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Do assistente no processo penal (página 2)

Rômulo de Andrade Moreira

 

Outra discussão travada na doutrina e na jurisprudência é quanto à possibilidade do Poder Público estar legitimado a ser assistente da acusação. Grande parte da doutrina não admite que um órgão do Poder auxilie um outro (o Ministério Público) na tarefa de acusar. Seria o Estado-Administração auxiliando-se. Para eles não é razoável juridicamente a possibilidade do Poder Público auxiliar o próprio Poder Público na persecutio criminis. Como sustenta Tourinho Filho, se o Ministério Público já atua em nome do Poder Público, "seria uma superfetação a ingerência da Administração Pública na ação penal pública".7 Neste sentido há posições jurisprudenciais.

Uma outra corrente, no entanto, admitindo a assistência do Poder Público, ressalta que os interesses do Ministério Público não são necessariamente coincidentes com os de outros entes públicos, até porque aquele, apesar de ser parte, também tem a obrigação de funcionar no processo como custos legis, obrigação à qual não se vincularia a Administração Pública quando ofendida por um determinado delito. Exemplificando: em um crime de peculato, o ente público atingido diretamente pelo fato delituoso não teria necessariamente que admitir a improcedência da acusação (muito pelo contrário), enquanto que o Ministério Público, dada as suas feições de parte e de fiscal da lei, tem a obrigação legal e institucional de pugnar pela absolvição do acusado, inclusive recorrendo em seu favor.

Ora, se não é sempre coincidente a atuação do Ministério Público com a do outro órgão do Estado, afigura-se-nos possível a presença deste como assistente de acusação.

Paulo:

Bem a propósito, veja-se este julgado do Tribunal de Justiça de São "Tratando-se de ação penal pública promovida pelo Ministério Público, sendo lesada a Municipalidade local, é admissível o ingresso desta como assistente. É que o interesse do bem público geral do órgão ministerial não coincide com o interesse secundário da ofendida".8

Neste mesmo julgado, lê-se:

"Inocorre, na espécie, a superfetação a que alude Tourinho Filho, pois a Municipalidade, enquanto assistente, age na defesa de interesses próprios, estranhos ao interesse geral pelo qual atua o Parquet, segundo destinação constitucional".

De toda forma, no Decreto-Lei n.º 201/67 que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores (art. 2º., § 1º.), prevê-se a possibilidade da assistência ao Ministério Público dos órgãos federais, estaduais ou municipais "interessados na apuração da responsabilidade do prefeito"; na Lei n.º 7.492/86 que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 26, parágrafo único), são admitidos a habilitar-se como assistentes da acusação a Comissão de Valores Mobiliários – CVM (autarquia federal) e o Banco Central do Brasil; por fim, na Lei n.º 8.078/90 que disciplina a proteção do Consumidor (art. 80), encontram-se hipóteses em que se prevê a assistência de órgãos e entidades da administração pública, direta ou indireta, bem como de determinadas associações.

Ao assistente é permitido propor meios de prova que serão produzidas por decisão judicial, após a ouvida do Ministério Público, bem como requerer reperguntas às testemunhas, aditar o libelo (mas não a denúncia), aditar os articulados (as alegações finais), participar do debate oral, arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio e contra-arrazoar os interpostos pela defesa, considerando-se as contra-razões como articulados.

O assistente poderá interpor os seguintes recursos:

1) recurso em sentido estrito da impronúncia e da sentença que decretar a extinção da punibilidade (art. 271, CPP) e da decisão que denegar ou julgar deserta a apelação interposta por ele próprio (art. 581, XV, CPP);

2) apelação da sentença absolutória (art. 271, CPP);

3) carta testemunhável;

4) embargos de declaração

5) recurso extraordinário (Súmula 210, STF).

É certo que o recurso em sentido estrito previsto no art. 581, XV não está elencado expressamente como passível de impetração pelo assistente, mas esta possibilidade é lógica, pois não seria possível permitir-se a apelação (como o faz o art. 271) e não se aceitar o remédio recursal para a sua possível denegação. Este mesmo raciocínio utiliza-se para se admitir a carta testemunhável quando se denegar o recurso em sentido estrito nas hipóteses indicadas pelo art. 271.

Como diz Tourinho Filho, "de nada valeria conceder-se-lhe o direito ao recurso se, porventura, lhe fossem negados os meios necessários para preservar e fazer valer aquele direito".9

Quanto aos embargos declaratórios (tanto os previstos no art. 382, quanto os do art. 619), a sua admissibilidade para o assistente é evidente, até porque não se pode admitir a perfeita validade de uma decisão judicial que não seja clara e íntegra. Exatamente por isso, qualquer decisão judicial pode ser atacada pelos embargos declaratórios, ainda que não haja previsão específica a esse respeito.

Como dizem Ada, Scarance e Magalhães "é inconcebível que fique sem remédio a obscuridade, a ambigüidade, a contradição ou a omissão existente no pronunciamento, que podem chegar até a comprometer a possibilidade prática de cumpri-lo". Para eles, então, "ainda quando o texto legal, expressis verbis, qualifique a decisão como irrecorrível, deve entender-se que o faz com a ressalva implícita aos embargos de declaração".10 Eis, portanto, porque incluímos também tal recurso entre os oponíveis pelo assistente.

O prazo recursal para o assistente é o mesmo estabelecido para as partes principais. Observa-se, porém, que quando o assistente recorre supletivamente o prazo para o recurso começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público, segundo a Súmula 448, do STF. Este preceito sumular, no entanto, somente se aplica quando o assistente é intimado antes do Ministério Público, ou quando corre o prazo para este (RTJ, 68/604). De observar-se que o prazo de 15 dias estabelecido no parágrafo único do art. 598 do CPP é para o ofendido que não se habilitou como assistente. Se o fez, o seu prazo será de 5 dias.11

Em qualquer fase processual se admite a habilitação para a assistência, respeitando-se apenas o trâ nsito em julgado da sentença. No plenário do Tribunal do Júri a intervenção do assistente deverá ser requerida com antecedência de pelo menos três dias, salvo se o assistente já tiver sido admitido anteriormente (art. 447, parágrafo único, do CPP).

Para a admissão do assistente é indispensável a ouvida do Ministério Público (art. 272).

Por força do art. 273, CPP, não é cabível nenhum recurso da decisão que admitir ou não o assistente. Nada obstante, é indiscutível a possibilidade da interposição de mandado de segurança, embargos declaratórios ou correição parcial.

Notas:

1. Inocêncio Borges da Rosa, Processo Penal Brasileiro, Porto Alegre: Globo, vol. 2, 1942, p. 202.

2. Apud Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, vol. 2, 1998, p. 498.

3. Fernando da Costa Tourinho Filho, ob. cit. p. 498.

4. Victor Moreno Catena, Derecho Procesal Penal, Madrid: Editorial Colex, 1999, p. 250.

5. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3ª. ed., Lisboa: Verbo, vol. 1, 1996, p. 308.

6. Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 311.

7. Fernando da Costa Tourinho Filho, ob. cit., p. 496.

8. RT 688/295.

9. Fernando da Costa Tourinho Filho, ob. cit. p. 514.

10. Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, Recursos no Processo Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 229.

11. Fernando da Costa Tourinho Filho, ob. cit. p. 516.

Rômulo de Andrade Moreira
romuloamoreira[arroba]uol.com.br
Rômulo de Andrade Moreira
Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia.
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS na graduação e na pós -graduação (Cursos de Especialização em Direito Público
e em Processo).
Pós -graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha e pela UNIFACS (Especialização em Processo, coordenado pelo Professor Calmon de Passos).
Membro da Association Internationale de Droit Penal e do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento do Ministério Público Democrático.



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