governo garantir que os produtos educacionais oferecidos à sociedade não sejam fraudados, da mesma maneira que se deve fiscalizar para que a comida vendida nos supermercados não pode estar estragada, ou que os eletrodomésticos funcionem conforme o anunciado pelos fabricantes. Mas sua função reguladora não deve ir muito mais além, e mesmo isto talvez se faça melhor por delegação do que pela administração direta.
A experiência internacional mostra o caminho a seguir: reduzir os controles formais ao mínimo e criar um "mercado de competência" pelo estímulo ao desenvolvimento de sistemas descentralizados de avaliação periódica de desempenho dos cursos superiores, com a participação de pessoas pertencentes a associações científicas, profissionais e técnicas, e cujos resultados sejam tornados públicos para a informação dos estudantes e suas famílias. Podem e devem haver sistemas distintos e competitivos de avaliação, por instituições inter-universitárias (como o Conselho de Reitores), por associações profissionais e científicas, por publicações privadas (como o Guia do Estudante da Editora Abril, ou as avaliações periódicas de Playboy), por órgãos governamentais, pela consulta a comissões assessoras da comunidade (como as avaliações da pós-graduação da CAPES), e assim por diante.
Entender o sentido e generalizar a existência destas avaliações já seria uma revolução. Mas ela ainda deixaria de lado duas questões fundamentais e interligadas: porque tantas pessoas aceitam pagar por uma educação de má qualidade? E qual seria "mínimo" de qualidade que deveria ser aceito, para que um curso pudesse funcionar?
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