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Os dados de produção de leite utilizados neste estudo foram obtidos de nove rebanhos Guzerá, localizados nas Regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, totalizando 1130 lactações com controles mensais, de 583 vacas, referentes ao período de 1983 a 1997. Esses dados fazem parte do Arquivo Zootécnico Nacional, mantido na Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora - MG, e foram gerados em parceria com a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).
Os modelos utilizados no ajuste às produções individuais de leite de vacas Guzerá foram:
O modelo (1), descrito por PAPAJCSIK e BODERO (1988), é uma versão do modelo Gama de Wood (1967), pois considera o parâmetro "b", do modelo original, igual a um. O modelo (2) foi descrito por COBUCI et al. (2000). Considere para ambos os modelos a variável "y" como a produção de leite no estádio "n" da lactação, em que "n" é o período de tempo decorrido do parto até a data em que foi medida a produção de leite (em meses); "a", a produção inicial de leite; e "c", a taxa de declínio da produção de leite durante o período da lactação.
A estimação dos parâmetros de cada modelo foi realizada por meio de regressão não-linear da produção de leite, em função do número de dias do parto até a avaliação do controle leiteiro (em meses), utilizando-se o método de Gauss Newton.
Na estimação dos componentes de (co)variância necessários para a estimação dos parâmetros genéticos das características, foram utilizados o método da Máxima Verossimilhança Restrita (REML) e o modelo animal, por intermédio do sistema MTDFREML (Multiple Trait Derivate Free Restricted Maximum Likelihood), descrito por BOLDMAN et al. (1995). A estratégia de utilização empregada foi semelhante à de VERNEQUE (1994), em que as análises com uma só característica são rodadas, inicialmente, para obtenção de boa aproximação dos componentes de variância. Os componentes de variância e covariância obtidos são utilizados como informação inicial na estimação conjunta com baixa precisão (Var (-2Log(L2)) < 10-6 ). As estimativas obtidas são então utilizadas, sucessivamente, como informação inicial de processamentos mais precisos (Var (-2Log(L2)) < 10-9 ). Após o estabelecimento deste procedimento, para evitar a ocorrência de um máximo local, foram realizados novos processamentos, até que não se verificassem mais variações superiores a 0,002 unidades nos valores da função de verossimilhança, entre dois processamentos sucessivos.
Em análises com duas características, o modelo linear misto utilizado em sua forma matricial foi:
em que y é o vetor das variáveis dependentes (produção de leite total, produção inicial e taxa de declínio da produção); X, a matriz de incidência de efeitos fixos; b, o vetor de efeitos fixos (rebanho-ano-estação de parto, idade da vaca ao parto com termos linear e quadrático); Z, a matriz de incidência dos efeitos genéticos diretos; g, o vetor dos efeitos aleatórios dos valores genéticos diretos do animal; W, a matriz de incidência dos efeitos permanentes de ambiente; p, o vetor dos efeitos permanentes de ambiente; e, o vetor dos erros aleatórios associados a cada observação.
As produções de leite totais estimadas pelos modelos de regressão (PLTE) foram obtidas por:
em que produção mensal de leite estimada (n = 1,2,...,t); n número de controles (em meses); e Plact = período de lactação (em dias).
As estimativas dos coeficientes de determinação, o percentual de curvas atípicas, percentual de parâmetros significativos do modelo matemático, raiz do quadrado médio do resíduo da regressão e os desvios médios, em porcentagem (%) e quilos de leite (kg), obtidos com a utilização das lactações individuais, estão apresentados na Tabela 1. Constam da Tabela 2 os modelos, as produções de leite totais estimadas e os desvios, obtidos por meio da curva de lactação média. Com base nos desvios, pode-se observar que o modelo 2 estimou produções bem próximas às das produções observadas.
Os resíduos estimados como a diferença entre as produções de leite observadas e as estimadas pelos modelos ora subestimaram ora superestimaram as produções em diversos estádios da curva de lactação, indicando a presença de correlação serial positiva entre os sucessivos resíduos. Entretanto, para o modelo 2, estes resíduos foram muito reduzidos nos primeiros oito estádios de lactação (Figura 1).
Esta forma de correlação pode ocorrer em curvas de lactação, porque as observações estão ordenadas em função do tempo e, de certa forma, alguns autores consideram normal a presença de correlação residual, pois os resíduos contêm toda a variação não-explicada pelo modelo, relativas aos efeitos genéticos e de ambiente permanente (EL FARO et al., 1999).
Na Tabela 3 são apresentadas as distribuições dos coeficientes de determinação (em porcentagem), de acordo com os modelos propostos e a ordem de parto das vacas. Verifica-se que os modelos apresentaram piores ajustes às produções de leite das vacas de primeira ordem de parto, sendo que somente 19,1 e 46,9% dos coeficientes de determinação obtidos pelos modelos 1 e 2, respectivamente, foram superiores a 0,8. Resultado semelhante foi relatado por KELLOGG et al. (1977), em trabalho com dados de vacas da raça Holandesa. Segundo os autores, os piores ajustes obtidos para as vacas de primeira lactação poderiam ser explicados pelo achatamento da curva, sem que evidenciasse o pico de produção nos primeiros meses de lactação.
Na Figura 2, estão representadas as curvas de lactação estimadas pelos modelos matemáticos propostos e a curva média observada, assim como a curva de lactação atípica estimada pelo modelo 2. A produção média diária observada foi de 8,11 kg, com produção inicial de 10,58 kg de leite e período médio de lactação de 290 dias. Formas atípicas de curva de lactação são decorrentes das estimativas negativas para os parâmetros do modelo. Neste caso, este formato foi devido às estimativas negativas obtidas para o parâmetro "c".
A produção de leite total observada, o período de lactação e as estimativas dos parâmetros "a" e "c", segundo a ordem de parto, estão apresentados na Tabela 4. Observa-se que as vacas mais jovens tiveram menores produções inicial e maiores persistências da lactação.
Estes resultados estão de acordo com JUNQUEIRA et al. (1997) e QUEIROZ et al. (1991), segundo os quais vacas mais jovens apresentaram menores níveis de produção ao longo do período de lactação, com decréscimos menores que garantem uma persistência mais elevada. Contudo, com o avançar da idade e, conseqüentemente, com a maturidade fisiológica dos animais, melhores desempenhos são alcançados.
Na Tabela 5 estão apresentadas as produções de leite total observadas e as estimativas do parâmetro "c", de acordo com a classe de produção inicial. Vacas que produziram menores quantidade de leite no início da lactação apresentaram lactações com declínios menos acentuados da produção diária de leite. No entanto, as vacas pertencentes às classes de maiores produções iniciais apresentaram maiores taxas de declínio da produção e maiores produções na lactação.
Na Tabela 6 são apresentadas as produções de leite total observadas e as estimativas obtidas para os parâmetros dos modelos, segundo a classe de período de lactação das vacas. Observa-se que os modelos apresentaram tendências diferentes quanto a produção inicial nas diversas classes de período de lactação. Para o modelo 1, as estimativas de produção inicial tenderam a diminuir com o aumento no período de lactação, o mesmo não aconteceu com o segundo modelo. Portanto, maiores produções de leite parecem estar associadas a menores taxas de declínio da produção.
JUNQUEIRA et al. (1997), na raça Holandesa, verificaram que animais com duração da lactação entre 210 e 244 dias apresentaram menores produções iniciais e maiores declínios da produção, quando comparadas a animais de classes de duração de lactação maiores, que normalmente apresentam maiores persistências.
A relação entre produção inicial e taxa de declínio da produção pode ser observada no decorrer dos anos (Figuras 3 e 4). A variação desses parâmetros, ano a ano, indica que tais características são influenciadas principalmente por fatores de ambiente do que por fatores genéticos. Tais resultados podem ter sido em razão de diferenças na alimentação e no manejo, na temperatura e na precipitação pluviométrica, influenciando a quantidade e qualidade das forrageiras oferecidas aos animais ao longo dos anos. Dessa maneira, formatos mais desejáveis de curva de lactação poderiam ser conseguidos com a melhoria, por parte dos produtores, de fatores como nutrição e manejo.
Nas Tabelas 7 e 8 são apresentadas as correlações genéticas e ambientais entre as características produção total de leite e produção em 305 dias e os parâmetros dos modelos 1 e 2, respectivamente.
As correlações genéticas entre os parâmetros "a" e "c" foram positivas para os modelos 1 e 2 (0,45 e 0,75). Este resultado sugere que filhas de touros com maior valor genético para produção inicial "a" tendem a apresentar declínio mais acentuado na produção de leite ao longo da lactação "c". Dessa forma, a seleção para a produção inicial resultaria em vacas com maior taxa de declínio da produção. Este resultado foi semelhante ao relatado por SHANKS et al. (1981) e oposto ao encontrado por GRAVERT e BAPTIST (1976).
Ainda para as mesmas características, as correlações ambientais encontradas (0,75 e 0,70) foram altas e positivas, indicando que as condições ambientais e os efeitos dos fatores não-aditivos foram semelhantes na sua influência sob ambas as características. Assim, a melhoria nas condições de manejo e alimentação poderia atenuar o antagonismo fenotípico entre produção inicial e taxa de declínio da produção de leite. Resultados opostos, no entanto, foram obtidos por VARONA et al. (1998).
Pode-se observar nas Tabelas 7 e 8 que as correlações genéticas da produção de leite total e o parâmetro "c" apresentaram sentidos contrários nos modelos estudados.
BIANCHINI SOBRINHO e DUARTE (1988) ao analisarem registros de produção de leite de vacas Gir, obtiveram estimativas positivas para a correlação entre estes parâmetros. No entanto, VARONA et al. (1998), usando métodos bayesianos, encontraram correlações genéticas de -0,04 entre a produção de leite total e a taxa de declínio da produção.
As correlações ambientais entre a taxa de declínio da produção e a produção de leite total foram negativas. Estes resultados sugerem que as causas da variação genética e ambiental influenciam estas características por meio de diferentes mecanismos fisiológicos.
A produção inicial mostrou ser positivamente correlacionada com a produção de leite total. Resultado semelhante foi encontrado, no Brasil, por BIANCHINI SOBRINHO e DUARTE (1988), ao ajustarem o modelo linear hiperbólico aos dados de produção de leite de um rebanho da raça Gir.
De modo geral, pode-se inferir que a seleção para produção de leite provocaria acréscimo na produção inicial e pequenas mudanças no declínio da produção de leite das vacas.
As correlações genéticas e ambientais entre a produção em 305 dias (P305) e a taxa de declínio da produção, em direção e em magnitude, seguiram a mesma tendência das correlações obtidas para a produção de leite total. Entretanto, apresentaram magnitudes diferentes entre os modelos estudados.
Correlações genéticas e ambientais negativas entre produção de leite em 305 dias e o parâmetro "c" também foram observadas por SCHNEEBERGER (1981), nos Estados Unidos, em vacas da raça Pardo-Suíça e, no Brasil, por GADINI et al. (1998), em um rebanho comercial de vacas mestiças. Esses autores concluíram que o modelo gama incompleto forneceu parâmetros e características que podem servir como critério de seleção de maneira tão eficiente quanto a produção em até 305 dias, com a vantagem dessas características serem obtidas na primeira metade da lactação.
As correlações amostrais (Pearson) entre produção de leite total e a produção inicial foram de 0,67 e 0,73, respectivamente, para cada modelo, indicando associação linear favorável entre os valores genéticos preditos. Entretanto, para a produção de leite total na lactação e a taxa de declínio da produção, essas correlações foram de -0,13 e 0,50. As correlações de ordem (Spearman) obtidas entre as danificações dos animais quanto a produção de leite total e a produção inicial foram altas e positivas (0,68 e 0,74), sugerindo que os indivíduos com os maiores valores genéticos para produção inicial seriam também aqueles com maiores valores para produção de leite total. As correlações de ordem entre a produção de leite total e a taxa de declínio foram de 0,03 e -0,54, respectivamente, para os modelos estudados.
De modo geral, pode-se inferir que a seleção para a produção de leite total na lactação causa acréscimo na produção inicial e mudanças inexpressivas na taxa de declínio da produção de leite, não alterando, assim, o formato da curva de lactação. No entanto, vacas da raça Guzerá com maiores produções iniciais apresentam declínios na produção de leite mais acentuados ao longo da lactação.
Possivelmente, alterações no formato da curva de lactação dos rebanhos estudados seriam obtidas com maior sucesso, por meio da melhoria nas condições de ambiente a que os animais são submetidos. A seleção direta para menores taxas de declínio da produção seria de baixa eficiência.
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Jaime Araujo Cobuci2, Ricardo Frederico Euclydes3, Roberto Luiz Teodoro4, Rui da Silva Verneque4, Paulo Sávio Lopes3, Martinho de Almeida e Silva5 - rsverneq[arroba]cnpgl.embrapa.br
1 Parte da Dissertação apresentada à UFV, pelo primeiro autor, para obtenção do grau de "Magister Scientiae" em Zootecnia.
2 Zootecnista, Estudante de Doutorado da UFV, Bolsista da CAPES.
3 Professores da Universidade Federal de Viçosa.
4 Pesquisador do CNPGL/EMBRAPA, Juiz de Fora, MG.
5 Professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
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