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No Brasil, poucos estudos comparando resultados de avaliação genética de vacas e de touros da raça Holandesa, considerando lactações parciais ou produção no dia do controle, têm sido realizados (GENGLER et al., 1995; GADINI et al., 1997). Estes autores constataram alta correlação genética entre produções parciais ou no dia do controle e a produção até 305 dias, especialmente nas produções observadas no terço intermediário da lactação. Não foram encontrados na literatura consultada estudos dessa natureza envolvendo dados com a raça Gir, principalmente comparando a correlação de ordem entre valores genéticos preditos, com base na produção de leite em lactação completa e parcial.
Em outros países, tem-se verificado que a seleção de vacas holandesas pela produção até 305 dias de lactação pode ser substituída pela produção estimada em parte na lactação ou na produção no dia do controle (test day), resultando em resposta anual adicional na produção de leite (TANDON e HARVEY, 1984; FAMULA e VAN VLECK, 1981; WILMINK,1987; SETHI e JAIN, 1993; SWALVE, 1995; e ZAHED et al., 1997). No entanto, verifica-se que as estimativas de correlações genéticas, de ordem e valores diminuem com a redução do período em que o dado de produção é tomado (SETHI e JAIN, 1993; RIBAS et al., 1994).
Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade de se usar a produção de leite acumulada em parte da lactação ou em lactações não-encerradas, em vez da produção até 305 dias, para estimar o valor genético de animais. Para isto, foram comparadas as classificações de touros e vacas, com base nos seus VGs calculados a partir de dados de produção de leite até 90 (T90), 150 (T150), 210 (T210) e 305 (T305) dias de lactação.
Os dados utilizados neste trabalho foram provenientes de animais puros da raça Gir, pertencentes a 47 rebanhos que participam do programa de melhoramento genético da raça, coordenado pela Embrapa Gado de Leite e executado em convênio com a ABCGIL, ou compõem o Arquivo Zootécnico Nacional - Gado de Leite, convênio Embrapa Gado de Leite, ABCZ e ABC. Foram usadas apenas as lactações para as quais se encontram disponíveis os controles leiteiros mensais, necessários para o cálculo da produção nas lactações parciais. Além disso, foram eliminadas as lactações consideradas anormais (doenças ou morte do bezerro ou da vaca antes de encerrar a lactação, venda da vaca etc.) ou lactações em que faltavam as datas dos controles leiteiros ou apresentavam códigos que invalidavam a lactação. Ao final das eliminações, resultaram 8572 lactações de 4805 vacas que pariram entre 1980 e 1997, filhas de 771 touros. Foram usados os dados de produção de leite de cada vaca na data do controle e calculadas as produções acumuladas até 90(T90), 150(T150), 210(T210) e 305(T305) dias, utilizando-se o método do intervalo de teste, segundo EVERETT e CARTER (1968). Foram calculados os VGs dos animais considerando-se T90, T150, T210 ou T305 como variável dependente, obtendo-se VG90, VG150, VG210 e VG305, respectivamente.
As análises foram realizadas usando-se o sistema MTDFREML (BOLDMAN et al., 1995), no qual a avaliação genética se baseia no modelo animal (VAN VLECK, 1992) e usa, para cálculo dos componentes de variância e parâmetros genéticos (herdabilidade, repetibilidade e correlações), o método REML. Foram incluídos no modelo, independentemente da característica, os efeitos fixos de rebanho-ano (261 classes), grupo genético (puro por origem e puro por cruza), época de parto (seca e águas) e a co-variável idade da vaca ao parto, com termos linear e quadrático. Como aleatórios, foram incluídos os efeitos de animal (8214 animais), efeito de meio permanente (4805 vacas) e o resíduo. Foram estimadas as herdabilidades e repetibilidades de cada característica por meio de análise univariada. Estimaram-se as correlações genéticas de T305 com T90, T150 ou T210, em análises bivariadas. Calcularam-se as correlações de ordem entre os VGs obtidos a partir de T90, T150, T210 e T305.
Obtidos os VG90, VG150, VG210 e VG305 de cada animal, foram consideradas as taxas de seleção ou descarte de 1; 5; 10; 15; 20% ou 100%, de animais, de vacas ou de touros, considerando-se VG305. Foram calculadas as correlações de ordem entre os VG305 com VG90, VG150 e VG210, admitindo-se as diferentes situações de seleção ou descarte de animais, vacas ou touros, sob duas condições. A primeira considerou a seleção (descarte) entre os animais avaliados, com confiabilidade da prova maior do que zero (8214 animais: 7443 vacas e 771 touros), e a segunda, seleção (descarte) entre animais com confiabilidade da prova superior a 0,60 (2727 animais: 2552 vacas e 175 touros).
Considerando-se os resultados das avaliações genéticas para a produção de leite até 90, 150, 210 e 305 dias foram calculados os ganhos genéticos esperados (DG), supondo seleção de 10% dos animais de maior VG, 10% dos melhores touros e descarte de 20% das vacas de menor valor genético, admitindo-se DG = RELm i sm, em que RELm é a confiabilidade média da prova; i, a intensidade de seleção, e sm, o desvio-padrão estimado dos valores genéticos. A confiabilidade (REL) da prova foi calculada como:
em que PEV é a variância do erro de predição; FA, o coeficiente de endogamia; e , estimativa da variância genética aditiva para a característica considerada.
Na Tabela 1, são apresentadas as estimativas das médias e os desvios-padrão da produção de leite, do valor genético e da confiabilidade e médias e respectivos erros-padrão da herdabilidade e repetibilidade para T90, T150, T210 e T305. As médias dos valores genéticos preditos e das confiabilidades são apresentadas para todos animais, vacas e touros. Estimativas das herdabilidades e repetibilidades para T90, T150, T210 e T305 foram de mesma magnitude e similares àquelas observadas na literatura para a mesma raça (WILMINK, 1987; SETHI e JAIN, 1993; BALIEIRO, 1998; e VERNEQUE et al., 1998). MADALENA (1988) reportou estimativas de herdabilidade de 0,08, quando estimada ajustando os dados de produção para o efeito de duração da lactação, a 0,44, quando lactações com duração inferior a 30 dias e produções na lactação menores que 100 kg foram excluídas e os dados não foram pré-ajustados para a duração da lactação. O autor informa que o ajustamento fenotípico pode reduzir a herdabilidade, quando se remove mais variação genética que ambiente. Neste trabalho, lactações com duração inferior a 90 dias e superior a 600 dias foram excluídas, independente da produção na lactação, mas as estimativas foram obtidas para todas características, considerando-se a mesma amostra, sem ajuste para efeito da duração da lactação. Além disso, a duração média da lactação para os dados considerados foi de 296 dias, existindo percentual pequeno (menos de 5%) de vacas com duração de lactação inferior a 150 dias. As estimativas da média e os respectivos desvios-padrão dos valores genéticos, para T90, T150, T210 e T305, variaram de 6,1±50,8 a 19,1±162,2 kg, considerando-se todos os 8.214 animais avaliados, de 6,2±51,1 a 19,6±163,4 kg para 7443 vacas e de 4,3±47,3 a 13,9±149,8 kg para 771 touros (Tabela 1). Observou-se, portanto, incremento em valor absoluto destas estimativas, principalmente do desvio-padrão, com o aumento no número de dias em que as informações de produção na lactação foram tomadas e as estimativas, similares tanto para vacas, quanto para touros, ligeiramente menores para touros.
Correlações genéticas, fenotípicas e de ambiente entre T305 e as produções parciais T90, T150 e T210 variaram respectivamente de 0,92 a 0,98; 0,80 a 0,95; e 0,70 a 0,92 (Tabela 2). Verificam-se maiores estimativas de correlação para produções acumuladas em períodos de lactação mais próximos de 305 dias. Tal comportamento parece independente da confiabilidade da prova do animal ou do erro-padrão das predições, resultado divergente do observado por TANDON e HARVEY (1984).
Os coeficientes de correlação de ordem entre os valores genéticos preditos usando as produções acumuladas T90, T150, T210 e T305 são apresentados na Tabela 3. Os valores acima da diagonal correspondem às estimativas obtidas considerando-se todos animais avaliados, com confiabilidade da prova superior a zero. Considerando-se VG305, as estimativas de correlação foram de 0,83; 0,90; e 0,96 com VG90, VG150 e VG210, respectivamente. Valores similares foram obtidos calculando-se as mesmas estimativas, com base em amostras contendo os animais avaliados com confiabilidade da prova superior a 0,60 (Tabela 3, valores abaixo da diagonal). Tal amostra reduziu de 8214 para 2727 animais, sugerindo que as estimativas de correlação foram independentes da confiabilidade da prova.
Nas Tabelas 4 e 5, são apresentados os coeficientes de correlação de ordem entre VG305 e os valores genéticos para produções parciais VG90, VG150 e VG210, considerando-se amostra de todos animais avaliados ou a de touros (os resultados considerando-se apenas as vacas, foram idênticos aos encontrados para a amostra total). Supôs-se que amostras de 1; 5; 10; 15; 20% ou de todos animais avaliados tenham sido consideradas (na seleção ou no descarte), entre aqueles animais com confiabilidade de prova superior a zero (Tabela 4) ou 0,60 (Tabela 5). Nota-se que, embora as estimativas de correlação para a amostra total sejam altas, selecionando-se 1% dos animais com maior VG, os coeficientes de correlação foram de 0,50; 0,56; e 0,72 para VG305 e VG90, VG305 e VG150 e VG305 e VG210, respectivamente. Selecionando-se 1% dos melhores touros, as estimativas de correlação foram de 0,89; 0,96; e 0,96, respectivamente. Para amostra considerando-se confiabilidade da prova superior a 0,60, as estimativas de correlação entre VG305 e VG90, VG305 e VG150 e VG305 e VG210 foram ligeiramente superiores, de 0,50; 0,61; e 0,75, considerando-se a seleção de 1% dos melhores animais igual a unidade, selecionando-se 1% dos melhores touros. Mantendo-se 20% dos melhores touros, as estimativas de correlação de ordem entre VG305 e VG90, VG305 e VG150 e VG305 e VG210 foram de 0,70; 0,80; e 0,90, quando a seleção foi realizada independentemente de confiabilidade da prova dos touros ou de 0,68; 0,72; e 0,86, quando se consideraram apenas touros com confiabilidade da prova superior a 0,60. Descartando-se 20% das piores vacas, com base em VG305, verificou-se correlação de ordem de 0,53; 0,68; e 0,83 ou de 0,78; 0,81; e 0,91, quando o descarte foi independente de confiabilidade da prova ou considerando-se confiabilidade da prova superior a 0,60, respectivamente. As estimativas de correlação, para a mesma confiabilidade, aumentaram à medida que maiores percentuais de animais foram considerados, indicando que o tamanho da amostra afeta as estimativas de correlação. Por outro lado, dependendo do tamanho da amostra, verificam-se menores estimativas de correlação entre animais extremos, isto é, entre os melhores ou entre os piores animais. Valores similares para estimativas de correlação são observados quando se comparam os VG dos animais pior classificados. Pode-se observar (Tabela 4), por exemplo, que, descartando-se 20% dos animais de menor VG305, apenas 53, 68 ou 83% desses seriam também descartados, se VG90, VG150 ou VG210 fossem usados, respectivamente. Estes valores são pouco maiores, se forem considerados para descarte apenas animais com confiabilidade de VG305 maior que 0,60 (Tabela 5). Nota-se, claramente, que, quanto maior o estádio da lactação, maiores as estimativas de correlação com VG305. Estes resultados são esperados e concordantes com os observados na literatura (TANDON e HARVEY, 1984; WILMINK, 1987; SETHI e JAIN, 1993; RIBAS et al., 1994; e WILMINK, 1998) e demonstram que a classificação de vacas e touros é severamente afetada, ao se usar a produção de leite em períodos curtos de produção em relação à produção até 305 dias.
O ganho genético esperado por geração, quando 10% dos melhores animais foram selecionados, usando-se os VG90, VG150, VG210 ou VG305, foram, respectivamente, de 42, 72, 104 e 137 kg. Esses ganhos foram, respectivamente, de 34, 59, 83, 110 kg, se 10% dos melhores touros forem selecionados, e de 8,4, 14,7, 21,3 e 28,6 kg, se forem descartadas 20% das vacas de menor valor genético. Este resultado é discordante do encontrado por WILMINK (1987), o qual concluiu que a seleção com base na produção de leite entre 90 e 180 dias resultou em ganho genético adicional por geração de 5% em relação à seleção pela produção até 305 dias de lactação, mas corrobora o observado por TANDON e HARVEY (1984), que obtiveram ganho genético 12% maior, quando a seleção foi realizada com base na produção até 305 dias em vez da produção até 150 dias. Neste trabalho, o ganho por geração considerando a produção até 305 dias foi, em média, 3,26; 1,9; e 1,32 vezes aquele esperado, se forem usados, respectivamente, T90, T150 ou T210 para predição dos VG. Dessa forma, apesar de a T90 ser obtida com até sete meses de antecedência, parece não recomendável usá-la como critério de seleção ou descarte para esta população, uma vez que a redução em sete meses (6,4%) no intervalo de geração, de cerca de 110 meses, não compensaria as perdas no ganho genético esperado. Da mesma forma, a avaliação genética com base em T150 resultaria também em grandes perdas em ganho genético, com redução no intervalo de geração. Por outro lado, apesar da perda em cerca de 32% no ganho genético esperado, a produção até 210 dias de lactação poderia ser recomendada especialmente para propósitos de descarte de vacas, pela redução de custos com alimentação de animais geneticamente inferiores.
Dados de produção de leite de lactações parciais ou não-encerradas são adequados para estimar parâmetros genéticos como herdabilidade e repetibilidade. Todavia, quanto menor o período de produção, menos indicado é o dado para ser usado como critério de seleção(descarte) de vacas ou touros.
Apesar de se observarem altas correlações de ordem entre VG305 e os valores de VG90, VG150 e VG210, os procedimentos são divergentes, quando se desejam usar os resultados da avaliação genética para seleção(descarte) de animais a serem mantidos ou eliminados dos rebanhos. Assim, considerando-se este conjunto de dados, é pouco recomendável selecionar animais com base na produção de leite em período igual ou inferior a 150 dias, porque resultaria em erros substanciais no descarte de vacas e na seleção de touros. Por outro lado, o uso de VG210 pode ser recomendável especialmente para descarte de vacas pela substancial redução de custo de alimentação de animais geneticamente inferiores.
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Rui da Silva Verneque1, Mario Luiz Martinez1, Roberto Luiz Teodoro1 - rsverneq[arroba]cnpgl.embrapa.br
1 Pesquisador da Embrapa Gado de Leite e Bolsista do CNPq. E.mail: rsverneque[arroba]cnpgl.embrapa.br; martinez[arroba]cnpgl.embrapa.br; rteodoro[arroba]artnet.com.br
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