1) Crise e atualidade do liberalismo
Nada mais parecido com um momento de crise do que um outro. Eis como a política brasileira ao final da década de 20 foi descrita, em uma crítica à política liberal que seria retomada com ímpeto em 1937, na implantação do Estado Novo:
"Regionalismos desenfreados comprometiam a todo o momento a integridade nacional; a máquina político-administrativa estava nas mãos de chefetes eleitorais e a serviço de inconfessáveis manobras partidárias de que se excluía o interesse geral; sob os efeitos de um liberalismo de aparência, explorado por numerosa clientela de agitadores oportunistas e de oligarcas experimentados na manipulação das fraudes, a democracia se tornara um mito e a opinião nacional, já cansada dos desmandos do poder e também desiludida dos que antes a conduziam para inoperantes campanhas demagógicas, traduzia seu desgosto pela forma neutra, porém desesperada, de uma indiferença desdenhosa. Os maiores problemas econômicos e sociais serviam apenas de ornamentos decorativos para a composição de plataformas. As fontes de riqueza viviam abandonadas. O trabalho, sem proteção ou estímulo de qualquer natureza, apelava para o recurso explosivo e desorganizador das greves como único processo de exigir satisfação aos seus anseios oprimidos. A situação financeira era comprometida na aventura dos empréstimos. Em sua grande maioria, os homens de inteligência ficavam à margem da vida pública e a incompetência submissa à férula dos mandões de província se tornara critério dominante para o preenchimento dos cargos administrativos e a conquista dos postos de representação. A politicalha parlamentar e a rotina burocrática deixavam o progresso do país entregue às iniciativas particulares, cujo elogio insistente era, aliás, o reflexo da suspeita que em geral acompanhava os mais vistosos empreendimentos oficiais. E na sua ironia tão ilustrativa, o homem da rua já se habituara a dizer que 'o Brasil só caminhava de noite, aproveitando as horas em que os políticos dormiam'"(1)
O Estado Novo buscou sua justificação na tese do fracasso e da inviabilidadade da política liberal. Para os modernizadores da década de 30, liberalismo era sinônimo de política oligárquica, da divisão e esquartejamento do poder nacional entre os grupos de poder que controlavam as políticas estaduais, da corrupção e da ineficiência.
Nos anos 30, a resposta para a falência do liberalismo político era o carisma do líder a racionalidade e a cientificidade do administrador. A Constituinte de 1934 teria falhado precisamente por não ter percebido esta nova realidade, e ter recaído na política tradicional:
"Porque as antiquadas teorizações políticas dominaram sobre a interpretação objetiva dos problemas do Brasil e do mundo moderno, porque o conservadorismo impregnado de noções obsoletas abafou o espírito da revolução, e também porque os interesses regionalistas e partidários reclamam primazia sobre os interesses gerais da nação, o novo regime apareceu como um desastrado remendo do velho"(2).
A solução seria mais Estado, mais governo, mais eficiência, mais intervencionismo:
"Num período em que até os modelos clássicos da democracia liberal procuravam ajustar-se às condiçoes e exigências da atualidade, intervindo decisivamente na vida econômica e social, aplicava-se no Brasil um estatuto essencialmente político, de que resultava um Estado abstencionista, mero espectador da existência nacional, seu direito de influir na composição de suas forças, entregues assim ao jogo das competições privadas. (...). Numa época de extremos perigos, em que por toda parte o poder público se fortalecia para enfrentá-los, desarmava-se ainda mais o poder. Quando os nacionalismos se acirravam por todo o mundo e quando a unidade brasileira mal saíra de ameaçadora crise, avigoravam-se as autonomias regionais. Quando o país necessitava principalmente de administração, entravava-se a máquina administrativa com toda a sorte de convenções e formalismos..."(3).
Página seguinte |
|
|