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O estudo foi realizado no IMIP, Recife, Estado de Pernambuco. Como centro de referência do SUS-Pernambuco, esse instituto atende crianças oriundas de todos os municípios do Estado de Pernambuco e também de estados vizinhos.
Em um estudo do tipo seccional, foram pesquisadas todas as crianças hospitalizadas no período de maio de 1999 a maio de 2000 (99 crianças), com idade de um a 60 meses, com desnutrição grave (índice peso/idade < percentil 3). Para a coleta dos dados utilizou-se um formulário construído conforme as variáveis do estudo (idade, sexo, peso ao nascer, idade gestacional, aleitamento materno, estado vacinal, local da habitação, água encanada e fossa séptica na habitação, motivo da hospitalização, presença de edema, estado de hidratação e sinais de choque hipovolêmico na admissão, uso de antibiótico e soro para reidratação oral durante a hospitalização), a fim de atender os objetivos da pesquisa. As informações foram coletadas dos prontuários médicos, pois o estudo foi retrospectivo. Para a criação do banco de dados, duas entradas foram realizadas por diferentes digitadores, utilizando-se o programa Epi Info 6.0. A avaliação do estado nutricional foi realizada pelo Epinut do Epi Info 6.0, que utiliza como referência o padrão do National Center for Health Statistics (NCHS, 1977). Verificou-se a distribuição de freqüência das variáveis estudadas, que são apresentadas em forma de tabelas.
Os dados que caracterizam a amostra em relação ao sexo, idade, peso ao nascer, idade gestacional, aleitamento materno e estado vacinal, encontram-se descritos na Tabela 1.
Em relação a algumas variáveis indicadoras da condição da habitação da criança, observou-se que 54,1% das residências estavam localizadas no interior do Estado; 36,1% na Zona da Mata. Em 36,1% das residências não havia água encanada, e constatou-se ausência de fossa séptica em 55,5 % dos casos.
Em 55,6% das crianças pesquisadas a diarréia foi o motivo da hospitalização, enquanto a pneumonia respondeu por 26,3% dos casos. Apenas 6,0 % das crianças do estudo apresentavam edema no momento da admissão hospitalar. Em relação ao estado de hidratação, 32,3% apresentavam sinais de desidratação do 1o e 2o graus, e 15,2% do 3o grau; em 17,2% dos casos, observaram-se dados sugestivos de choque hipovolêmico. Verificou-se o uso de antibiótico em 81,8% das crianças hospitalizadas e soro para reidratação oral em 60,0 % delas. Houve evolução para o óbito em 34,3% das crianças.
Os dados que caracterizam a mostra em relação à idade e escolaridade das mães e à renda familiar, encontram-se descritos na Tabela 2. A taxa de letalidade hospitalar no grupo foi de 34,3% (34 crianças). As Tabelas 3 e 4 mostram dados que caracterizam este grupo em relação a algumas variáveis clínicas e epidemiológicas, bem como da sua condição sócio-econômica.
As crianças foram sistematicamente classificadas segundo a evolução para alta ou óbito e considerando as variáveis que foram demonstradas anteriormente (Tabelas 3 e 4), e não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre as variáveis, obtendo-se sempre um p > 0,05.
Apesar das evidências recentes de redução dos índices de DEP no Brasil, especialmente no Nordeste, ela continua como a endemia carencial mais importante em nosso país, provocando uma elevada demanda nos serviços de saúde e aumento nas taxas de mortalidade hospitalar (Batista Filho & Costa, 1988). Isso aumenta a relevância do estudo da desnutrição hospitalar, pelos seus efeitos desfavoráveis sobre o prognóstico dos pacientes. No presente estudo, a maioria das crianças tinha idade menor que seis meses. Os elevados percentuais de baixo peso ao nascer e prematuridade, ao lado de elevados índices de desmame precoce, contribuem para justificar esse achado.
A ação que mais contribuiria para a prevenção das interações maléficas do binômio DEP/ infecção seria a prática da amamentação exclusiva até o 6o mês de vida. Vários estudos têm comprovado o papel da proteção do leite materno, particularmente em relação às infecções do trato digestivo e respiratório, responsáveis pela grande maioria das hospitalizações em nossa casuística. Nos países em desenvolvimento, crianças não amamentadas no seio têm 3 a 4 vezes mais chances de morrer nos três primeiros meses de vida (Beaudry et al., 1995; Ebrahim, 1995). Infelizmente, a freqüência e a duração do aleitamento materno são baixas em nosso meio, o que contribui para índices bastante elevados de morbimortalidade no primeiro ano de vida (INAN, 1990).
Dentre as crianças estudadas, apenas 15,6%, tinham esquema vacinal completo. Existe uma forte associação entre ocorrência de doenças imunopreveníveis e posterior surgimento de doenças infecciosas, sobretudo diarréia e pneumonia, em função da queda de imunidade imposta pelas doenças imunopreveníveis (Deivanayagam et al., 1993; Mahalanabis et al., 1991).
No presente estudo, foi elevado o número de mães adolescentes e com baixa escolaridade, reconhecidamente fatores de risco para agravos à saúde (Victora et al., 1993). A baixa renda das famílias estudadas aponta para uma situação de miséria. Evidentemente, essa situação gera condições nutricionais insatisfatórias. Estima-se, hoje, que 50,95% da população do Estado de Pernambuco tenham uma renda mensal inferior a R$ 80,00 per capita (Neri et al., 2000).
Dos domicílios das crianças do estudo, 36,1% não tinham acesso à água encanada e 55,5% não possuíam fossa séptica. Em termos de saúde ambiental, a falta de acesso a algum tipo de abastecimento de água limpa e de destino adequado dos dejetos, e a manipulação dos alimentos sem cuidados de higiene têm implicações significativas na disseminação de doenças infecciosas.
Apesar de a desnutrição edematosa ser um achado freqüente em muitos países em desenvolvimento, e de essas crianças apresentarem uma evolução com pior prognóstico (Golden, 1996; Manary & Brewster, 1997; Waterlow, 1992), apenas 6,1% das crianças estudadas apresentavam edema na admissão hospitalar. A criança com desnutrição grave está propensa a desenvolver sérios problemas que a coloca sob o risco de morrer, dos quais, dentre outros, destacam-se a infecção e os distúrbios hidroeletrolíticos (Schofield & Ashworth, 1997; WHO, 2000). Das crianças estudadas, 15,2% chegaram ao serviço apresentando desidratação grave, e outras 17,2% com sinais de choque hipovolêmico. O grande percentual do uso de antibióticos (81,8%) condiz com o fato de que a infecção foi provavelmente um evento comum nessas crianças. Diarréia e pneumonia foram as infecções mais triviais, achados bem descritos em crianças com desnutrição grave (Alves et al., 1988).
Observou-se uma elevada taxa de mortalidade no grupo estudado, de 34,3%, semelhante aos dados citados na literatura, que relatam percentuais de mortalidade hospitalar nessas crianças, variando de 20 a 30% (Schofield & Ashworth, 1997). O fato de não terem sido observadas diferenças com significância estatística entre algumas variáveis em relação às crianças que receberam alta e as que evoluíram para o óbito, talvez seja explicado pelo manejo dispensado ao grupo como um todo, que não levava em conta as limitações fisiopatológicas inerentes à desnutrição. Este fato aponta para a necessidade de melhorar a abordagem médica dessas crianças.
Portanto, a maior parte das crianças tinha idade inferior a 6 meses, precárias condições de habitação e foi desmamada precocemente. Mais de um terço delas teve nascimento prematuro, baixo peso ao nascer e evolução para o óbito. O conhecimento dessas características clínicas e epidemiológicas nos forneceu subsídios para desenvolver um estudo de intervenção, visando testar, em nosso meio, a aplicação do protocolo da OMS para manejo da desnutrição grave, cujos principais objetivos são a redução do risco de óbito e a diminuição da permanência hospitalar.
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Ana Rodrigues Falbo 1 João Guilherme Bezerra Alves 1 - joaoguilherme[arroba]imip.org.br
1 Instituto Materno Infantil de Pernambuco. Rua dos Coelhos 300, Recife, PE 50070-550, Brasil.
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