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Aspectos fitossociológicos de um fragmento da floresta natural de Astronium balansae engl., no munic (página 2)

Alexandra Augusti Boligon; Solon Jonas Longhi; Augusto Bolson Murari; Crist

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho foi realizado no município de Bossoroca, situado na região das Missões, noroeste do estado do Rio Grande do Sul. O fragmento florestal estudado possui uma área de 5ha e é uma associação sob a forma de "capões", muito típica desta região.

O clima da região, segundo a Classificação Climática de Köppen, é do tipo Cfa, subtropical de clima temperado chuvoso. Segundo MALUF et al. (1999), a temperatura máxima do mês mais quente, em dezembro, é de 39,8°C e a temperatura mínima do mês mais frio, em julho, é de –2,6°C. A temperatura média anual é de 17,9°C. A precipitação média anual é de 1534 mm/ano (dados para o município de Santiago, no período de 1931-1960).

O solo da região é do tipo "Nitosolo Vermelho Distroférrico Latossólico" pertencente à unidade de mapeamento São Borja. É um solo com "B" textural, substrato basalto e com argila de atividade baixa (STRECK et al., 2002). Apresenta relevo ondulado a suavemente ondulado, caracterizado por elevações arredondadas (coxilhas) apresentando, em muitos locais, afloramentos rochosos. No interior do fragmento estudado, encontram-se afloramentos rochosos que se intercalam com solo mais profundo.

Para a coleta de dados a campo, utilizou-se a amostragem em faixas (PÉLLICO NETTO & BRENA, 1997), sendo levantadas sete unidades amostrais de 10 x 100m (1000m²), perfazendo um total de 0,7ha. Em cada unidade amostral, foram consideradas todas as plantas com CAP (circunferência a altura do peito) maior ou igual a 30cm. De cada indivíduo, foram obtidos dados relativos a: espécie; CAP, medido com fita métrica; altura total e altura comercial, ambas medidas com Blume-Leiss; e posição sociológica, de acordo com estrato superior, médio ou inferior.

As espécies que não foram prontamente identificadas a campo, tiveram material botânico coletado para posterior identificação pelos taxonomistas do Herbário do Departamento de Ciências Florestais (HDCF) da Universidade Federal de Santa Maria.

De posse destes dados, estimaram-se o Índice de Diversidade de Shannon e os parâmetros fitossociológicos tradicionalmente utilizados para a descrição da estrutura horizontal e vertical da comunidade, os quais se encontram definidos nos trabalhos de LAMPRECHT (1964) e MATTEUCCI & COLMA (1982). Para a verificação da suficiência amostral, foi utilizada a curva espécie-área, metodologia comum a este tipo de estudo. Para a obtenção destas estimativas, utilizou-se o programa FITOANÁLISE, elaborado por CARVALHO Jr. et al. (2002).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Suficiência Amostral

Ocorreu uma estabilização do número de espécies quando a área amostrada foi de 5000 m² (Figura 1). Considerando o erro de 10% permitido para este tipo de metodologia, pode-se concluir que as 7 parcelas amostradas foram suficientes para representar a composição florística deste fragmento.

O fato do número de espécies ter se estabilizado com apenas 5 parcelas amostradas ocorreu devido à baixa diversidade florística deste tipo de vegetação. Alguns autores citam que florestas mais homogêneas resultam em curvas estabilizadas com menor área amostrada, e florestas muito heterogêneas tendem a ter estabilização apenas com elevadas áreas amostradas, não se estabilizando em certos casos (MANTOVANI, 1993; DIAS, 1993).

Composição florística

No total, foram observados 476 indivíduos com CAP = 30 cm, pertencentes a 25 famílias, 33 gêneros e 35 espécies arbusto-arbóreas (Tabela 1). Além destas espécies, não foi possível a especificação de mais duas por falta de material fértil no período de coleta de dados.

O número reduzido de espécies é característica comum de capões, incluída a floresta de pau-ferro (LONGHI, 1987). Em trabalho em uma floresta de Astronium balansae, no município de São Borja –RS, o autor encontrou apenas 19 espécies. O número superior de espécies encontrado neste estudo pode ser explicado parcialmente pela ocorrência no fragmento de algumas espécies não características deste tipo de formação florestal. Assim, temos Ficus luschnathiana, que ocorre isolada em áreas de campo desta região, além de Allophyllus edulis, Cabralea canjerana, Trichilia catigua, T. elegans, Myrocarpus frondosus e Strychnos brasiliensis pertencentes à Floresta Estacional Decídua, próxima 15km do fragmento. A maior proximidade destas formações, quando comparadas ao fragmento estudado por LONGHI (1987), juntamente com a ocorrência de solo mais evoluído no interior do fragmento, pode explicar a maior diversidade florística que este apresentou.

As famílias que mais se destacaram foram Myrtaceae, Meliaceae e Euphorbiaceae, representadas por 4, 3 e 3 espécies, respectivamente. Das 25 famílias amostradas, 17 (68%) foram representadas por uma única espécie. A família que apresentou o maior número de indivíduos foi Myrtaceae, com 173 indivíduos, seguida por Boraginaceae, com 51, e Anacardiaceae, com 50 indivíduos. Estas 3 famílias somadas representaram 57,5% do total de indivíduos do fragmento. As espécies mais representadas foram Eugenia uniflora, com 90 indivíduos (18,9% do total), Myrcianthes pungens, com 62 (13%), Patagonula americana, com 51 (10,7%), e Astronium balansae com 50 (10,5%). Pode-se observar a grande dominância da família Myrtaceae em número de indivíduos, o que normalmente ocorre neste tipo de formação (LONGHI, 1987).

Estrutura horizontal da floresta

Analisando a tabela 2, observa-se um elevado número de indivíduos/ha equivalente a 680 árvores/ha, indicando que o fragmento se apresenta bastante denso. Destacam-se Eugenia uniflora (128,57 árv.ha-1), Myrcianthes pungens (88,57 árv.ha-1), Patagonula americana (72,86 árv.ha-1) e Astronium balansae (71,43 árv.ha-1), as espécies mais comuns e características deste tipo de vegetação.

As espécies Aspidosperma parvifolium, Eugenia uniflora e Schaefferia argentinensis ocorreram em todas as parcelas. Astronium balansae ocorreu em 6 parcelas, o que mostra que esta espécie tem distribuição aleatória neste fragmento. A presença desta espécie em praticamente toda a área amostrada é devida às pequenas variações de solo e relevo dentro do capão de 5ha. Este fato só não é observado em capões onde houve extração de madeira de pau-ferro.

As espécies com baixos valores de densidade e freqüência são comumente intituladas raras. Estas espécies são raras apenas no conceito numérico para uma determinada área num determinado momento, e não necessariamente do ponto de vista biológico, visto que podem ocorrer em florestas próximas à área de estudo (FIGUEIREDO, 1993). Porém, foram estas espécies que determinaram a diversidade florística deste fragmento. Neste grupo, devem existir algumas espécies verdadeiramente raras, considerando suas características biológicas, como aquelas de baixa densidade local por motivos sucessionais, sendo citadas as espécies Chomelia obtusa, Strychnos brasiliensis, Trichilia catigua e Allophylus edulis. Destas, as duas primeiras foram encontradas apenas nas bordas do fragmento, representando a transição deste com as áreas de campo nativo. Estas espécies podem determinar o avanço do capão sobre o campo. Devido ao estágio de sucessão secundária do fragmento, as demais espécies são suprimidas, diminuindo sua freqüência e densidade. Estas são encontradas nos locais onde o dossel não se encontra muito fechado e próximas às clareiras. Outras espécies, como Cabralea canjerana e Myrocarpus frondosus, apresentam baixa densidade por serem espécies de outras formações.

Observa-se que Astronium balansae é a mais dominante, perfazendo 21,66% da dominância total. Esta é seguida por Patagonula americana (17,43%) e Myrcianthes pungens (16,19%). A dominância destas espécies se deve, principalmente, às grandes dimensões de seus indivíduos.

Quando as espécies foram hierarquizadas pelo VI, houve a seguinte seqüência: Astronium balansae (12,57% do VI total), Myrcianthes pungens (11,9%), Patagonula americana (11,54%), Eugenia uniflora (9,64%) e Parapiptadenia rigida (8,35%). Estas cinco espécies perfazem 54% do VI total deste fragmento. Destas, Eugenia uniflora teve elevado VI devido à sua elevada freqüência e densidade. As demais espécies apresentaram, além de elevada freqüência e densidade, valores elevados de dominância, o que contribuiu para seu maior VI.

Para o valor de cobertura, tem-se a mesma hierarquia citada para o VI, sendo que estas mesmas espécies perfazem 66,18% do VC total. O elevado VC é devido à grande densidade e dominância destas espécies. Estes valores comprovam que estas são as espécies mais características e importantes do tipo de vegetação considerado neste levantamento.

O baixo número de árvores mortas encontradas (1,43 árv.ha-1), representando 0,21% do total, é devido ao fato das mesmas serem retiradas do local para utilização na propriedade. O valor estimado do índice de diversidade de Shannon encontrado para o fragmento foi de 3,0, ficando próximo ao encontrado por LONGHI et al.(2000) para um fragmento de Floresta Estacional Decidual no município de Santa Maria-RS (3,213), e por LONGHI et al. (1999) que encontrou índice de diversidade de 3,12, estudando outro fragmento da mesma região. Estrutura vertical da floresta

A tabela 3 mostra dados da análise da estrutura Sociológica Vertical do fragmento estudado. Pode-se verificar que o total de indivíduos deste fragmento encontra-se bem distribuído nos três estratos. O estrato inferior possui número de indivíduos um pouco maior devido ao grande número de árvores jovens encontradas no local, principalmente mirtáceas, normal para florestas inequiâneas.

Observa-se que a espécie Astronium balansae foi a mais importante do estrato superior (com 23,53% dos indivíduos totais do estrato) concentrando 64% de seus indivíduos neste estrato. É a terceira mais importante do estrato médio (10,20%), com 30% de seus indivíduos, e apenas a oitava (1,55%) do estrato inferior, com 6% de seus indivíduos. Isto comprova o caráter heliófilo desta espécie. Este fato também foi verificado por LONGHI (1987), que encontrou apenas 12,21% dos indivíduos da espécie no estrato inferior, em outro fragmento de Floresta Natural de Astronium balansae. Esta espécie tende a ser substituída no futuro por umbrófitas na dinâmica do fragmento. Além desta, outras espécies representativas do estrato superior foram Patagonula americana (16,91% dos indivíduos deste estrato), Myrcianthes pungens (16,18%) e Parapiptadenia rigida (11,76%). Estas espécies dominaram o estrato superior, devido à maior densidade de indivíduos de grande porte e apresentaram-se bem distribuídas em todos os estratos, fato que garante a permanência destas na dinâmica futura do fragmento.

Destacaram-se ainda, Xylosma prockia e Nectandra megapotamica pela presença restrita ao estrato superior, o que nos leva a concluir que tendem a ser substituídas por outras espécies no futuro. Analisando-se o estrato inferior, nota-se que Eugenia uniflora é dominante, representando 41,45% dos indivíduos do estrato, concentrando 88,89% de todos os representantes desta espécie. Este fato é explicado pelo baixo porte da espécie, o que não permite que alcance os estratos mais altos da floresta. Outras espécies de pequeno porte que se destacaram por terem 100% de seus indivíduos no estrato inferior foram Chomelia obtusa, Celtis iguanaea e Gymnanthes concolor, embora representem uma pequena fração deste devido à sua baixa densidade.

A ocorrência de um indivíduo jovem de Cabralea canjerana no estrato inferior indica que esta espécie está se estabelecendo neste local há pouco tempo, onde encontre condições favoráveis, principalmente no que diz respeito à luminosidade (clareiras no interior da mata ou condição de borda), dado ser espécie pioneira. Esta espécie não é comum a este tipo de formação florestal, sendo característica da Floresta Estacional Decídua, próxima ao fragmento estudado. A abertura de clareiras, possivelmente pela retirada de madeira do local, bem como condições adequadas de solo em certos locais da área (sem afloramento de rochas), beneficiam o aparecimento desta espécie. Assim, esta poderá ser encontrada no futuro ocorrendo juntamente com os capões de pau-ferro desta região.

CONCLUSÕES

A espécie mais característica e importante deste tipo de formação é Astronium balansae (pau-ferro) por apresentar maior dominância, maior Índice de Valor de Importância e maior Índice de Valor de Cobertura. Seu maior número de indivíduos se apresenta no estrato superior, devido ser esta uma espécie heliófila. As outras espécies que se destacaram neste fragmento foram Myrcianthes pungens, Patagonula americana, Eugenia uniflora e Parapiptadenia rigida.

As espécies que apresentaram baixa densidade e freqüência no estrato inferior tendem a ser substituídas na sucessão futura do fragmento por espécies de formações próximas como da Floresta Estacional Decídua, aumentando assim, a diversidade florística do fragmento estudado.

A baixa diversidade florística do fragmento é característica das formações sob a forma de capões, típicas das regiões campestres encontradas no local de estudo. Espera-se, como tendência natural deste tipo de formação, o avanço da vegetação dos capões sobre a vegetação campestre.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Inventário florestal nacional – Florestas nativas do Rio Grande do Sul. Brasília: 1983. 345 p.

CARVALHO Jr., L.A. et al. FITOANÁLISE – Software para análise fitossociológica e inventário florestal. Santa Maria: UFSM, 2002.

DIAS, A.C. Estrutura e diversidade do componente arbóreo e a regeneração do palmito (Euterpe edulis) de um trecho da mata secundária no Parque Estadual de Carlos Botelho (SP). 1993. 126f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) – ESALQ/USP.

FIGUEIREDO, N. Estudo fitossociológico em uma floresta mesófila semidecídua secundária na Estação Experimental de Angatuba, município de Angatuba, SP. 1993. 160f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal) - Universidade Estadual de Campinas.

FLEIG, M. Estudo taxonômico da família Anacardiaceae no Rio Grande do Sul, Brasil. 1976. 163f. Dissertação (Mestrado em Botânica) – URGS.

KUPPER, A. Recuperação vegetal com espécies nativas. Silvicultura, São Paulo, v.15, n.58, p.38-41, nov./dez. 1994.

LAMPRECHT, H. Ensayo sobre la estrutura floristica de la parte sur - oriental del bosque universitario "El Caimital", Estado Barinas. Rev. For. Venezolana, Mérida, v. 7, n. 10/11, p. 77-119, 1964.

LONGHI, S. J. Aspéctos fitossociológicos de uma floresta natural de Astronium balansae Engl., no Rio Grande do Sul. Revista do Centro de Ciências Rurais, Santa Maria, v. 17, n. 1, p. 49 – 61, 1987.

LONGHI, S.J. et al. Aspectos fitossociológicos de fragmento de Floresta Estacional Decidual, Santa Maria, RS. Ciência Florestal, Santa Maria, v.10, n.2, p.59-74, 2000.

LONGHI, S.J. et al. Composição florística e estrutura da comunidade arbórea de um fragmento florestal no município de Santa Maria – Brasil. Ciência Florestal, v. 9, n. 1, p. 115–133, 1999.

MALUF, J.R.T. et al. Características climáticas da região de dispersão natural de Pau-Ferro (Astronium balansae Engl.) no estado do Rio Grande do Sul. Pesquisa em andamento Online n. 4 – Publicações - Embrapa Trigo, 1999. Disponível no site: www.embrapa.com.br

MANTOVANI, W. Estrutura dinâmica da floresta atlântica na Juréia – SP. 1993. 128p. Tese (Livre-Docência) – Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo.

MARGURRAN, A.E. Ecological Diversity and its Measurements. New Jersey: Princeton University. 1988. 200p.

MARTINS, F.R. Estrutura de uma floresta mesófila. Campinas: UNICAMP, 1991. 246p.

MATTEUCCI, S.D.; COLMA, A. Metodologia para el estudio de la vegetacion. Washington: The Genral Secretarial of the Organization of American States, 1982. 167p. (Série Biologia - Monografia, 22).

PÉLLICO NETTO, S.; BRENA, D.A. Inventário florestal. Curitiba: editorado pelos autores, 1997. 316p.

SCHULTZ, A.R. Pau-ferro no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Instituto Tecnológico do Rio Grande do Sul, 1953. 9p. (Boletim técnico, 23).

STRECK, E.V. et al. Solos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EMATER/RS; URGS, 2002.

Nota

1. Boligon e Hack, bolsistas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).

Alexandra Augusti BoligonI; Solon Jonas LonghiII; Augusto Bolson MurariIII; Cristiano HackI
aboligon[arroba]yahoo.com.br

ICurso de Graduação em Agronomia, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil
IIDepartamento de Ciências Florestais, Centro de Ciências Rurais (CCR), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail:
longhiso[arroba]ccr.ufsm.br
IIIPrograma de Pós-graduação em Engenharia Florestal, CCR, UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil



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