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É sabido, por meio da literatura educacional, da existência de uma prática pedagógica recorrente que se orienta pelo modelo de educação tradicional, pautando-se na desvinculação dos principais aspectos da vida cotidiana do aluno enfatizando a predominância do conhecimento científico proposto nos livros didáticos. Tal prática ancora-se, principalmente, no fato de que o ensino desta natureza não impede a instauração de um espaço para a indagação, pesquisa e questionamento na sala de aula, centrando-se apenas na memorização dos conteúdos e simplificando, assim, o trabalho docente.
Nesse sentido, o modo de compreensão do ensino de conceitos científicos na escola coloca como fundamental o papel do professor, o qual, segundo Freire (1996, p.52), deve saber que "(...) ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção". E para alcançar este propósito, faz-se necessário uma instrumentalização teórica e metodológica do professor para poder desenvolver as potencialidades do aluno nas diferentes áreas de formação.
A reciprocidade entre os saberes da vida cotidiana e o conhecimento científico é contemplado de forma enfática na Teoria da Aprendizagem Significativa proposta por Ausubel: "A atribuição de significados às novas informações por interação com significados claros, estáveis e diferenciados já existentes na estrutura cognitiva do aluno, (...) e a internalização destes depende da interação social..." (MOREIRA, 1977, p.27).
Com efeito, a transposição da aprendizagem do conhecimento cotidiano em conhecimento científico requer da escola a promoção da inter-relação entre a cultura social e a escolar, mediada pelo professor (ARNAY, 1998). Este entendimento encontra ressonância nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia para o Ensino Fundamental: "professores e alunos deverão procurar entender que ambas – sociedade e natureza – constituem a base material ou física sobre a qual o espaço geográfico é construído" (BRASIL 2000, p. 115).
Uma prática docente comprometida com a aprendizagem de conceitos deve possibilitar a implementação de procedimentos como:
(...) observação, descrição, experimentação, analogia e síntese devem ser ensinadas para que os alunos possam aprender a explicar, compreender e até mesmo representar os processos de construção do espaço e dos diferentes tipos de paisagens e território (BRASIL, 2000, p. 115-116).
Ademais, a tarefa de ensinar desafia o professor a criar inúmeras possibilidades no cotidiano, a fim de desenvolver as potencialidades do aluno privilegiando o fato de que a aprendizagem acontece nas mais variadas situações, sendo, desta forma, significativa.
2.1 A Teoria de ensino e Aprendizagem Significativa como possibilidade para aquisição de conceitos
A Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel apresenta um importante aspecto sobre o conceito de aprendizagem significativa: " (...) é um processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo" (MOREIRA & MASINI, 1982, p.7). Para estes autores, a aprendizagem se dá quando é possível estabelecer uma relação entre os conhecimentos preexistentes na estrutura cognitiva do sujeito que aprende e a nova informação que lhe é apresentada. Partindo deste pensamento, a aprendizagem de conceitos na escola deve ser trabalhada de forma que os alunos estabeleçam uma relação entre os conhecimentos adquiridos, na vida cotidiana e o conhecimento científico apresentado neste contexto.
Os conceitos consistem nas abstrações dos atributos essenciais que são comuns a uma determinada categoria de objetos, eventos ou fenômenos, independentemente da diversidade das dimensões outras que não aquelas que caracterizam os atributos essenciais compartilhados por todos os membros da categoria (AUSUBEL et alii, s/d, p.72).
Segundo MOREIRA & MASINI (1982), a Teoria da Aprendizagem Significativa apresenta dois processos distintos na aquisição de conceitos, a saber: a formação e a assimilação. No presente estudo, limitaremo-nos ao processo de assimilação, visto que os participantes são da 4ª série do ensino fundamental.
A formação de conceitos "característica na criança em idade pré-escolar, é a aquisição espontânea de idéias genéricas por meio da experiência empírico-concreta"(...) e a assimilação de conceitos é caracteristicamente, "a forma pela qual as crianças mais velhas, bem como os adultos, adquirem novos conceitos pela recepção de seus atributos criteriais e pelo relacionamento desses atributos com idéias relevantes já estabelecidas em sua estrutura cognitiva" (MOREIRA& MASINI, 1982, p. 10).
A assimilação de conceitos não-espontâneos torna-se predominante na adolescência e em indivíduos que passam pelo processo de escolarização. Essa assimilação permite relacionar os atributos do novo conceito em sua estrutura cognitiva, de modo distanciado da percepção imediata do objeto ou fenômeno.
O papel do professor na facilitação da Aprendizagem Significativa de conceitos é imprescindível, pois é ele o agente que deve atuar como organizador prévio na criação de possibilidades de aprendizagem do aluno, e que, segundo Moreira (1999, p. 162) envolve quatro tarefas fundamentais:
- Identificar os princípios unificadores, inclusivos, mais gerais, que possam construir a ponte entre os conhecimentos prévios e o conhecimento escolar.
- Identificar quais os subsunsores relevantes à aprendizagem do conteúdo a ser ensinado, que o aluno deveria ter em sua estrutura cognitiva.
- Diagnosticar aquilo que o aluno já sabe.
- Auxiliar o aluno a assimilar a estrutura da matéria de ensino e organizar sua própria estrutura cognitiva, nesta área do conhecimento, por meio da aquisição de significados claros, estáveis e transferíveis. E sendo assim, é preciso considerar a estrutura conceitual e estrutura cognitiva do aluno no início da instrução e tomar as providências adequadas se a estrutura cognitiva do aluno não for adequada.
Segundo Pozo (1998), a assimilação é o processo pelo qual o sujeito interpreta as informações que provém do meio, em função de seus esquemas ou estruturas conceituais disponíveis, possibilitando, desta forma, aquilo que Piaget conceitua como " integração de elementos exteriores e estruturas em evolução ou já acabadas no organismo" (Pozo, 1998 p. 178) e este processo requer do aluno o enfrentamento de desafios e problemas.
Dessa forma, a acomodação pressupõe não somente uma modificação dos esquemas prévios em função da informação assimilada, mas também uma nova assimilação, ou reinterpretação dos dados ou conhecimentos anteriores em função dos novos esquemas construídos. Os processos de assimilação e acomodação são indissociáveis no processo de aquisição de conhecimento (POZO, 1998).
A fim de investigar a concepção de relevo dos alunos do ensino fundamental e descobrir como eles estabelecem a relação entre conhecimento cotidiano e conhecimento escolar, delimitamos como objeto uma escola pública em Cáceres-MT, do qual participaram: dez alunos voluntários de duas turmas na faixa etária entre 10 e 11 anos, matriculados na 2ª fase do 2º ciclo do Ensino fundamental.
Partimos da descrição da representação da terra, procurando identificar os atributos elaborados pelo aluno sobre o conceito de relevo e, posteriormente, identificar a existência da relação entre o conhecimento cotidiano e o conhecimento aprendido na escola
No que se refere à coleta de dados, faz-se necessário a apresentação detalhada dos procedimentos metodológicos utilizados durante essa fase a fim de mostrar os caminhos trilhados durante a pesquisa:
1) A coleta de dados foi realizada por meio de desenhos e entrevistas organizadas em etapas seqüenciais. Em primeiro lugar, solicitamos que os alunos demonstrassem, por meio de falas e desenho, as representações que possuíam sobre a superfície da terra explicando os significados atribuídos às mesmas;
2) apresentamos o globo terrestre e pedimos que observassem primeiro a legenda e posteriormente toda a dimensão e variações percebidas na terra por meio do globo, e, ainda, que fossem tecendo as considerações sobre o que percebiam;
3) apresentamos quatro figuras com diferentes formas de relevo e solicitamos que explicassem o que percebiam em cada uma delas, exercício que nos possibilitaria identificar as relações que estabeleciam entre as figuras apresentadas e as formas de relevo existentes na superfície terrestre;
4) solicitamos que os alunos localizassem os seus próprios desenhos no globo terrestre ou nas gravuras apresentada pelo pesquisador;
5) por último, buscamos levantar as informações existentes relativas à aprendizagem do conceito de relevo na escola e a possível relação com os elementos vistos e desenhados. Apresentamos, ainda, uma imagem da terra feita por satélite, e procuramos identificar a leitura das cores e formas apresentadas na imagem.
Apresentamos a atividade de descrição e análise dos dados a partir da categorização dos dados resultantes das respostas de cada questão, seguida de algumas falas dos participantes ilustrando os elementos e categorias descritos, e, por último, a análise.
Relação referente à representação dos alunos sobre a terra |
Sujeitos |
Total |
|
1. Elementos |
Físicos |
1; 2; 3; 5; 6; 7; 8; 9; 10 |
9 |
Humanos |
1; 2; 5; 8; 9; |
5 |
|
2. Lugar |
Superfície |
1; 2; 3; 4; 5; |
5 |
Profundidade |
2; |
1 |
|
3. Forma |
Redonda |
5; 6; 10 |
3 |
Tabela 1 – Representações dos alunos sobre a Terra por meio de entrevista.
A tabela 1 descreve as representações dos alunos sobre a terra, apresentando uma percepção que pode ser classificada em três níveis, que explicitamos a seguir com exemplos de cada:
1º) O grupo de alunos que concebe a terra como um amontoado de elementos físicos e humanos, a partir da percepção imediata da realidade que o cerca.
A1: Imagino que a terra é um lugar bem grandão que tem muitas casas, muitos passarinhos e muitos buquê de flores. Tem muitas pessoas, muitas amizades. Tem minhocas, formigas, tem muitos bichinhos.
A3: Imagino que é cheia de floresta, animais, pessoas. É... [ pensando] flores, pássaros e muitas coisas bonitas. [ pensando de novo], Imagino que tem montanhas, rios, mares, peixes e só!
A4: Acho que é... cheio de ... imagino na cabeça que é um mundo sem fim! Cheia de pedras e terras... (...) Não...
2º) Encontram-se os alunos que demonstraram uma percepção da terra composta por um lugar formado por superfície com dimensão e profundidade.
A2: A terra é assim, por fora ela é toda marrom e por dentro ela é meio vermelha. Como, por fora? Por causa que a gente pisa...é de um jeito quando a gente faz buraco é vermelho e mina água. Por fora é em cima. É o lugar que a gente [...]
A3: Ela é preta em baixo e verde com capim em cima.... Eu imagino que ela é redonda e tem árvores, tem casas e tem pássaros. Pode falar coisas que vivem por elas? [ Fica pensando... e acrescenta] e só!
3º) Encontram-se os alunos que possuem indícios de concepção da terra como planeta.
A5: Ela é preta em baixo e verde com capim em cima.... Eu imagino que ela é redonda e tem árvores, tem casas e tem... pássaros. Pode falar coisas que vivem por elas? Fica pensando... e acrescenta: e só!
A6: A terra é redonda e tem muitas terra e planta e areia.
A10: Eu imagino a terra redonda, achatada nos pólos. Azul de rios e mares. [ Como achatada nos pólos?] Não é tão redonda e nem tão quadrada... as beiradinhas!
A partir da questão acima, foi possível perceber que as representações dos alunos sobre a terra expressavam uma concepção difusa da superfície terrestre, evidenciada nos exemplos das falas dos alunos explicitadas acima.
2) Pesquisadora: como você imagina que é a terra? Desenhe para mim. Agora me explique o seu desenho.
Representação da terra relacionando desenho e explicação |
Sujeitos |
Total |
Representação de paisagem localizada |
1; 2; 3;5; 6; 9; |
6 |
Representação da paisagem global |
4; 7; |
2 |
Representação da terra como planeta |
8; 10 |
2 |
Tabela 2 – Representação da terra por meio de desenhos.
As representações da terra apresentadas nos desenhos expressam três níveis de abstração em relação ao conceito de Terra.
1º) Agruparam-se os alunos que se detiveram na descrição dos elementos físicos e humanos que compõem a paisagem, ilustrada nos exemplos a seguir:
A1: Aqui a terra... A casa... as folhas, o pé de coqueiro, os passarinhos e o sol. Um vaso de planta.
A3: Uma floresta cheia de borboletas, flores, frutas é... mais bonita. Uma floresta sem ninguém cortar as árvores, sem desmatar, sem derrubar os troncos das árvores. Só isso!
A6: Aqui, planta, a casa, o céu, a lua e o sol ... é o que eu imagino que é a terra (...)
2º) Apresenta os alunos que demonstraram uma percepção global da terra, explicitadas nas falas dos participantes:
A4: Duas pedras lá dentro! Formigas em baixo ou em cima... tanto faz... aqui embaixo é água...
A7: Cheia de países, montanhas, desertos, florestas, árvores, caatingas... e cheia de água (...)
3º) Refere-se aos alunos que expressam a terra como planeta que comporta elementos físicos e humanos:
A8: É o mundo, a terra onde os meninos tão brincando daquele jogo... tem uma rede no meio. A casa minha. Aqui tá eu e minha irmã brincando. Só isso. Tem um céu que eu desenhei aqui, ó... (...)
A10: o verde são as matas; o azul, rios, mares e oceanos ... Tudo isso é a terra! E o marrom são as ilhas!
3) Pesquisadora: como é a superfície da terra? (mostrando o globo)
Critérios atribuídos à superfície terrestre em situação de observação do globo |
Sujeitos |
Total |
|
1) Presença de elementos (leitura do globo) |
Países |
1; 2; 3; 5; 6; 8; 9 |
7 |
Água |
|||
Montanhas |
|||
Vegetação |
|||
Desertos |
|||
Ilhas |
|||
2) Abstração dos elementos físicos do globo |
4; 7; 10 |
3 |
Tabela 3 - Representação da terra em relação ao globo terrestre
A tabela 3 expressa a percepção dos alunos em situação de observação do globo terrestre. A maioria deles apresentou uma leitura superficial dos elementos que compunham o elemento de análise não se atendo a detalhes referentes ao relevo:
A categoria 1, que refere-se à percepção descritiva dos elementos, foi explicitada nas falas dos alunos:
A1: Estados Unidos e aqui é água... Aqui é América do Sul e aqui é água. Aqui é África e aqui é água. Aqui é a Ásia ... América do Norte. Tem uns lugares que tem água salgada... Tem Índia, Japão... Tem Sudão, Planalto de Deckes. Planalto Central Siberiano. Planalto do Tibet. Arábia Saudita. Chade. Já falei América Central? Ah, há cores diferentes para cada coisa... Ah, tem a França... a linha do Equador. Havaí Ilhas Marshall.
A2: Isso daqui é de uma cor... de outra verde escuro... laranjado e branco... O azul é o mar da Arábia, oceano Índico. Verde Amazonas, Rondônia, ilhas, montanhas rochosas, ilhas do Sul. Nova Zelândia, tasmânia. [Pôs o globo no colo procurando visualizar melhor] Montanhas, aldeia, mar negro, Espanha, Portugal, deserto de Gobi, Coréia do Norte, Planície Geral, América Central, América do Sul, África. Deserto da Arábia, Japão, Rússia.
A8: Vi o Brasil. Vi a Mongólia, Filipinas. Verde com florestas, deserto aqui. América Central. Vi áreas brancas que são o gelo e neve e tem também águas, rios (...)
A9: Eu acho que a terra é que faz com que as pessoas possam morar e viver. Existem países e habitantes de outros países como o da índia. E no Brasil, as chuvas tem causado muitas coisas ruins, como os desabamentos, ruas, casas e escolas ficam cheio de água. Algumas pessoas morrem.
Na categoria 2, inscrevem-se os alunos que demonstraram uma capacidade de generalização dos elementos, como pode-se observar nos exemplos a seguir:
A4: Tem é... gelo, países, montanhas, árvores, florestas... países, Oceanos, mar, ilhas (...).
A10: Ah, a terra tem países, tem plantas, tem gelo e um montão de água. Aqui tem desertos. Aqui tem florestas e aqui tem umas ilhas.
4) Pesquisadora: o que é isso? (mostrar as figuras com diferentes características de relevo e pedir que explique cada uma delas)
Nesta questão, foram apresentadas 04 figuras com diferentes formas de relevo. Todos os participantes conseguiram identificar e nomear as formas de relevo apresentadas, porém, não conseguiram estabelecer relação entre essas formas e a superfície terrestre.
5) Pesquisadora: onde você localiza, no seu desenho ou no globo, essas figuras?
A partir das falas dos participantes foi possível perceber a ausência da relação entre as formas de relevo e a superfície terrestre:
A.1. Nesse negócio aí, eu não sei, mais eu desenhava os peixes, as rochas, as montanhas, as crateras, tudo esses negócios que tão aqui. Eu desenhava também os filhotinhos. Desenhava também certos peixes, muitas coisas, árvores... um buquê de flores, os passarinhos, as casas.
A.2. Eu só fiz a flor e a terra e o resto eu não fiz
A.6. Eu fiz as plantas, os capins, o sol, a água os peixes.
A.8. Eu fiz a terra, as árvores, casas, montanhas e o mar.
A.9. Eu coloquei aqui, onde que tá a montanha. Aqui não tem montanha só cachoeira, os peixes. A gente cavuca pra plantar as plantas... eu colocaria essa daqui embaixo da cachoeira. As montanhas ficam na terra... mas assim no canto, nos sítios, nas fazendas, não fica na cidade. Os peixes caberiam ... os rios também..
6) Pesquisadora: se você tivesse que desenhar essas figuras no globo ou no seu desenho como ficariam?
A análise das respostas a esta questão evidenciou uma percepção difusa entre as formas de relevo identificadas nas gravuras, provavelmente falhamos na tarefa de fazer compreender o nosso objetivo para esta questão. Ao observar o globo terrestre, as crianças demonstraram curiosidade e leram várias informações escritas, porém não conseguiram estabelecer as relações entre as figuras e o globo, apresentando uma percepção fragmentada dos elementos constitutivos que compõem o relevo, como pode ser observada nas falas abaixo:
A.1. Isso daqui é um sítio que tem passarinhos. Tem uma cratera, tem uma lagoinha que tem quatro peixes. Tem onde eles colocam seus ovos. Tem uma montanha grande e uma pequena. Um buquê de flores e uma árvore.
A.2. Eu desenhei o mar com peixes e um homem pescando e as montanhas lá e daí o mar lá no fundo do mar. Essa é a terra
A.7. Aqui desenhei uma casa. Bem no fundo da casa um lago de água bem suja, carro na garagem. Uma casa com duas janelas e duas portas.
A.8. mundo que eu vi aqui é a terra do jeito que eu imagino. Tem árvores, casas, montanhas, e o mar e a nuvem.
A.10. Aqui no meu desenho o verde são as matas e as florestas. Aqui no azul são os rios, mares e oceanos e as ilhas ficam aqui é essa parte marronzinha.
7) Pesquisadora: Explique para mim como é a superfície da terra.
Relação referente à representação dos alunos sobre a terra |
Sujeitos |
Total |
|
1. Descrição dos Elementos |
Físicos
|
2;3;4;5;6;7;8;10 4 1;2;3;4;5;6;7;8;9 2;3;4;6;10 3;8 |
8 1 9 5 2 |
Humanos |
1;2;4;7;9 |
3 |
|
2. Descrição da superfície associada a forma da terra |
6; 9; |
2 |
|
3. descrição da irregularidade da superfície |
10 |
1 |
Tabela 7 – Relação entre as percepções da superfície da terra e a formação do conceito
A categoria 1 trata dos participantes que descreveram a superfície terrestre atendo-se aos elementos físicos e humanos que a compõem. A capacidade de abstração dos alunos limita-se a aspectos imediatos da realidade, como podemos observar nos exemplos:
A.1. Ela é... como assim? Eu acho que ela tem árvores, casas, gente, muitos prédios, gente pobre que não tem nada, tem televisões, tem borracha, coisas, objetos. Tem carros, pessoas, lixeiro, telefone... tem bolsas, livros, armários, lembrancinhas, capacetes, motos, rádio, cd . (...) Formigas, plantas, muitas folhas, lixo... só!
A.3. Ela é cheia de terra, árvores, peixes, rios, montanhas, flores, animais e só!
A.4. É cheia de bichos, mares... é... ilhas, casas, é... gente, água, países, cidades, só
A.5. Eu acho que a superfície da terra é puxado pro mar... (...). Ah, porque ela é um pouco azul e tem peixes, tem tubarões, tem alguns bichos debaixo da água salgada...
A.7. Cheia de casas, ruas, tem rios, peixes dentro do rio, areia, passarinho, plantas, florestas... carros, muitas coisas... galinha.
Na categoria 2, os participantes apresentam uma noção de abstração da superfície que os distancia da percepção da realidade imediata:
A6: Ela é redonda, tem plantas, gelo, sol, água e peixe e passarinho, girafa, tem cavalo, tem cachorro, tem o Rio Paraguai.
A9: Eu acho que é muito legal porque as pessoas vivem em cima da terra. Pra gente ficar vivo tem muita gente morrendo. Tem os animais, as pessoas, as casas. (...) tem os objetos, os carros, os ônibus que pegam as pessoas para levar para outra cidade. [...].
Na categoria 3, a criança apresentou uma noção de superfície terrestre irregular, portanto mais próxima do conceito de relevo. Exemplo:
A10: Tem lugar que tem água... uns não... Alguns tem rochas... uns não! Uns tem cachoeira, outros só tem pedras...é assim!
8) Pesquisadora: você já aprendeu sobre relevo na escola? O que é? Você pode me dar um exemplo? Há alguma relação dessas situações com a idéia de relevo que você aprendeu de relevo?
Situação de relação entre o conceito de relevo aprendido na escola e as atividades propostas |
Sujeitos |
Total |
1. Não se lembra se já estudou o conceito |
1;3;4;5;6;8;9;10 |
8 |
2. Concepção difusa de relevo |
2 |
1 |
3. Conceito inicial |
7; |
1 |
Tabela 8 – Relação com o conceito escolar de relevo
A tabela 8 mostra que a maioria dos participantes não atribui nenhuma definição do conceito de relevo, utilizando-se do discurso de que não se recordam, conforme a categoria 1:
A 1. Não, ainda. (...) Já, mas esqueci tudo. (...) Um buraco cheio de terra.
A.3. Não. Eu nunca estudei isso.
A.10. Não sei. Eu acho que não estudei isso ainda, ou então foi no dia que faltei na escola. Eu não sei.
Com relação à categoria 2, foi possível perceber que a aluna expressa uma incerteza com relação ao estudo do conceito, porém, ao ser questionada sobre a definição de relevo, e a possibilidade de exemplificação, não foi capaz de conceituá-lo, limitando-se, apenas, à descrição dos elementos físicos e humanos que compõem a superfície terrestre:
A.2. Não (...). Bom, relevo eu acho que é a terra [ meio perguntando] ou mar, os peixes, as montanhas.
Na categoria 3, novamente apenas um aluno apresentou uma noção do conceito de relevo como parte integrante da superfície terrestre:
A.7. Já. Relevo é uma terra assim cheia de subida e descida. Exemplo é um negócio retinho, um campo que tem campo grandão onde vive bois e animais.
9) Pesquisadora: você já viu essa imagem da terra? O que significam essas cores diferentes? Por que tem essas manchas?
Situação relativa à observação e descrição de imagem de relevo da terra |
Sujeitos |
Total |
Estabelece relação parcial com relevo |
6;7; |
2 |
Não estabelece relação |
1;2;3;4;5;8;9;10 |
8 |
Tabela 9 – Identificação de diferentes formas de relevo
A tabela 9 apresenta a descrição da observação de relevo, representada pelas diferentes cores. Percebe-se que a maioria dos alunos não conseguiu abstrair o conceito de relevo. Os alunos delimitaram-se a perceber as diferentes cores, sem estabelecer qualquer vínculo com as representações existentes nos desenhos, na observação do globo e das gravuras:
A.1. Pra mim é uma lua! (...) é! é uma lua!
A.2. Nunca tinha visto essa imagem da terra... cada uma dessas cores significa uma cidade. Pode ser as flores. Tem cores roxas, amarelas, brancas e pretas.
A.5. Imagem da terra. Ela tem um pouco escuro na volta dela e que na frente dela é bem clarinho. Ela é meio marronzada que é a terra. E o claro é a neve, essas mais brancas pode ser a neve e esse meio roxo e meio azul pode ser o mar.
A.6. Percebo a terra...(...) Aqui nesse amarelo... é água nesse azul ... montanha nesse marrom chuviscado e esse branco é gelo.
A.7. Esse amarelo é a terra. O branco é a nuvem e gelo, o azul é do mar, esse preto não sei o que é, mas acho que é montanha. Ah, esse verdinho meio preto é a floresta. Esse negócio bem preto é o espaço... espaço sideral.
A.8. Umas nuvens... os negócios amarelos... esses pretos são casas lá de longe... esses pretos aqui.
Percebeu-se que a maioria dos alunos possui uma concepção de superfície terrestre associada à realidade que o circunda. Eles não conseguiram associar o conhecimento cotidiano e o conhecimento científico aprendido na escola. Dito de outra forma, o conhecimento escolar transmitido não encontrou ancoragem na estrutura cognitiva do aluno.
Esse argumento sustenta-se no fato de que segundo a Teoria da Aprendizagem Significativa, proposta por Ausubel, a assimilação de novos conceitos se determina pela recepção dos atributos criteriais que caracterizam o referido conceito e pelo relacionamento desses atributos com idéias relevantes em sua estrutura cognitiva. ((MOREIRA & MASINI, 1982)
Essa teoria, explicitada por Moreira (1982, p. 89), afirma que a "Aprendizagem afetiva resulta de sinais internos ao indivíduo e pode ser identificada com experiências". No caso deste estudo, a aprendizagem do conceito de relevo representa apenas o lugar onde residem; haja vista o fato de que o relevo da região dos participantes é predominantemente planície, como foi evidenciado por meio dos desenhos produzidos pelos alunos, e, desta forma, pode-se dizer que não houve relação com o conhecimento escolar trabalhado em sala de aula.
Os dados apresentados demonstraram um vínculo característico da experiência do aluno com seu cotidiano, resultante da observação difusa e assistemática da realidade.
Percebeu-se que na estrutura cognitiva de alguns participantes havia a presença de conhecimentos elementares acerca do conceito de relevo que poderiam servir de ancoragem para a aquisição do conhecimento científico. Porém, nos dados, estes conhecimentos permaneceram da forma como foram adquiridos espontaneamente.
A este respeito, Vygotsky reitera o papel mediador do adulto, e neste caso, o professor, no processo de aquisição de novas informações pelo sujeito, haja vista que "qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia" ( Vygotsky, 1998, p. 94).
É imprescindível que o professor estabeleça uma relação entre o desenvolvimento da criança (aquilo que as crianças já conseguem realizar sozinhas) e suas potencialidades, por meio da interação com o meio social.
Estes dados reiteram a necessidade do papel do professor como mediador na transposição do conhecimento cotidiano em conhecimento escolar. Tendo em vista, que os sujeitos pesquisados demonstraram em suas estruturas cognitivas algumas noções sobre o conceito de relevo, o professor poderia ter utilizado esta ancoragem para a aquisição do conceito científico.
Levando-se em consideração o nível escolar em que as crianças se encontram, pode-se dizer que a assimilação do conceito científico de relevo ficou comprometida.
Vale ressaltar a importância da discussão sobre a formação inicial (universidade) e continuada (escola) do professor de modo a estimular a prática da pesquisa e o ensino reflexivo, no intuito de mudanças no cotidiano da sala de aula.
Este argumento sustenta-se na compreensão de que a aprendizagem exige uma prática docente que possibilite ao aluno adquirir conhecimentos, dominar categorias, conceitos e procedimentos que os instiguem a pensar a realidade e conseqüentemente intervir nela.
Diante do exposto, entendemos que a reflexão desencadeada das análises apresentadas neste estudo nos permite sugerir que a escola deve proporcionar aos docentes mecanismos para discussão sobre o ensino, fazendo com que esses profissionais repensem o papel da escola, que, por sua vez, não deve se limitar apenas à transmissão de informações, mas a de assimilação desses conhecimentos de forma significativa por parte dos alunos.
Nesse sentido ficou evidente nas produções dos alunos a ausência da intervenção por parte do professor, deixando os alunos à deriva, não trabalhando o conhecimento local tão rico e inexplorado no universo das crianças.
ARNAY, José. (1998) Conhecimento Cotidiano, escolar e científico: representação e mudança. A construção do conhecimento escolar. São Paulo: Ática.
AUSUBEL, NOVAK, HANESIAK. (1975) Psicologia Educacional. 2 ed. Interamericana.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.(2000) Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEEF.
CASSETI, Valter. (1991) Ambiente a apropriação do relevo. São Paulo: Contexto.
MOREIRA. M. A (1999) Teorias de Aprendizagem. São Paulo: EPU. ( Cap. 10: A Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel).
MOREIRA. M. A & MASINI, E. F. Salzano. (1982) Aprendizagem Significativa: teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes.
POZO, J. I. (1998) Teorias Cognitivas da Aprendizagem. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas.
VYGOTSKY, L. S. ( 1998) A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes.
Rosalva Pereira de Alencar
rosalvalencar[arroba]top.com.br
UNEMAT/UCDB
Leny Rodrigues Martins Teixeira
lteixeira[arroba]stetnet.com.br
UCDB
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