Crescimento e acúmulo de nitrogênio em cana-de-açúcar cultivada em solo coberto com palhada 



Resumo

Este trabalho teve o objetivo de avaliar a utilização do nitrogênio da uréia e a influência da palhada na produtividade de soqueira de cana-de-açúcar. O experimento foi instalado no campo, num solo Podzólico Vermelho-Amarelo no Município de Piracicaba, SP, com dois tratamentos: mistura de vinhaça e uréia aplicada em toda a área sobre o solo coberto com palhada; uréia enterrada em sulcos nos dois lados das linhas da cana-de-açúcar, com prévia aplicação de vinhaça sobre o solo sem palhada. O delineamento experimental foi o de blocos casualizados, com quatro repetições. Foram realizadas comparações de produtividade da cultura, do acúmulo de N pela parte aérea, da utilização do N da uréia pela cultura ao final do ciclo. O desenvolvimento vegetal foi representado por curvas de acúmulo de massa de material seco e pelos índices fisiológicos de taxa de produção de matéria seca e taxa de crescimento relativo, que foram semelhantes nas condições, com ou sem a presença da palhada de cana-de-açúcar. Do N total acumulado na parte aérea da soqueira de cana-de-açúcar, 10 a 16% foram absorvidos do fertilizante. A eficiência de utilização do N da uréia pela soqueira de cana foi em média de 17%, e não houve diferenças entre os tratamentos.

Termos para indexação: Saccharum officinarum, soqueira, uréia, vinhaça.

Growth and accumulation of nitrogen by sugarcane cultivated in soil covered with cane trash

Abstract

The experiment was carried out to evaluate the use of nitrogen from urea and the influence of the cane trash in the productivity of sugarcane ratoon. It was a field experiment, in a ustalfs soil, in Piracicaba, SP, Brazil, in October 1997, with two treatments: application of a vinasse-urea mixture in the total area of a soil covered with cane trash; and urea buried in furrows in both sides of the cane rows, with previous application of vinasse in a soil without cane trash. A randomized block design with four replications was used. Parameters of crop productivity accumulation of N by the top and use of urea N by the crop were evaluated in each treatment. Plant development was represented by a dry matter mass accumulation and by physiological indexes of dry matter production rate and relative growth rate, which were similar in both conditions, with and without cane trash. From the total N accumulated in the top of the sugarcane ratoon, 10-16% was absorbed from the fertilizer. The mean efficiency of the use of urea N by the sugarcane ratoon was 17%.

Index terms: Saccharum officinarum, ratoon, urea, vinasse.

Introdução

A análise do crescimento da cana-de-açúcar tem permitido avaliar os efeitos de diferentes formas de adubação e tratos culturais. Em um contexto mais geral pode ser estudada a produtividade de culturas em diferentes sistemas de produção. Esta análise do crescimento é realizada por meio de avaliações seqüenciais do acúmulo de fitomassa ou de índices fisiológicos dela obtidos.

Além da taxa de produção de matéria seca (TPMS), índice que avalia o crescimento do vegetal relacionando a quantidade de matéria seca acumulada, em razão da área de solo, por unidade de tempo, outro índice muito utilizado tem sido a taxa de crescimento relativo (TCR), que é definida como o aumento de matéria seca por unidade de matéria seca presente no início de determinado período experimental (Magalhães, 1979; Lucchesi, 1984; Beadle, 1987) e, tanto a TPMS quanto a TCR não requerem, para sua avaliação, conhecimento da área foliar da planta.

Considerando que a análise do crescimento é tida como método-padrão para se medir a produtividade biológica de uma cultura (Magalhães, 1979), seria interessante utilizar este método para avaliar os efeitos causados pela manutenção da palhada da cana-de-açúcar sobre o solo, no sistema de colheita sem prévia despalha a fogo, pois, nos últimos anos, nas diversas regiões canavieiras do centro-sul brasileiro tem havido aumento das áreas onde não mais se pratica a colheita da cana-de-açúcar com a queima prévia da palhada (Alvarez, 1998; Oliveira et al., 1999).

Na Austrália, a colheita mecanizada da cana-de-açúcar sem despalha a fogo vem sendo empregada de modo intensivo há mais de 15 anos, e, em regiões de solos com boa drenagem, os resultados são positivos (Wood, 1991). Em regiões canavieiras do Brasil e do mundo, onde a precipitação pluvial é pequena ou irregular, a presença da palhada sobre o solo também tem contribuído para elevar a produtividade da cana-de-açúcar (Ball-Coelho et al., 1993), principalmente por aumentar a infiltração da água no solo e diminuir a evaporação edáfica. Por outro lado, a presença da palhada na superfície do terreno dificulta o enterramento do adubo no solo, e, como a uréia tem sido o fertilizante nitrogenado mais utilizado na adubação da cana-de-açúcar, grandes perdas de amônia por volatilização podem ocorrer se este fertilizante for aplicado sobre a palhada.

Há possibilidade de se reduzirem as perdas por volatilização de amônia caso a uréia venha a ser aplicada juntamente com um doador de prótons. Assim, a vinhaça, um resíduo da indústria sucroalcooleira, que apresenta pH entre 3,2 e 5,1 e acidez titulável a pH 7,0, na faixa de 0,03 a 0,3 mol L-1 de H+ (Rodella & Ferrari, 1977), pode ser este doador de prótons.

Nos estudos de acúmulo de N pela cana-de-açúcar seria interessante quantificar a contribuição do N do fertilizante para a nutrição nitrogenada da cana-de-açúcar nesses dois sistemas de manejo. Utilizando-se a técnica isotópica com o traçador 15N, é possível determinar esta contribuição através de microparcelas instaladas dentro de parcelas maiores (Trivelin et al., 1995, 1996).

O presente trabalho teve por objetivo avaliar a influência da palhada no crescimento da planta, na acumulação e utilização do N do fertilizante e na produtividade final da soqueira de cana-de-açúcar.

Material e Métodos

A área experimental consistiu de um talhão de cana-de-açúcar de cinco hectares, pertencente à Usina Iracema S/A, de Iracemápolis, SP.

A colheita mecanizada sem a despalha a fogo foi realizada no dia 10 de outubro de 1997, em área cultivada com a variedade SP 80¾1842, no estágio de quarto corte (terceira soca), em solo classificado como Podzólico Vermelho-Amarelo, que apresentou na camada de 0-25 cm: pH (CaCl2) 4,6; P (resina), 13,0 mg dm-3; K, 5,1 mmoldm-3; Ca, 19,0 mmoldm-3; Mg, 10,0 mmoldm-3; CTC, 72,1 mmoldm-3; V (%), 47, e uma composição em areia, silte e argila de 163, 249, 588 g kg-1, respectivamente.

O experimento teve duração de 315 dias. Nesse período, as médias das temperaturas máximas e mínimas foram, respectivamente, de 30,0 e 15,8°C, e a precipitação pluvial no período totalizou 1.335 mm.

O delineamento experimental foi o de blocos casualizados, com quatro repetições, e dois tratamentos: T1) mistura de vinhaça e uréia (100 mha-1 e 100 kg ha-1 de N, respectivamente), aplicada em área total sobre o solo coberto com palhada de cana-de-açúcar, contendo uma microparcela de 2,0 x 1,40 m, onde se aplicou uréia marcada com 15N; T2) uréia enterrada em sulcos com 15 cm de profundidade distantes 25 cm dos dois lados das linhas da cana-de-açúcar (100 kg ha-1 de N), com aplicação preliminar, feita no mesmo dia, de vinhaça (100 mha-1) sobre o solo sem palhada de cana-de-açúcar, contendo também uma microparcela (2,0 x 1,40 m) onde se aplicou uréia marcada com 15N.

A vinhaça aplicada ao solo apresentou, antes da adição de uréia, a seguinte composição química (kg m-3): 0,41 de N; 0,07 de P2O5; 2,72 de K2O; 0,91 de CaO; 0,38 de MgO; e pH de 4,9. Após adição da uréia à vinhaça, a mistura elevou seu teor de N para 1,43 kg m-3. A uréia aplicada nas microparcelas dos tratamentos T1 e T2 apresentava abundância isotópica de 5,802% em átomos de 15N.

Os tratamentos T1 e T2 foram repetidos em cada bloco, para possibilitar a realização de amostragens mensais da fitomassa da parte aérea da soqueira de cana-de-açúcar. Assim foram realizadas avaliações mensais da produção de fitomassa da parte aérea da cana-de-açúcar, do terceiro mês após a adubação, ou 103 DAC (dias após o corte da soqueira), em janeiro de 1998, até o nono mês, ou 299 DAC (julho de 1998), em amostras coletadas em dois metros lineares.

Após a determinação da massa total de matéria fresca, em cada amostra foi retirada uma subamostra, depois de ter sido picada em triturador de forragem. As subamostras foram secadas em estufa de aeração forçada, com temperatura de 60-65oC, até massa constante, e determinou-se a umidade do material fresco e o teor de N (g kg-1) por digestão-destilação Kjeldahl. Com esses resultados, considerando existirem 7.143 m lineares de cana-de-açúcar num hectare, foram estimados a produção média da massa de material seco (t ha-1), e o N total acumulado (kg ha-1) na parte aérea da cana-de-açúcar, nos diferentes estádios de crescimento.

Do terceiro ao nono mês após a adubação, correspondentes ao período de 103 a 299 DAC, foram realizadas coletas mensais de folhas inteiras +3 (folhas com a terceira aurícula visível, segundo o sistema Kuijper) de plantas localizadas no metro central das microparcelas com uréia marcada com 15N, dos tratamentos T1 e T2, e em posições correspondentes nas linhas adjacentes às microparcelas (duas folhas por local). Essas amostras, após serem secadas em estufa e moídas em moinho tipo Willey com peneira de malha No 20, tiveram a abundância de 15N (% em átomos) determinada por espectrometria de massas (Trivelin et al., 1973), no espectrômetro de massas ATLAS CH-4. Esses valores serviram para estimar o N na planta proveniente do fertilizante (NPPF), segundo método adotado por Trivelin et al. (1994).

Para estimar o crescimento quantitativo da parte aérea nos tratamentos T1 e T2, durante o período experimental, utilizou-se a função logística: Y = Ymax/(1 + (DAC/A)B), em que: Y é a matéria seca da parte aérea da soqueira em t ha-1; DAC, dias após o corte da soqueira de cana-de-açúcar; Ymax, matéria seca máxima produzida no período de 299 DAC.

As constantes A e B da função foram estimadas segundo Zullo & Arruda (1987). Assim, foram obtidas duas equações que descreveram a variação, no tempo, da massa seca da parte aérea da soqueira de cana-de-açúcar a partir do 13o dia até os 299 DAC. Os índices fisiológicos utilizados para avaliar possíveis diferenças entre os tratamentos foram a taxa de produção de matéria seca e a taxa de crescimento relativo, obtidos pela manipulação das funções de ajuste, segundo modelo descrito por Lucchesi (1984).

A colheita final das microparcelas adubadas com 15N foi realizada de 16 a 18 de agosto de 1998 (315 DAC), segundo a metodologia definida por Trivelin et al. (1994).

As plantas foram divididas em amostras de folhas secas, colmo e ponteiro (folhas verdes, cartucho e palmito), das quais foi obtida, por pesagem, a massa de material fresco por tratamento. A umidade do material fresco, o teor de N (g kg-1), determinado por digestão-destilação Kjeldahl, e a abundância de 15N (% em átomos), determinada por espectrometria de massas (Trivelin et al., 1973), foram avaliados em subamostras obtidas das amostras totais, após serem passadas em triturador de forragem e secadas em estufa, de aeração forçada com temperatura igual a 60-65°C, até massa constante.

Com os resultados de abundância isotópica de N (% em átomos de 15N), das amostras de folhas +3 das colheitas parciais e da parte aérea da cana-de-açúcar na colheita final, foi calculado NPPF (em % e em kg ha-1), bem como a recuperação porcentual do N de fertilizante (R), conforme Trivelin et al. (1994).

Os valores obtidos das variáveis de resposta foram submetidos à análise de variância, utilizando o teste F, a 95% de confiança. Quanto às causas de variação significativas, em que foi constatado efeito dos tratamentos, realizou-se o teste de Tukey a 5% de probabilidade.

 


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