Educar para a igualdade ou para a diversidade? A socialização e valorização da negritude em famílias negras

Enviado por Rita Amaral


 

CULTURA?

"Acre cultura que só vê o negro
na agricultura e em áreas afins.
E quem pode negar Zumbi
na ação de reinar ?
E Rebouças e seu esquadro ?
E Gil e a canção ?
E Solano e a poesia ?
E Pelé e o futebol ?
E a luta de Abdias ?
E a deputada Bené ?
E a saga de Luís Gama ?
E João Cândido e o seu mar ?
E Ismael Ivo e a dança ?
E Pixinguinha e a música ?
E o gênio de Nei Lopes ?
E a Oxum que reinou
no reino de Gantois ?
Acre cultura de branco
que é esquálida
porque quer."
(Luiz de Melo Santos, poeta, negro)

 

A participação do negro, em todas as dimensões da "sociedade branca" foi marcada pela submissão dos valores negros aos brancos, dominantes. Historicamente os negros sempre estiveram subordinados na estrutura social e econômica, tanto no período escravocrata quanto nos que se seguiram. Se durante o período escravocrata os negros estiveram submetidos a todo tipo de suplícios e humilhações, representando o papel que Darcy Ribeiro (1996) chamou de fonte de energia para a construção da sociedade e cultura brasileiras ("o carvão da sociedade brasileira") isto não fez com que perdessem seus traços culturais; pelo contrário, foram capazes de impregnar deles a cultura da nova nação, como mostram não apenas vários autores, mas a própria vivência na cultura brasileira. Mesmo estando submetidos ao poder político e econômico, sua cultura permanece vigorosa, estabelecendo lugar inegável na cultura nacional. No entanto, apesar disto, continuam a ser discriminados e a enfrentar situações que os colocam em condição de inferioridade diante dos "não -negros" até os dias de hoje. Ao invés de serem valorizados por terem contribuído de modo determinante para a construção da nação e de sua cultura, são discriminados e "aceitam" isto, muitas vezes, por não conseguirem impor-se ou por não acreditarem na necessidade (ou na eficácia) da resistência formal.

Billie Holiday

A abolição da escravidão no Brasil, há 114 anos, colocou os negros numa situação sui generis. Apesar de livres, estavam também sem teto, sem emprego, sem alimentação, sem direitos, desprovidos muitas vezes até mesmo das roupas que lhes davam os seus antigos senhores nas fazendas onde até então viviam. Saídos da condição de escravos, foram colocados numa situação de miséria que somou-se à sua diferença racial, configurando-se um estigma baseado num forte tripé: diferentes fisicamente, diferentes socialmente e diferentes culturalmente. (FERNANDES, 1972). E assim entraram para a história oficial: como escravos ou ex-escravos. Muitas vezes como negros e poucas como brasileiros. Com base no triplo estigma, foram discriminados em todos os setores da vida do país; situação que de forma bastante lenta vem sendo transformada durante o correr do século XX, especialmente na segunda metade dele, embora seja ainda bastante grave a situação dos negros no país.

Apenas a partir da década de 60, com o crescimento dos movimentos negros americanos e de descolonização da África, divulgados mundialmente e influenciando os negros escolarizados do Brasil, é que a identidade negra passou a ser "recuperada", ainda que de modo lento, e sua presença na sociedade valorizada. O mesmo aconteceu com o reconhecimento da influência africana em nossa cultura, conquista de grupos negros organizados, aos quais se associaram artistas e intelectuais de todas as origens "raciais". Ainda é pequena, entretanto, a parcela negra da população inserida nas universidades, na política, nos altos postos de qualquer setor. E é grande a dificuldade dos negros em romper a barreira dos preconceitos na luta pela igualdade.

A questão racial em São Paulo, cidade onde foi realizada a pesquisa que deu origem a este artigo , foi sistematicamente estudada, a partir dos anos 40, por autores como Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Virgínia Bicudo, Roger Bastide e outros que se envolveram, em 1951, no projeto patrocinado pela UNESCO, passando a contar também, posteriormente, com a participação de Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e Renato Jardim Moreira. Foi a partir principalmente destes estudos, que a "fábula" da "democracia racial brasileira" passou a ser discutida. Apesar de seu conteúdo diferente em relação ao racismo norte-americano, os estudos destes pesquisadores apontaram a existência do racismo "à brasileira".

 


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