Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 

Aumento da procura de tratamento por usuários de crack (página 2)

Marcelo Ribeiro

 

 

MÉTODOS

Foram analisados os registros dos pacientes atendidos em dois serviços ambulatoriais públicos da cidade de São Paulo, no período de 1990 a 1993. Os dois ambulatórios estudados (PROAD e UDED) são setores especializados no tratamento de abuso e dependência de drogas. O PROAD (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes de Drogas) é um setor do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM), e a UDED (Unidade de Dependência de Drogas), um setor do Departamento de Psicobiologia da EPM. Ambos oferecem tratamento gratuito.

As duas clínicas usam uma entrevista inicial padronizada, que, embora em sua forma e aplicação sejam diferentes, possuem algumas variáveis em comum, permitindo a análise dos dados agrupados. Foram estudados: idade e estado civil, tipo de drogas e vias utilizadas para o consumo. Para a análise dos dados foi utilizado o teste do 2 de tendência.

Foram estudados 245 pacientes com diagnóstico de abuso e dependência de cocaína no momento da entrevista inicial, de acordo com os critérios do DSMIII-R. Eles correspondiam a cerca de 50% da população total de dependentes atendida no PROAD e na UDED. A média de idade da amostra foi de 24,8 anos (variando de 13 a 45 anos). Oitenta e nove por cento eram homens, sendo 68% solteiros, 24% casados e 8% separados ou divorciados.

 

RESULTADOS

A fig. mostra a percentagem de usuários de cocaína que relatam uso de quaisquer uma das três vias de administração (fumada, aspirada e injetada). Alguns usuários utilizavam mais de uma via de administração, o que leva a uma percentagem total maior do que 100%. Podemos observar um aumento significativo da cocaína fumada ( p<0,01) no período de 1990 a 1993, um nível relativamente alto e estável da cocaína aspirada ao longo dos quatro anos e uma flutuação na percentagem de usuários da via endovenosa de 40%, em 1990, para 18%, em 1992, e 28%, em 1993.

A duração do uso de cocaína era registrada de forma diferente pelos dois serviços. Em uma das clínicas (PROAD) registrava-se o tempo decorrido entre o primeiro contato com a droga e a procura daquele tratamento, que foi de 6,6 anos, em média, variando de 1 a 21 anos. Na outra clínica (UDED) era registrado o tempo de uso regular, que foi de 7,9 anos, em média, variando entre 1 e 25 anos.

 

DISCUSSÃO

O estudo do padrão de consumo de drogas em dependentes é de fundamental importância para a compreensão da natureza dos distúrbios decorrentes desse uso, bem como para a determinação das políticas de saúde (prevenção e tratamento) dirigidas a esse problema.

Alguns estudos de literatura alertam para as limitações nos estudos de populações específicas, como é o caso dos usuários de drogas que se encontram em tratamento. Estes indivíduos parecem apresentar uma diferença significativa quanto ao padrão de uso e outras características, quando comparados a populações de dependentes que não estão em tratamento14. No entanto, esses dados são úteis como indicadores indiretos, sendo, freqüentemente, utilizados para avaliar a prevalência de usuários com uso abusivo15. Em relação ao crack especificamente, o padrão de uso e outras características parecem diferir, quando comparados não apenas com populações que não estão em tratamento, mas, também, com populações que fazem uso abusivo de outras drogas16.

Apesar de haver várias publicações nacionais recentes sobre cocaína11, a maioria dos estudos se preocupa com questões epidemiológicas em populações específicas, como meninos de rua, estudantes ou pacientes em tratamento. Pouco se sabe a respeito do padrão de uso e das características específicas dos usuários.

O aumento da procura de tratamento por usuários de crack poderia estar relacionado com a aparente tendência de diminuição da procura de tratamento por usuários da via injetável. No entanto, seriam necessários estudos específicos para avaliar essa questão. Por outro lado, estudos realizados nos EUA detectaram indícios de uma forte associação entre uso do crack e transações de sexo por drogas ou dinheiro17. Desta forma, embora, considerando a via de administração, o usuário de crack pudesse ter menor risco de contaminação pelo HIV, esse risco poderia estar aumentado pelo comportamento sexual de risco. Considerando que no Brasil, até maio de 1994, haviam sido notificados 11.485 casos de homens infectados em razão do uso de drogas e 13.905 infectados por relações homossexuais, torna-se urgente avaliar o potencial disseminador do vírus HIV pelo comportamento sexual de risco dos usuários de drogas18.

Este trabalho detectou um aumento da procura de tratamento por usuários de crack nos últimos quatro anos, em dois serviços públicos. Esse aumento ressalta a necessidade de um conhecimento mais amplo das características desse tipo de usuário que permita uma abordagem terapêutica mais eficiente19. Alguns dados de literatura indicam que a aderência desses usuários a programas de tratamento é ainda menor que a de abusadores de outras drogas ou de cocaína por outra via de administração20.

Estudos mais detalhados sobre o comportamento dessa população são necessários, considerando que cada subgrupo de usuários de cocaína apresenta especificidades que podem ser fundamentais no planejamento das políticas de tratamento e prevenção.

Trabalho realizado com apoio financeiro da AFIP (Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia).

 

SUMMARY
Increase in crack users attending treatment services in São Paulo: 1990-1993

An increase in crack use has been detected in epidemiological research and police data. Currently, in Brazil, no data are available linking the route of administration and attendance to treatment for cocaine dependence
OBJECTIVE — The purpose of this paper was to analyze the changes in cocaine routes of administration in a cocaine dependent population treated in two outpatient public services (PROAD and UDED).
METHOD Standardized interview data, collected at admission to treatment were compared from 1990 to 1993. The prevalence rates of smoked ("crack"), injected and snorted cocaine were compared.
RESULTS — The percentage of patients who reported "crack" cocaine use increased from 17% in 1990 to 64% in 1993 (p<0.01) The prevalence of snorted cocaine remained stable in the period of time analyzed, being the most frequent route reported. The intravenous route tended to decrease from 40% in 1990 to 28% in 1993.
CONCLUSION — The implications of the increase of "crack" cocaine users who sought treatment are discussed. These data are important in planning prevention and treatment strategies, mainly in AIDS prevention.
[ Rev Ass Med Brasil 1997; 43 (1): 25-8.]

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Jones RT. The pharmacology of cocaine. In Grabowski J (ed): Cocaine: pharmacology, effects and treatment abuse. Rockville, Maryland; NIDA Research Monograph 50, 1984.

2. Kleber HD, Gawin FH. The spectrum of cocaine abuse and its treatment. J Clin Psychiatry 1984; 45: 18-23.
[
Medline ]

3. Van Dyke C, Byck R. Cocaine. Scient Amer 1982; 246: 128-41.

4. Cox TC, Jacobs MR, LeBlanc AE, Marshman JA. Drugs and drug abuse — a reference text. 2nd ed, Toronto, Addiction Research Foundation, 1987; 240-9.

5. Inciardi JA. Beyond cocaine: basuco, crack and other coca products. Contemp. Drug Probl 1987; 14: 461-92.

6. Khalsa ME, Tashkin DP, Perrochet B. Smoked cocaine: patterns of use and pulmonary consequences. Psychoactive Drugs 1992; 24: 265-72.

7. Smart RG. Crack cocaine use: a review of prevalence and adverse effects. Am J Drug Alcohol Abuse 1991; 17: 13-26.
[
Medline ]

8. Hamid A. The development cycle of a drug epidemic: the cocaine smoking epidemic of 1981-1991. Psychoactive Drugs 1992; 24: 337-48.

9. Inciardi JA, Pottieger AE. Kids, Crack and Crime. J Drug Issues 1991; 21: 257-70.

10. Bowser BP. Crack and AIDS: an ethnografic impression. J Natl Med Assoc 1989; 81: 538-40.

11. Carlini EA, Nappo SA, Galduróz JC. A cocaína no Brasil ao longo dos últimos anos. Rev ABP-APAL 1993; 15: 121-7.

12. Galduróz JCF, D´Almeida V, Carvalho V, Carlini EA. III Levantamento sobre o uso de drogas entre estudantes de 1o e 2o graus em 10 capitais brasileiras em 1993. São Paulo, CEBRID-Departamento de Psicobiologia-EPM, 1994.

14. Pottieger AE, Tressel PA, Inciardi JA, RosalesTA. Cocaine use patterns and overdose. Psychoactive Drugs 1992; 24: 399-410.

15. Kandel DB. The social demography of drug use. Milbank Q 1991; 69: 365-414.
[
Medline ]

16. Lewis C, Johnson BD, Golub A, Dunlap E. Studying crack abusers: strategies for recruting the right tail of an ill-defined population. Psychoactive Drugs 1992; 24: 323-36.

17. Wolfe H, Vranizan KM, Gorter RG et al. Crack use and human immunodeficiency virus infection among San Francisco intravenous drug users. Sex Transmit Dis 1992; 19: 111-4.

18. Ministério da Saúde. AIDS Boletim Epidemiológico, 1994 Ano VII, no 5.

19. Wallace BC. Treating crack cocaine dependence: the critical role of relapse prevention (review). Psychoactive Drugs 1992; 24: 213-22.

20. Ferri CP, De Micheli D, Formigoni MLOS. O que diferencia o usuário de cocaína fumada ("crack") dos usuários de cocaína por outras vias. (submetido a publicação).

 

C.P. Ferri, R.R. Laranjeira, D.X. da Silveira, J. Dunn, M.L.O.S. Formigoni
laranjeira[arroba]uniad.org.br

Departamentos de Psiquiatria e de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.