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Intervenções não farmacológicas
Intervenções Breves
São intervenções que podem ser aplicadas na rede primária de saúde, aonde o diagnóstico é feito pelo médico clínico geral. Os casos de dependência moderada ou grave ou pacientes que apresentarem comorbidade devem ser encaminhados aos serviços especializados. As intervenções breves tem se mostrado tão eficazes quanto às intervenções mais intensivas (Edwards, 1999).
Os objetivos principais das intervenções breves são motivar o paciente ao tratamento e uma vez que pare de usar o álcool, evitar as recaídas. Manuais de auto - ajuda podem ser fornecidos aos pacientes (Fleming, 1999)
Motivação
Para se iniciar qualquer tipo de intervenção é necessário que se tenha o diagnóstico do uso de álcool (dependência ou uso nocivo) e uma avaliação da motivação do paciente.
1. Como motivar o paciente.
A grande maioria dos usuários de álcool e drogas, que procuram ou são encaminhados para tratamento encontram-se extremamente ambivalentes quanto a suspensão do consumo: ao mesmo tempo que desejam parar com o uso porque está lhes causando problemas, desejam continuar usando, porque lhes causa prazer. A ambivalência é um conflito psicológico que precisa ser superado durante o tratamento (Jungerman, 1999).
O papel do médico é ajudar o paciente a resolver essa ambivalência identificando os motivos que os levam a usar o álcool e os motivos pelos quais deveriam parar com o consumo. É muito comum o paciente ter uma visão dissociada dos efeitos bons e ruins que a bebida lhes causa. Quando vão beber têm um pensamento direcionado para o que a bebida vai lhes causar de bom naquele momento: "vai relaxar"; "vai esquecer o problema"; "vai compartilhar momentos agradáveis com os amigos"; "vai se sentir mais desinibido" etc. Neste momento, o pensamento não evoca os efeitos ruins que podem ocorrer no momento da embriaguez: inadequação, irritação; sintomas de abstinência no dia seguinte; etc. O médico deverá ajudá - lo pensar nestes dois aspectos (bons e ruins) fazendo um balanço que o ajudará na decisão.
O médico deve:
· Ajudar o paciente a imaginar a sua vida com e sem álcool, nos aspectos bons e ruins de cada alternativa.
· Elaborar cooperativamente com o paciente os objetivos principais do tratamento.
A motivação é um processo dinâmico, que pode ser influenciado por vários fatores. A conduta do médico frente a esta ambivalência é muito importante. Ele deve ser empático, paciente, ativo e firme neste momento da intervenção.
Segundo Diclemente e Prochaska (Laranjeira e col., 1996) existem sete estágios de modificação comportamental, que ocorrem durante o processo de mudança: a) Précontemplação; b) Contemplação; c) Preparação; d) Determinação; e) Ação; f) Recuperação; g) Recidiva. Baseados nesses estágios é possível empregar medidas terapêuticas com a finalidade de vencer as resistências do paciente, fazendo-o avançar no reconhecimento de seu problema e promover uma mudança. A figura 2 ilustra estes estágios.
Pré-contemplação
Nesta fase do tratamento, os pacientes apresentam pouca ou nenhuma preocupação com os problemas associados ao uso de álcool. A maioria deles não deseja modificar os próprios comportamentos, pois acha que não possui qualquer tipo de problema relacionado ao consumo excessivo de álcool. Muitas vezes são pressionados pelos familiares a procurarem tratamento. É importante neste momento, auxiliá-los na avaliação dos problemas. (Samet, 1997; McConnaughy, 1983).
Contemplação
Na "contemplação", os pacientes já se preocupam com os problemas associados ao uso de álcool porém não apresentam um plano para modificar comportamento. Estão começando a conscientizar-se, ou então, preocupar-se com as conseqüências adversas do consumo excessivo de álcool. É comum, que os pacientes busquem informações sobre os problemas causados pelo uso, com visando a compreensão das dificuldades pelas quais está passando. Entretanto, o paciente ainda não se engajou num plano para modificar os seus comportamentos (Samet, 1997; McConnaughy, 1983).
Medidas Terapêuticas
· Listar as vantagens e desvantagens do consumo e o registro diário das recaídas podem ser medidas úteis.
· Reforçar os motivos para se tratar.
Preparação
Na "preparação", os pacientes preocupam-se com os problemas associados ao uso de álcool, inclusive com um plano para se tratar. Nesse estágio, a decisão de modificar seu comportamento é assumida, porém ainda não foi acionado o plano de tratamento (Samet, 1997; McConnaughy, 1983).
Medidas Terapêuticas
· Reforçar a crença de que pode modificar o seu comportamento-problema.
Determinação
Na "determinação", o paciente coloca em prática o plano para modificar o comportamento-problema, engajando-se ativamente num programa de tratamento. (Samet, 1997; McConnaughy, 1983).
Medidas Terapêuticas
· Nessa ocasião, pode-se oferecer ao paciente informações acerca dos vários tipos de tratamento atualmente disponíveis.
Ação
Na "ação", o paciente inicia o tratamento ao interrompe o uso, sendo ajudado a escolher o tratamento ideal.
Manutenção
Na "manutenção", os pacientes os pacientes rediscutem seus objetivos e a mudança de comportamento fazendo uma avaliação dos resultados.
A identificação da fase em que se encontra o paciente é de fundamental importância no direcionamento da terapêutica não farmacológica. Se o paciente se encontra numa fase de pré contemplação, ele não se reconhece como dependente e nem relaciona os seus problemas ao uso de bebida. Estabelecer, neste caso, tão somente estratégias de prevenção ao uso da substância (como evitar ir ao bar ou evitar situações que o lembre da bebida) não são eficazes. O paciente precisa estar convencido e relacionando os seus problemas ao uso do álcool. Só a partir desse momento, vai conseguir tomar atitudes e ações que o previnam do uso.
Figura 2:
Esquema do processo de mudança do comportamento
Entre a abstinência e a recaída existe uma área cinzenta - o lapso. É definido como sendo uma falha (um escorregão), sem que o uso da substância atinja os níveis anteriores à abstinência. Se o paciente voltar a usar a drogas nos mesmos padrões que usava antes de parar, recaiu. Antes da recaída existe o lapso, que não necessariamente precisa terminar numa recaída.
A recaída é a volta ao consumo de bebida nos mesmos padrões anteriores à abstinência. Ela não significa um fracasso, mas deve ser entendida e discutida para se evitar próximas recaídas. A figura 3 representa o lapso entre a abstinência e recaída.
Figura 3:
Esquema do processo de recaída passando pelo lapso
Existem cinco passos a serem seguidos na aplicação de uma Intervenção Breve (Fleming, M e col. 1999) :
1. Avaliação e feed back: A aplicação de questionário para triagem do problema é o primeiro passo. O CAGE ou AUDIT auxilia o médico nessa avaliação. É importante ter em mente os critérios diagnósticos de dependência e uso nocivo. Uma vez estabelecido o diagnóstico o médico deve dar um retorno ao paciente sobre o resultado da avaliação efetuada, tanto com relação ao uso da bebida de alcoólica quanto aos outros diagnósticos (hipertensão, gastrites, neuropatias etc. ). Se o paciente tiver com sintomas de abstinência deve se iniciar pela desintoxicação seguindo o Consenso sobre SAA (Síndrome de Abstinência de Álcool).
2. Negociação da meta de tratamento: O profissional deve estabelecer uma meta de tratamento em acordo com o paciente. Se o paciente esta fazendo uso nocivo o médico pode sugerir como meta o beber controlado. Se o paciente tiver uma dependência já instalada a melhor meta é a abstinência.
3. Técnicas de modificação de comportamento: É muito importante que o médico reconheça o estado de motivação do paciente. Isto vai ajudar na manutenção da meta estabelecida. Se o paciente esta numa fase pré contemplativa, ou seja, ainda não se reconhece como dependente ou que seus problemas tem relação com o seu uso de álcool, o médico deve motiva–lo para tratamento. O paciente precisa antes de estabelecer mudanças no seu comportamento, estar convencido de que a quantidade que esta bebendo esta lhe causando prejuízos. O quadro I mostra o balanço entre os prós e contras relacionados ao uso de álcool. A avaliação laboratorial e investigação das áreas de vida com problemas relacionados ao consumo auxiliam neste momento.
QUADRO I:
Quadro para avaliação dos riscos e benefícios de usar o álcool
Usar |
Parar de usar |
|
Vantagens |
· "relaxa" |
· melhora o desempenho no emprego. |
Desvantagem |
· Perde o controle e a crítica do que faz. |
· Perde os amigos. |
Se o paciente esta numa fase contemplativa, ou seja, sabe que a bebida esta prejudicando, mas ainda não consegue estabelecer nenhuma mudança de comportamento, o médico pode dar instruções objetivas com relação a mudança da rotina e ambiente: não ter bebida em casa, não freqüentar ambientes onde só se bebe, evitar a companhia dos amigos que bebem.
4. Material de auto - ajuda: O médico pode fornecer ao paciente material didático informativo sobre uso de álcool.
5. Seguimento: Para garantir a efetividade a longo prazo o profissional o seguimento após a alta deve ser bem planejado, que pode ser uma visita mensal ao consultório ou uma visita domiciliar onde exista este tipo de atendimento ou um telefone podem ser efetivos.
Os componentes da intervenção breve podem ser incorporados em uma consulta com duração de 10 a 15 minutos. O número de visitas varia de acordo com a gravidade. Se o paciente faz um uso nocivo, estudos tem demonstrados que três ou quatro visitas podem ser suficientes. Se o paciente apresenta sintomas de abstinência, só na primeira semana pode ser necessária duas visitas. Se os sintomas forem leves, uma visita por semana por três semanas e mais uma visita por mês por três ou quatro meses ao consultório são suficientes. Abaixo estão exemplos de intervenções seguindo os passos descritos anteriormente.
1. Primeira consulta: Avaliação e feed back
v questões com relação ao consumo de álcool visando estabelecer um diagnóstico de dependência e uso nocivo. (Quanto, com que freqüência, quando, Com quem, quais os estímulos ambientais?)
v Avaliação médica geral. Se houver ideação suicida ou algum outro problema médico considerar o encaminhamento ao especialista.
v Pedido de exames complementares.
v Alguns exemplos de intervenção e feed back:
v Nesta primeira sessão já é possível estabelecer uma meta: tratamento da síndrome de abstinência, beber seguro ou abstinência e combinar com o paciente a próxima consulta. Para negociação da meta, segue exemplos de intervenções:
2. Segunda consulta
v Avaliação do consumo do álcool desde a última consulta. Se o paciente não conseguiu cumprir a meta, quais as dificuldades que encontrou.
v Avaliar o resultado dos exames complementares.
v Reforçar a meta a ser seguida.
v Fornecer material para leitura e auto ajuda.
v Preenchimento do quadro de vantagens e desvantagens de beber (quadro I).
v Agendar a próxima consulta.
3.T erceira consulta
v Avaliação do consumo do álcool desde a última consulta.
v Avaliar o quadro de vantagens e desvantagens.
v Se algum exame estiver alterado, por exemplo o GGT e o paciente já estiver diminuindo a bebida, repetir o exame. Isto serve para avaliar a melhora e mostrar de forma objetiva (em números) ao paciente as alterações hepáticas antes e depois da diminuição do consumo do álcool.
v Alguns exemplos de intervenção visando modificação do comportamento.
4. Quarta consulta
v Avaliar o uso de álcool desde a última consulta.
v Rever os pontos de maior dificuldade para enfrentar as situações de risco, e discutir estratégias para enfrentá -las.
v Avaliar o progresso do tratamento até o momento e considerar o encaminhamento para centro especializado se necessário.
Os principais objetivos das intervenções farmacológicas nos transtornos relacionados ao álcool são: a) Reverter os efeitos farmacológicos do álcool; b) Tratar e prevenir as complicações da abstinência do álcool e c) Manutenção da abstinência e prevenção das recaídas, por meio da redução do desejo para ingerir álcool; redução do consumo ao tornar a ingestão de álcool desagradável e tratamento da comorbidade psiquiátrica (Samet, 1997).
Nos últimos anos as intervenções farmacológicas têm-se concentrado na reabilitação e prevenção de recaídas, através das suas ações sobre o desejo compulsivo para beber e na perda do controle sobre a bebida com a finalidade de manter a abstinência obtida na desintoxicação (Samet, 1997; Laranjeira e col., 1996).
A dependência do álcool possui taxas elevadas de transtornos ansiosos e depressão, que podem influir no prognóstico do paciente, já que os mesmos podem recair em resposta aos níveis de ansiedade e depressão exacerbados. Portanto, o tratamento eficaz desses sintomas com agentes farmacológicos podem resultar numa redução do consumo de álcool e dos problemas associados.
Sensibilizantes ao Álcool (Dissulfiram)
No Brasil o sensibilizante ao álcool atualmente empregado para impedir que o paciente beba através de uma reação de aversão, é o dissulfiram. Os pacientes devem ser orientados a evitarem todas as fontes de álcool como soluções para limpeza oral e vinagre.
Esta medicação atua inibindo a enzima hepática aldéido-desidrogenase (ALDH), que catalisa a oxidação do acetaldeído em acetato, subprodutos do metabolismo do álcool. O aumento dos níveis sangüíneos de acetaldeído provoca uma reação aversiva caracterizada clinicamente por rubor facial, cefaléia pulsátil, náuseas, vômitos, dor torácica, palpitações, taquicardia, fraqueza, turvação visual, hipotensão arterial, tontura e sonolência. Nas reações graves, os pacientes (principalmente aqueles mais susceptíveis) podem exibir delirium, infarto do miocárdio, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca congestiva, depressão respiratória e convulsões (Samet, 1997).
O grupo de pacientes que mais se beneficiam deste tratamento são: os pacientes mais velhos, altamente motivados, sem doenças físicas graves, estáveis do ponto de vista social, que necessitam de um auxílio externo para ajudar na sua decisão. Devem estar participando de um programa de tratamento que empregue estratégias para aumentar a adesão ao dissulfiram. É importante a adesão e aceitação do paciente para o sucesso do tratamento (Laranjeira e col., 1996).
Contra-indicações
As principais contra-indicações ao dissulfiram são: a) Condições clínicas que aumentam o risco da reação do dissulfiram com o etanol (por ex., doença vascular cerebral, doença cardiovascular, doença pulmonar graves, insuficiência renal, cirrose com hipertensão porta (por causa do risco de hemorragia visceral causado pelos vômitos durante a reação aversiva) e aterosclerose oculta (principalmente entre indivíduos acima de 60 anos e diabéticos); b) Condições clínicas que podem ser agravadas pelo dissulfiram (por ex., transtornos psicóticos, transtornos depressivos (pode agravar os sintomas psicóticos e depressivos), neuropatia periférica (sabe-se que o próprio dissulfiram pode causar neuropatia periférica) e distúrbios convulsivos idiopáticos (risco de diminuição do limiar convulsivo); c) Síndromes mentais orgânicas, devido à redução da capacidade dos pacientes de compreenderem ou lembrarem-se dos riscos das reações aversivas do dissulfiram com o etanol; d) Gravidez, devido aos riscos de anomalias congênitas (Samet, 1997).
Precauções
As principais precauções a serem adotadas com a prescrição de dissulfiram são as interações com o uso concomitante dos antagonistas dos receptores a-adrenérgicos ou b-adrenérgicos e vasodilatadores, que são medicações utilizadas na regulação da pressão arterial. O dissulfiram pode ser empregado nos pacientes com história de convulsões associadas à abstinência desde que seja descartado a presença de um distúrbio convulsivo idiopático (Samet, 1997).
Nos pacientes que excercem atividades que necessitam de atenção (por ex., operar máquinas) deve-se tomar as devidas precauções (tais como, restringir inicialmente nos finais de semana e à hora de deitar a medicação), já que o dissulfiram pode provocar sonolência. Caso a sonolência persista depois de 3 dias de tratamento a medicação deve ser interrompida.
Antes de prescrever o dissulfiram é importante solicitar provas de função hepática devido à um efeito hepatotóxico idiossincrático raro, porém potencialmente fatal. Além disso, os sintomas sugestivos de hepatotoxicidade e os exames sangüíneos devem ser repetidos à cada 2 semanas, 3 meses, 6 meses e duas vezes no ano, durante o tratamento com dissulfiram. Geralmente a hepatotoxicidade ocorre nos primeiros 3 meses de tratamento.
Orientações Clínicas
A dose habitual é de 250 mg ao dia em dose única diária, após um intervalo de pelo menos 24 horas sem beber. Alguns pacientes podem beneficiar-se com doses de 500 mg ao dia.
Interações Medicamentosas O dissulfiram interfere com a biotransformação dos seguintes medicamentos: warfarina; fenitoína; isoniazida; rifampicina; diazepam; clordiazepóxido; imipramina e desipramina, cujos níveis plasmáticos devem ser monitorizados junto com o tempo de protrombina (naqueles pacientes tratados com warfarina.
Agentes Anti-craving
O "craving" é um fenômeno fisiológico que sofre influência de fatores ambientais, sociais e emocionais, que contribuem para a inabilidade dos dependentes ficarem abstêmios, vulnerabilizando-os para a recaída (Laranjeira e col., 1996).
Naltrexone
Baseando-se em estudos animais demonstrando que a regulação do consumo de álcool pode ter envolvimento de opióides endógenos, vários pesquisadores vêm investigando os efeitos de uma antagonista opióide, o naltrexone, na prevenção de recaídas. Os antagonistas opióides devem ser usados como parte de um programa de tratamento que inclua aconselhamento ou psicoterapia. Portanto, são pouco eficazes quando usados isoladamente. O oferecimento de intervenções psicossociais (por ex., aconselhamento, treinamento de habilidades sociais, prevenção de recaída e entrevista motivacional) associado às intervenções farmacológicas aumentam a eficácia e a adesão ao tratamento (Samet, 1997; Laranjeira e col., 1996).
Indicações
O naltrexone reduz o desejo para beber, aumenta as taxas de obtenção e manutenção de abstinência, diminui os riscos de recaída, reduz o consumo excessivo (evidenciado pelos níveis mais baixos de GGT) e bloqueia os efeitos reforçadores do álcool (por ex., sensação de estar menos intoxicado), que podem desencadear uma perda do controle do próprio consumo, quando associados ao tratamento psicossocial ((Samet, 1997)
Contra-indicações
As principais contra-indicações ao naltrexone são: a) Hepatite aguda; b) Insuficiência hepática; c) Dependência de opióides ou abstinência de opióides, já que o naltrexone pode desencadear uma síndrome de abstinência grave nesses pacientes; d) Necessidade de usar medicamentos opióides. A gravidez e uso em pacientes adolescentes são considerados contra-indicações relativas, aonde devem ser levados em consideração os riscos e benefícios do tratamento. Há de ressaltar-se que o uso de naltrexone em pacientes adolescentes, mulheres e gestantes necessitam de estudos que ainda não foram realizados.
O aumento leve dos níveis séricos das transaminases não contra-indicam o seu emprego. Entretanto, a monitorização mensal dos valores da bilirrubina e das transaminases séricas nos 3 primeiros meses, e depois a cada 3 meses é suma importância. Monitorizações mais freqüentes devem ser indicadas, quando as transaminases estiverem elevadas. O naltrexone deve ser suspenso, quando as elevações das enzimas hepáticas persistirem, salvo se os aumentos forem brandos e atribuídos ao consumo atual de álcool.
Efeitos Adversos Nas doses acima de 50 mg diários pode induzir hepatotoxicidade dosedependente, o que contra-indica o seu uso em pacientes com hepatite aguda e insuficiência hepática. Os principais efeitos adversos são: a) Náuseas (10% dos casos), que geralmente coincide com os níveis plasmáticos atingidos em 90 minutos depois da administração; b) Cefaléia; c) Vertigem; d) Ansiedade e irritabilidade; e) Fadiga; f) Insônia; f) Vômitos; g) Sonolência.
Orientações Clínicas
A maioria dos estudos clínicos empregaram o naltrexone por 12 semanas. A decisão de continuar com o medicamento após este período baseia-se na avaliação clínica, levando-se em consideração as alterações que foram realizadas para manter a abstinência, histórias prévias de respostas ao tratamento e o interesse do paciente em continuar usando a medicação. Nos pacientes dependentes de opióides, o naltrexone pode ser administrado por pelo menos 6 meses.
A posologia recomendada é 50 mg diários. Para diminuir a gravidade dos efeitos adversos pode-se iniciar com 25 mg diários nos 2 primeiros dias, aumentando a dose para 50 mg diários se for tolerada. Supõem-se que doses de até 100 mg diários possam se mais eficazes no tratamento da SDA, porém necessitam-se de mais estudos para confirmar esta afirmação. Para aumentar a aderência ao tratamento, solicita-se ao paciente ingerir a medicação pela manhã (por ex., junto com o desjejum), principalmente quando o paciente bebe ao anoitecer.
O naltrexone deve ser prescrito depois que a SAA for controlada e estabilizada.
Para os pacientes com história prévia de abuso de heroína é necessário de pelo menos um período mínimo de 7 dias de abstinência, com vista a prevenir a síndrome de abstinência. Nos pacientes tratados com metadona recomenda-se um período de abstinência maior (10 a 14 dias).
Interações Medicamentosas
As interações medicamentosas de maior relevância clínica são com as seguintes medicações: a) Dissulfiram, devido ao potencial dos efeitos hepatotóxicos de ambos os medicamentos; b) Tioridazina, com piora da letargia e sonolência quando associa-se o naltrexone. O uso concomitante de naltrexone e antidepressivos não aumenta a incidência de efeitos adversos.
Nos pacientes que necessitam de medicamentos para controle da dor deve-se priorizar outros analgésicos não-opiáceos (por ex., antiinflamatórios não-esteróides).
Contudo, nos casos de dor grave procura-se utilizar um analgésico opióide de ação rápida com monitorização num ambiente equipado com ressuscitação cardiopulmonar, já que a depressão respiratória resultante pode ser mais profunda e grave. Os pacientes que serão submetidos à cirurgias eletivas e analgésicos contendo opióides no pós-operatório devem ser alertados para suspenderem o naltrexone pelo menos 72 h antes da cirurgia.
O subgrupo de pacientes com características clínicas favoráveis para uma boa resposta terapêutica ao tratamento com naltrexone associado a psicoterapia são:
a) Níveis graves de desejo compulsivo para beber;
b) Nível educacional baixo;
c) Déficits cognitivos;
d) História familiar de alcoolismo entre parentes de primeiro grau. Contudo, deve-se chamar a atenção que esses dados basearam em estudos com alcoolistas sem comorbidade psiquiátrica com outros transtornos mentais e abuso de drogas ilícitas.
Acamprosato
Acamprosato (acetil-homotaurinato de cálcio) é a outra medicação aprovada para o tratamento da dependência de álcool. Estudos recentes sugerem que sua eficácia decorra de antagonismo na neurotransmissão do receptor N-Metil-D-Aspartato (NMDA). O acamprosato diminui o fluxo de cálcio e a eficácia pós sináptica desses neurotransmissores excitatórios (NMDA), diminuindo portanto a excitabilidade neuronal (Zieglgansberger e col, 1992, 1996).
O Acamprosato demonstrou sua eficácia em reduzir o consumo de álcool em modelos animais e em alguns grandes estudos duplo - cego controlados com placebos realizados na Europa (Soyka e col, 1998).
É uma droga segura que não interage com o álcool ou o diazepam parece não Ter nenhum potencial de causar dependência. A dose é 1998 mg (2 comprimidos de 333 mg 3 vezes ao dia) para um peso corporal acima de 60 kg. Não deve ser prescrito para indivíduos com insuficiência hepática ou renal.
QUANDO AS COISAS ESTÃO DIFÍCEIS
1. O paciente diz que não bebe e a família afirma o contrário
Algumas vezes é necessário fazer um contato com a família sobre o andamento do tratamento, porque pacientes pouco motivados podem estar bebendo e tendo problemas em casa. Quando isso acontece, o médico deve abordar a questão de forma objetiva e clara sem medo de dizer o que se está percebendo ou o que a família está dizendo. Devese tomar o cuidado para não confrontar paciente e família. Podem ser usadas frases do tipo: "Eu estou percebendo que o Sr. tem bebido e tem dificuldade de dizer isso à mim.
Qual seria a dificuldade? O Sr. tem medo que eu o reprove? " ou "estou percebendo que o Sr. tem bebido e não consegue falar sobre esse assunto. Fico preocupado com o Sr.
porque vejo que não está melhorando" ou "Pelo que sua família acabou de dizer o Sr. não tem conseguido ficar sem beber, eu também estou percebendo isso, acho que devemos fazer alguma coisa. Que motivos o Sr. tem pra continuar bebendo e que motivos teria para parar?" Qualquer dificuldade durante o tratamento deve ser encarada com franqueza e objetividade. Conversar sobre as dificuldades é o primeiro passo para resolução delas.
2. O paciente continua bebendo e freqüentando às consultas
Algumas vezes o paciente continua freqüentando as consultas e não consegue parar com o uso do álcool. Quando isso ocorre o médico pode sugerir e discutir com o paciente uma internação nova estratégia que pode ser uma internação domiciliar ou hospitalar para desintoxicação. Às vezes a dificuldade em parar está no fato que o paciente não tem uma rede social fora do meio onde tem bebida alcoólica. Todos os amigos são dependentes e o único lugar que freqüenta é o bar ou casa de amigos que bebem. Neste caso a internação hospitalar pode ser uma alternativa.
A recaída é tão freqüente que faz parte do processo terapêutico saber lidar com elas.
Ela não significa o fracasso do tratamento. Ela deve ser discutida para que sirva de aprendizado. Neste caso o médico deve identificar as coisas comuns nas recaídas e auxiliar o paciente propondo novas estratégias. Deve-se também identificar comorbidades com depressão. Casos mais complexos podem ser encaminhados ao especialista.
É comum ocorrerem faltas às consultas principalmente se ocorrerem recaídas. Um telefonema ou telegrama feito por qualquer membro da equipe podem ajudar o paciente a retomar o tratamento. Nesse caso deve–se pesquisar as causas da falta. Em geral o paciente aponta barreiras tais como horários incompatíveis, dificuldade de locomoção e falta de dinheiro para transporte, mas a verdadeira causa é a recaída. Em alguns casos a dificuldade de comparecimento é o constrangimento pela violação do contrato ou confiança estabelecidos. Mesmo que o paciente não aponte essas causas elas devem ser investigadas com perguntas diretas e objetivas. Questões como: "O Sr. se sentiu constrangido em vir aqui e me dizer da sua recaída ou lapso?" podem ajudar o paciente a dizer a respeito de suas dificuldades.
AUDIT – the alcohol Use Disorder Identification test
1. Alguma vez o Sr sentiu que deveria diminuir (cut down) a quantidade de bebida ou parar de beber?
2. As pessoas o aborrecem (anoyed) porque criticam o seu modo de beber?
3. O Sr se sente culpado (guilty) ou chateado consigo mesmo pela maneira com que costuma beber? 4. O Sr costuma beber pela manha (eye-opener) para diminuir o nervosismo ou a ressaca?
Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol, Revised (CIWA-Ar)
Cláudio Jerônimo da Silva; Luís André P. G. Castro: Ronaldo Laranjeira
laranjeira[arroba]uniad.org.br
UNIAD - Unidade de pesquisa em Álcool e Drogas - Departamento de psiquiatria
Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina
UNIFESP/EPM
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