Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Pessoas que bebem de forma excessiva, quando diminuem o consumo ou se abstêm completamente, podem apresentar um conjunto de sintomas e sinais, denominados Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA). Alguns sintomas, como tremores, são típicos da SAA. Entretanto, muitos outros sintomas e sinais físicos e psicológicos considerados como parte da SAA são insidiosos, pouco específicos, o que torna o seu reconhecimento e a sua avaliação processos complexos, muito mais do que possa ser pensado num primeiro momento.
Uma série de fatores influenciam o aparecimento e a evolução dessa síndrome, entre eles: a vulnerabilidade genética, o gênero, o padrão de consumo de álcool, as características individuais biológicas e psicológicas e os fatores socioculturais. Os sintomas e sinais variam também quanto à intensidade e à gravidade, podendo aparecer após uma redução parcial ou total da dose usualmente utilizada, voluntária ou não, como, por exemplo, em indivíduos que são hospitalizados para tratamento clínico ou cirúrgico. Os sinais e sintomas mais comuns da SAA são: agitação, ansiedade, alterações de humor (irritabilidade, disforia), tremores, náuseas, vômitos, taquicardia, hipertensão arterial, entre outros. Ocorrem complicações como: alucinações, o Delirium Tremens (DT) e convulsões.
Este consenso visa orientar o profissional de saúde na avaliação, diagnóstico e tratamento da SAA e também das complicações clínicas e psiquiátricas associadas. O manejo da SAA é o primeiro passo no tratamento da dependência do álcool e representa um momento privilegiado para motivar o paciente a permanecer em seguimento.
As dificuldades em estabelecer um tratamento farmacológico mais eficaz para a SAA estão ligadas a um, ainda incompleto, entendimento do funcionamento dos neurotransmissores ligados à dependência e à síndrome de abstinência do álcool. O aumento da eficácia e da resposta terapêutica de novas drogas está diretamente relacionado à compreensão dos mecanismos de ação do etanol e dos seus efeitos nos diferentes sistemas de neurotransmissão que ocorrem no sistema nervoso central (SNC). O que se conhece dos sintomas da SAA tem sido explicado pelo fenômeno de neuroadaptação que ocorre no SNC, quando há exposição crônica ao etanol. Tais mecanismos e a associação com as manifestações neurofisiológicas serão descritos a seguir.
2.1. SAA e monoaminas
Os sintomas e sinais da SAA estão relacionados à alteração nos níveis de liberação de noradrenalina e dopamina. A hiperestimulação adrenérgica, que pode ser intensa na SAA, deve-se a uma redução da atividade de adrenoreceptores inibitórios pré-sinápticos do subtipo a2,1 um fenômeno conhecido como down–regulation.
A hiperatividade de receptores NMDA (N–Metil–D–Aspartato) também está relacionada ao aumento da liberação noradrenérgica no locus ceruleus de ratos, observada após a retirada do álcool.2 Alguns trabalhos demonstram que a liberação de dopamina, durante a SAA, apresenta queda a níveis inferiores aos observados no período anterior à exposição crônica ao álcool, por cessação do disparo dopaminérgico na área tegmental ventral.3,4 Esses efeitos são responsáveis por um grande número de reações fisiológicas, tais como:5,6
2. 2. SAA e aminoácidos neurotransmissores
O etanol atua como um antagonista dos receptores NMDA (N-Metil–D-Aspartato), um receptor do tipo excitatório do SNC.7,8 O consumo crônico de bebidas alcoólicas provoca um aumento da densidade desses receptores.9 Estudos em animais têm demonstrado que esse aumento persiste por cerca de 36 horas após a retirada do etanol, período que coincide com o aparecimento das crises convulsivas, fenômeno neurotóxico relacionado à hiperatividade glutamatérgica.
Na SAA há uma hipoatividade GABAérgica. Os receptores GABAA têm uma atividade inibitória e, a medida que deixam de exercer sua atividade durante a SAA, há uma estimulação do SNC. Essa hipoatividade é funcional, uma vez que, diferentemente do que ocorre com os receptores NMDA, não há evidências de alteração no número de receptores GABAA durante a exposição crônica ao álcool.10,11 Há uma redução da densidade de mRNA relacionada ao local de ação dos benzodiazepínicos e do etanol.
2. 3. SAA e canais de cálcio
Com a exposição crônica ao etanol, há uma alteração nos canais de cálcio do tipo L, um dos vários canais de cálcio mais conhecidos. A ação do cálcio nos terminais nervosos é fundamental para a liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica. Diversos estudos têm demonstrado que a administração crônica de etanol leva a uma redução na atividade dos canais de cálcio do tipo L, reduzindo a atividade elétrica dentro do neurônio e, assim, reduzindo a ação de neurotransmissores.12
As alterações na neurotransmissão e os sintomas correspondentes a cada neurotransmissor envolvido na SAA estão representados na Figura 1.
A redução ou a interrupção do uso do álcool em pacientes dependentes produz um conjunto bem definido de sintomas chamado de síndrome de abstinência. Embora alguns pacientes possam experimentar sintomas leves, existem aqueles que podem desenvolver sintomas e complicações mais graves, levando-os até a morte.
O quadro se inicia após 6 horas da diminuição ou da interrupção do uso do álcool, quando aparecem os primeiros sintomas e sinais. São eles: tremores, ansiedade, insônia, náuseas e inquietação. Sintomas mais severos ocorrem em aproximadamente 10% dos pacientes e incluem febre baixa, taquipnéia, tremores e sudorese profusa. Em cerca de 5% dos pacientes não tratados, as convulsões podem se desenvolver. Outra complicação grave é o delirium tremens (DT), caracterizado por alucinações, alteração do nível da consciência e desorientação. A mortalidade nos pacientes que apresentam DT é de 5 a 25%.13 O aparecimento dos sintomas em relação ao tempo após interrompido o uso de bebida alcóolica e a porcentagem dos pacientes que apresentam sintomas da SAA estão ilustrados na Figura 2.
4. Critérios diagnósticos
Os critérios da Classificação Internacional das Doenças em sua décima revisão, CID-10, foram adotados neste consenso como diretrizes no diagnóstico da SAA.
4.1. F 10.3: Síndrome de abstinência
Um conjunto de sintomas, de agrupamento e gravidade variáveis, ocorrendo em abstinência absoluta ou relativa do álcool, após uso repetido e usualmente prolongado e/ou uso de altas doses. O início e o curso do estado de abstinência são limitados no tempo e relacionados à dose de álcool consumida imediatamente antes da parada e da redução do consumo. A síndrome de abstinência pode ser complicada com o aparecimento de convulsões. Os sintomas mais freqüentes são: hiperatividade autonômica; tremores; insônia; alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias; agitação psicomotora; ansiedade; e convulsões tipo grande mal.
O diagnóstico pode ainda ser mais especificado, utilizando-se os seguintes códigos:
F 10.30: Síndrome de abstinência não complicada;
F 10.31: Síndrome de abstinência com convulsões.
A SAA evolui com maior ou menor gravidade e pode ser complicada por delirium tremens, descrito a seguir de acordo com os critérios da CID - 10. Alguns fatores estão associados a uma evolução mais grave, e funcionam como preditores de gravidade da SAA, tais como: história anterior de síndrome de abstinência grave (repetidas desintoxicações); alcoolemia alta sem sinais clínicos de intoxicação; sintomas de abstinência com alcoolemia alta; uso de tranqüilizantes e hipnóticos;e associação de problemas clínicos e psiquiátricos.
4. 2. F 10.4: Síndrome de abstinência com delirium tremens (DT)
Delirium tremens induzido por álcool deve ser codificado aqui. DT é um estado confusional breve, mas ocasionalmente com risco de vida, que se acompanha de perturbações somáticas. É usualmente conseqüência de uma abstinência absoluta ou relativa de álcool em usuários gravemente dependentes, com uma longa história de uso. O início usualmente ocorre após abstinência de álcool. Em alguns casos o transtorno aparece durante um episódio de consumo excessivo de bebidas alcoólicas, em cujo caso deve ser codificado aqui. Os sintomas prodrômicos tipicamente incluem: insônia, tremores e medo. O início pode também ser precedido de convulsões por abstinência. A clássica tríade de sintomas inclui obnubilação de consciência, confusão, alucinações e ilusões vívidas, afetando qualquer modalidade sensorial e com tremores marcantes. Delírios, agitação, insônia ou inversão do ciclo do sono e hiperatividade autonômica estão também usualmente presentes.
Exclui: Delirium não induzido por álcool.
4.2.1. Curso do delirium tremens
Instalação: 1 a 3 dias.
Duração: 1 semana a dois meses (maioria entre 10 e 12 dias).
Idosos: curso mais prolongado; maior risco de mortalidade; maior número de complicações; mais freqüentemente a recuperação não é total.
A avaliação inicial de um paciente que refere uso crônico de álcool deve ser muito cuidadosa e detalhada.14 A partir dessa investigação criteriosa é possível que se determine o nível de comprometimento no momento da intervenção, os problemas relacionados a esse uso e à presença ou não de complicações e comorbidades associadas.15 Essa etapa determinará um diagnóstico mais preciso e um encaminhamento mais adequado para o tratamento subseqüente e, portanto, ela deve ser direcionada por dois vetores fundamentais: (1) a avaliação da SAA e (2) a avaliação dos problemas associados ou não ao consumo (Figura 3).
5.1. Avaliação da síndrome de abstinência do álcool (SAA)
5.1.1. Anamnese
Uma história completa sobre o paciente, levando em conta suas várias dimensões, deve ser recolhida, com o objetivo de avaliar o paciente como um todo. Não existem sinais ou sintomas patognomônicos da SAA. Ela é uma síndrome e, portanto, todas as condições clínicas associadas e os diagnósticos diferenciais deverão ser buscados nessa etapa inicial. A maior parte das complicações associadas à SAA ocorrem devido a uma avaliação inadequada. Um paciente com SAA quase sempre tem alguma outra intercorrência clínica associada.
5.1.2. História do uso de álcool
Deve-se buscar informações básicas sobre o padrão de consumo dos últimos anos, avaliando a quantidade e a freqüência do beber. Além disso, o padrão de consumo mais recente deve ser cuidadosamente investigado, em especial o último consumo ou diminuição dele (ver sinais e sintomas da SAA). O diagnóstico pelo CID-10 de uso nocivo ou dependência do álcool deve ser buscado.
A partir do diagnóstico da SAA, dois tipos de avaliações mais pormenorizadas deverão ser as próximas etapas: o diagnóstico da gravidade da SAA e o diagnóstico de eventuais comorbidades clínicas e/ou psiquiátricas. Levando em consideração sua complexidade, classificou-se o comprometimento do usuário em dois níveis: leve/moderado e grave. Essa categorização referendará o paciente para o melhor tratamento, de acordo com a disponibilidade da rede de serviços de saúde de cada local e de seu sistema familiar/social.
Considerou-se nesse consenso, para a determinação dos níveis de comprometimento do indivíduo pelo álcool, aspectos biológicos, psicológicos e sociais decorrentes do uso da substância. Os aspectos comórbidos também foram considerados, pois influenciam diretamente a SAA. Essa visão biopsicossocial da síndrome de abstinência decorre do próprio conceito de síndrome de dependência e permite um diagnóstico mais amplo e adequado.16 O encaminhamento para o tratamento subseqüente será realizado, ajustando-se o tipo de intervenção às necessidades de cada paciente, aplicando-se, assim, o pareamento.17
Levando em consideração a complexidade do diagnóstico, é possível classificar o comprometimento do usuário crônico de álcool em dois níveis: leve/moderado e grave. A partir dessa classificação, o paciente será encaminhado para o melhor tratamento, de acordo, também, com a disponibilidade da rede de serviços de saúde de cada local. O paciente poderá apresentar um comprometimento em:
Nível I – Quando o comprometimento é leve/moderado e, portanto, apresenta uma síndrome de abstinência leve/moderada, compreendendo os seguintes aspectos:
Para os pacientes classificados como nível I a intervenção deverá ser psicoeducacional e clínica, isso é, o paciente deve ser informado com clareza sobre o diagnóstico, recebendo orientações sobre a dependência do álcool e sobre a síndrome de abstinência, além de tratamento específico para a fase de privação aguda de acordo com a necessidade. O encaminhamento será direcionado para o tratamento ambulatorial especializado, com ou sem desintoxicação domiciliar.18
Nível II – Quando o comprometimento é grave e, portanto, apresenta uma síndrome de abstinência grave com os seguintes aspectos:
Para os pacientes nível II, a emergência clínica-psiquiátrica será a melhor intervenção, solicitando-se a presença imediata de familiares ou amigos para orientação quanto à gravidade do quadro. O paciente será encaminhado para tratamento hospitalar especializado, sendo que a família deverá receber uma intervenção psicoeducacional sobre o transtorno, concomitantemente.
A Figura 4 sintetiza os níveis de gravidade da SAA.
Educação em saúde é fundamental para assegurar não só o entendimento do cliente, como também de sua família, sobre os problemas relacionados ao uso crônico de álcool. Assim como é imprescindível a orientação do paciente sobre o seu problema, a família, parte integrante dessa disfunção, precisa ser informada e encaminhada para um tratamento mais intensivo, se necessário. Em qualquer dos níveis de comprometimento que o indivíduo se apresente, é essencial trabalhar os conceitos de síndrome de dependência e abstinência alcoólica, com objetivo claro de desenvolver, nesse sistema familiar, a crítica sobre seu papel nesse transtorno, como também promover sua mudança de pensamento e comportamento. Trabalhar a auto- estima e a importância da desintoxicação, assim como a prevenção da recaída, são estratégias a serem adotadas nessa fase inicial do tratamento, não só com o paciente, como também com seu sistema familiar e social.
A idéia da avaliação dos tratamentos em todos os países é muito clara, pois todos concordam que não há uma forma de tratamento única e ideal para todas as pessoas com problemas devidos ao uso do álcool e de outras drogas.19 A escolha do melhor tratamento depende de um diagnóstico precoce e adequado, e isso decorre de uma metodologia de avaliação rigorosamente organizada. Atualmente, esse é o principal desafio nas pesquisas em desenvolvimento.20
Portanto, diferenciar os tratamentos e parear os indivíduos de acordo com suas peculiaridades podem melhorar o resultado da intervenção.21 O pareamento do paciente com o tipo de abordagem, como uma forma de melhorar a efetividade, foi sugerido desde Jellinek em 1941. Para o sucesso da proposta de tratamento, muitos aspectos têm que ser levados em consideração.22 Aproximar as características do tratamento com as peculiaridades do paciente pode determinar resultados diferentes em relação à efetividade.23 Assim, não existe uma forma única de tratamento, nem a melhor. Cada vez mais, a idéia de parear o paciente segundo suas características pessoais e o tipo de abordagem vêm orientando os diversos serviços na busca de uma efetividade satisfatória e de uma melhor relação custo-benefício.17
O ambulatório é uma intervenção não intensiva, menos estruturada, em relação à internação, pois utiliza menos recursos. É segura e menos dispendiosa, sendo considerada a mais popularmente difundida, tratando 90% dos pacientes dependentes de álcool.24 Para pacientes com síndrome de abstinência leve/moderada, sem comorbidades clínicas e/ou psiquiátricas graves, essa intervenção é adequada e sem riscos. É um tratamento menos estigmatizante, promovendo a manutenção do indivíduo no seu sistema familiar, social e profissional, além de possibilitar a participação mais ativa da família no tratamento.25-27
O hospital é um tratamento mais estruturado e intensivo e, portanto, mais custoso, mas tem se mostrado tão efetivo como o ambulatório. Está indicado para pacientes com síndrome de abstinência grave; em casos de comorbidades clínicas e/ou psiquiátricas graves com remissão prolongada; em dependentes graves que não se beneficiaram de outras intervenções; para aqueles que usam múltiplas substâncias psicotrópicas, e também para aqueles que apresentam comportamento auto ou heteroagressivo. A disfunção grave de sistema familiar e social pode ser determinante de encaminhamento para o modelo hospitalar.28,29
As principais complicações e/ou comorbidades clínicas associadas à SAA estão descritas nas tabelas abaixo e devem ser pesquisadas.
Abaixo estão listadas as principais condições clínicas que deveriam ser levadas em consideração como diagnóstico diferencial da SAA.
10. Avaliação laboratorial
Para complementar a avaliação inicial é necessário que se realize alguns exames laboratoriais com o objetivo de investigar adequadamente as alterações orgânicas decorrentes da dependência do álcool e que influenciam a síndrome de abstinência. Os exames indicados são: o volume corpuscular médio (VCM); os níveis das enzimas hepáticas (TGO,TGO,GGT); e eletrólitos, como o magnésio, o sódio e o potássio.
Para o diagnóstico diferencial das complicações podem ser solicitados outros exames: radiografia ou ultrassonagrafia de tórax, abdome e/ou crânio ou tomografia computadorizada de crânio.
Os objetivos do tratamento da síndrome de abstinência do álcool são: 1. o alívio dos sintomas existentes; 2. a prevenção do agravamento do quadro com convulsões e delirium; 3. a vinculação e o engajamento do paciente no tratamento da dependência propriamente dita; 4. a possibilidade de que o tratamento adequado da SAA possa prevenir a ocorrência de síndromes de abstinência mais graves no futuro.
11.1. Planejamento geral do tratamento
Serão considerados três níveis de atendimento, com complexidade crescente: tratamento ambulatorial, internação domiciliar e internação hospitalar. O tratamento pode ser dividido em não-farmacológico (que inclui os cuidados gerais e orientações) e farmacológico. Esse último pode ser subdividido em tratamento farmacológico clínico (como a reposição de vitaminas) e psiquiátrico (uso de substâncias psicoativas).
Dentre as medidas do tratamento não-farmacológico, destacamos o monitoramento freqüente do paciente; tentativas de propiciar um ambiente tranqüilo, não estimulante, com luminosidade reduzida; fornecimento de orientação ao paciente (com relação a tempo, local, pessoal e procedimentos); limitação de contatos pessoais; atenção à nutrição e à reposição de fluidos; e reasseguramento dos cuidados e encorajamento positivo.
Embora haja consenso sobre a necessidade da reposição de vitaminas (sobretudo a tiamina) durante o tratamento da SAA, ainda existe controvérsia a respeito de doses preconizadas e mesmo quais as vitaminas a serem repostas. A absorção oral de medicamentos pode estar prejudicada nos primeiros dias da SAA, devendo, portanto, proceder a administração parenteral nesse período.
Dentre os psicofármacos utilizados, os benzodiazepínicos (BZD) são a medicação de primeira escolha para o controle dos sintomas da SAA. De modo geral, os compostos de ação longa são preferíveis, sendo os de ação curta mais indicados nos casos de hapatopatia grave. Esquemas de administração são planejados de acordo com a intensidade dos sintomas, pois permitem uma utilização de doses menores de medicação, quando comparados aos esquemas posológicos fixos. Ou seja, devemos buscar a dose adequada para a intensidade de sintomas de cada paciente.
11.1.1. Tratamento ambulatorial
Ao receber o paciente, a atitude do profissional de saúde deve ser acolhedora, empática e sem preconceitos. O tratamento da SAA (quadro agudo) é um momento privilegiado para motivar o paciente para o tratamento da dependência (quadro crônico). Deve-se esclarecer a família e, sempre que possível, o próprio paciente sobre os sintomas apresentados, sobre os procedimentos a serem adotados e sobre as possíveis evoluções do quadro. Deve ser propiciado ao paciente e à família o acesso facilitado a níveis mais intensivos de cuidados (serviço de emergência, internação) em casos de evolução desfavorável do quadro. É importante ainda reforçar a necessidade de comparecimento nas consultas remarcadas, que serão tão freqüentes quanto possível, nos primeiros 15 dias do tratamento.
Abordagem não-farmacológica:
Abordagem farmacológica:
Ocorrendo falha (recaída ou evolução desfavorável) dessas abordagens, a indicação de ambulatório deve ser revista, com encaminhamento para modalidades de tratamento mais intensivas e estruturadas.
11.1.2. Internação domiciliar
O paciente deve permanecer restrito em sua moradia, com a assistência dos familiares. Idealmente, o paciente deverá receber visitas freqüentes de profissionais de saúde da equipe de tratamento. Deve ser propiciado ao paciente e à família o acesso facilitado a níveis mais intensivos de cuidados (serviço de emergência, internação) em casos de evolução desfavorável do quadro.
Abordagem não-farmacológica:
Abordagem farmacológica:
Na recaída ou evolução desfavorável, está indicado o tratamento hospitalar.
11.1.3. Tratamento hospitalar
Essa modalidade é reservada aos casos mais graves, que requerem cuidados mais intensivos. Doses mais elevadas de BZDs são geralmente necessárias e sua prescrição deve ser baseada em sintomas avaliados de hora em hora. Deve ser dada atenção especial à hidratação e correção de distúrbios metabólicos (eletrólitos, glicemia, reposição vitamínica). Em alguns casos, a internação parcial (hospital dia ou noite) pode ser indicada, e, nesses casos, a orientação familiar sobre a necessidade de comparecimento diário deve ser reforçada e a retaguarda para emergências deve ser bem esclarecida. A utilização de "bafômetro", quando esse recurso está disponível, pode ser feita na chegada do paciente na unidade.
Abordagem não-farmacológica:
Contenção física
Os pacientes agitados que ameaçam violência devem ser contidos, se não forem suscetíveis à intervenção verbal. A contenção deve ser feita por pessoas treinadas, preferivelmente com quatro ou cinco pessoas. É muito importante explicar ao paciente o motivo da contenção.
Os pacientes devem ser contidos com as pernas bem afastadas e com um braço preso em um lado e o outro preso sobre a sua cabeça. A contenção deve ser feita de modo que as medicações possam ser administradas. A cabeça do paciente deve estar levemente levantada para diminuir a sensação de vulnerabilidade e reduzir a possibilidade de aspiração.
A contenção deve ser removida, uma de cada vez a cada cinco minutos, assim que o paciente seja medicado e apresente melhora do quadro de agitação. Todo o procedimento deve ser documentado em prontuário.
Abordagem farmacológica:
A administração de BDZs por via intravenosa requer técnica específica e retaguarda para manejo de eventual parada respiratória. Deve-se administrar no máximo 10mg de diazepam durante 4 minutos, sem diluição.
11.2. Manejo das complicações
Convulsões: a maioria das crises é do tipo tônico-clônica generalizada. As crises convulsivas correspondem a uma manifestação relativamente precoce da SAA, mais de 90% ocorrem até 48 horas após a interrupção do uso de álcool (pico entre 13 e 24 horas) e estão associadas com evolução para formas graves de abstinência. Cerca de 1/3 dos pacientes que apresentam crises evoluem para delirium tremens, se não forem tratados. Em 40% dos casos, as crises ocorrem isoladamente. Nos pacientes que apresentam mais de uma crise, elas ocorrem geralmente em número limitado. Quando houver história prévia de epilepsia, devem ser mantidos os medicamentos já utilizados pelo paciente. O diazepam (ou um BDZ de ação longa) é a medicação de escolha, na dose de 10 ou 20 mg, via oral. O uso endovenoso é especialmente indicado durante os episódios convulsivos. Não há consenso para a indicação de carbamazepina no tratamento de crises convulsivas da SAA. A literatura não respalda a utilização de defenil-hidantoína (fenitoína) no tratamento dessa complicação da SAA.
Delirium Tremens: forma grave de abstinência, geralmente iniciando-se entre 1 a 4 dias após a interrupção do uso de álcool, com duração de até 3 ou 4 dias. É caracterizado por rebaixamento do nível de consciência, com desorientação, alterações sensoperceptivas, tremores e sintomas autonômicos (taquicardia, elevação da pressão arterial e da temperatura corporal). Doses elevadas de BDZ são necessárias, mas o uso associado de neurolépticos é geralmente indicado. O tratamento farmacológico inclui: diazepam 60mg por dia (ou lorazepam até 12mg por dia, em casos de hapatopatia grave) e haloperidol 5mg por dia. No caso de ocorrer distonia induzida por neurolépticos (particularmente se forem administrados por via parenteral), esse efeito colateral pode ser controlado com o uso de anticolinérgicos (biperideno 2mg);
Alucinose alcoólica: quadro alucinatório predominantemente auditivo, com sons do tipo cliques, rugidos, barulho de sinos, cânticos e vozes. As alucinações podem ser também de natureza visual e tátil. Os pacientes podem apresentar medo, ansiedade e agitação em decorrência dessas experiências. Uma característica peculiar desse tipo de fenômeno é que ocorre na ausência de rebaixamento do nível de consciência e evolui sem alterações autonômicas óbvias. É tratado com neurolépticos, particularmente o haloperidol 5mg ao dia, por seu menor potencial de induzir convulsões. Neurolépticos podem induzir distonias agudas e outros distúrbios de movimento, que podem ser tratados com anticolinérgicos.
11.3. O que não fazer
Ao lado, na Figura 5, planos de tratamento, contra-indicações e o manejo das complicações estão resumidos para consulta.
Referências
1. Nutt DJ, Glue, P, Molyneux S, Clark E. Alpha –2-adrenoceptor activity in alcohol withdrawal: a pilot study of the effects of i.v. clonidine in alcoholics and normals. Alcohol Clin Exp Res 1988;12:14-8.
2. Engberg G, Halos M. Ethanol attenuates the response of locus ceruleos neurons to excitatory amino acid agonists in vivo. Naunym Sch Arch Pharm 1992;345:222-6.
3. Diana M, Gessa GL, Rossetti ZL. Lack of tolerance to ethanol-induced stimulation of dopamine mesolimbic system. Alcohol Alcohol 1992;27(4):329-33.
4. Rossetti ZL, Melis F, Diana M, Gessa GL. Alcohol withdrawal in rats is associated with a marked fall in extraneuronal dopamine. Alcohol Clin Exp Res 1992;16:529-32. [ Medline ]
5. Major LF, Hawley RJ, Linnoila M. The role of the central adrenergic system in the mediation of the ethanol intoxication and ethanol witthdrawal syndrome. Psychofarmacol Bull 1984;20(3):487-93.
6. DePetrillo PB, McDonough MK. AWS and the AWS typology. In: Alcohol Withdrawal Treatment Manual. Adobe Trade Markers; 1999. p. 7-17.
7. Carboni S, Isola R, Gessa GL, Rossetti ZL. Ethanol prevents the glutamate release induced by N-methil-D-aspartate receptors in the rat striatum. Neur Letters 1990;152:133-6.
8. Matsumoto I. Molecular neurobiology of alcohol withdrawal. J Neurochem 1998;70(Suppl 2):S45.
9. Rossetti ZL, Carboni S. Ethanol Withdrawal is associated with increased extracellular glutamate in the rat striatum. Eur J Pharmacol 1995;283(1-3):177-83.
10. Morrow AL, Montpied P, Lingford-Hughes A, Paul SM. Chronic ethanol and pentobarbital administration in the rat. Alcohol 1990;7:237-44. [ Medline ]11. Devaud LL, Fritschy JM, Sieghart W, Morrow AL. Bi-directional alterations of GABAA receptor subunit peptide levels in rat cortex during chronic ethanol consumption and withdrawal. J Neurochem 1997;69:126-30.
12. Lovinger DM. Alcohols and neurotransmitter gated ion channels: past, present and future. Naunym Sch Arch Pharm 1997;356(3):267-82.
13. Trevisan L, Boutros N, Petrakis I, Krystal J. Complications of alcohol withdrawal: pathophysiological insights. Alcohol Health Res World 1998;22(1):61-6.
14. Romach MK, Sellers EM. Management of the Alcohol Withdrawal Syndrome. Annu Rev Med 1991;42:323-40. [ Medline ]
15. Williams D, Mcbride A. The drug treatment of alcohol withdrawal symptoms: a systematic review. Alcohol & Alcoholism 1998;33(2):103-15.
16. [ASAM] American Society of Addiction Medicine, Inc. The principles update series: topics in addiction medicine. Vol 1:2. Detoxification: principles and protocols. Maryland: Chevy Chase; 1997.
17. Mattson ME, Del Boca FK, Carroll KM, Cooney NL, Diclemante CC, Donovan D et al. Compliance with treatment and follow-up protocols in project MATCH: predictors and relationship to outcome. Acohol Clin Exp Res 1994;22(6):1328-39.
18. Bartu A, Saunders W. Domiliciary Detoxification: a cost effective alternative to inpatient treatment. Aust J Adv Nurs 1994;11:4.
19. Hester RK, Miller WR. Self control training. In: Hester RK, Miller WR, eds. Handbook of alcoholism: effective alternatives. New York: Pergamon Press; 1989. p.141-9.
20. Mattson ME, Allen JP. Research on matching alcoholic patients to treatments: Findings, issues and implications. J Addict Des 1991;11:33-49.
21. Miller WR, Sanchez-Craig M. How to have a high success rate in treatment: advice for evaluators of alcoholism programs. Addict 1996;91:779-85.
22. Longabaugh R, Wiritz P, Diclement C, Litt M. Issues in the development of client-treatment matching hypotheses. J Stud Alcohol 1994;12(Suppl):46-59.
23. Ogborne AC, Kaprur BM, Newton, Taylor B. Characteristic of drug users admitted to school detoxification centers. Am J Drug Alcohol Abuse 1992;18:177-86.
24. Collins MN, Burns T, Peter AH, Berk VD, Tubman GFA. Structured Programme for Out-patient Alcohol Detoxification. Br J Psychiatr 1993;156:871-4.
25. Abbott PJ, Quinn D, Knox L. Ambulatory Medical Detoxification for Alcohol. Am J Drug Alcohol Abuse 1995;21(4):549-63. [ Medline ]
26. Fleeman ND. Alcohol home detoxification: a literature Review. Alcohol & Alcoholism. Med Counc Alcohol 1997;32(6):649-56
27. Wiseman EJ, Henderson KL, Briggs MJ. Outcomes of patients in a VA ambulatory detoxification program. Psychiatric Serv 1997;48(2):200-3.
28. Mckay JR, Cacciola JS, Mclellan AT, Alterman AI, Wirtz PW. An initial evaluation of the psychosocial dimensions of the American Society of Addiction Medicine criteria for inpatient versus intensive outpatient substance abuse rehabilitation. J Stud Alcohol 1997;58(3):239-52 [ Medline ]
29. Mckay JR, Alterman AI, Mclellan AT, Snider EC. Treatment goals, continuity of care, and outcome in a day hospital substance abuse rehabilitation program. Am J Psychiatry 1994;151(2):254-9. [ Medline ]
Ronaldo Laranjeira (SP), Sérgio Nicastri (SP), Claudio Jerônimo (SP), Ana C Marques (SP) e equipe
laranjeira[arroba]uniad.org.br
Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|