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Aspectos ecotoxicológicos de químicos agrícolas (página 2)

Márkilla Zunete Beckmann

3. ECOTOXICOLOGIA DE AGROQUÍMICOS

Ecotoxicologia descreve a relação entre os poluentes químicos, o ambiente em que são liberados e a biota naquele ambiente. Por isso, essas substâncias devem ser bem estudadas, para que seus riscos potenciais possam ser muito bem definidos, e medidas para atenuar seus prováveis impactos devem ser muito bem determinadas por meio de ações regulatórias e técnicas (STÜTZER et al., 2003).

A toxicidade de um composto químico depende da exposição, da suscetibilidade do organismo, das características químicas do agente e de fatores ambientais (TOMITA e BEYRUTH, 2002). As espécies possuem suscetibilidades diferentes de acordo com seu aparato metabólico, seus hábitos alimentares, comportamento, fase de desenvolvimento, dentre outros aspectos, podendo estar sujeitas às exposições aguda e/ou crônica.

Na exposição aguda, os organismos entram em contato com o composto químico num evento único ou em eventos múltiplos que ocorrem num pequeno período de tempo, geralmente variando de horas a dias. Os efeitos são imediatos, embora seja possível a produção de efeitos retardados similares àqueles resultantes de exposição crônica (RAND e PETROCELLI, 1985).

Já na exposição crônica, segundo os autores citados acima, normalmente os organismos são expostos a baixas concentrações do agente tóxico que é liberado continuamente ou com alguma periodicidade num longo período de tempo (semanas, meses ou anos), mas pode também induzir a efeitos rápidos e imediatos, como os efeitos agudos, em adição aos efeitos que se desenvolvem lentamente.

A freqüência da exposição também afeta a toxicidade dos compostos químicos. Uma exposição aguda a uma única concentração pode resultar num efeito adverso imediato num organismo, enquanto duas exposições sucessivas cumulativas iguais à exposição aguda única podem ter efeito pequeno ou nenhum efeito, devido ao metabolismo (detoxificação) do organismo entre as exposições ou à aclimatação do organismo ao composto (RAND e PETROCELLI, 1985).

No entanto, cabe ao Ministério da Saúde, por meio da ANVISA, proceder à avaliação toxicológica que se compõe de duas etapas:

a) Classificação Toxicológica: se baseiam nos dados de toxicologia aguda do produto técnico e da formulação. Dependendo dos resultados dos testes, os produtos podem ser classificados em uma das quatro classes toxicológicas abaixo:

    • CLASSE I – extremamente tóxico – faixa vermelha;
    • CLASSE II – altamente tóxico – faixa amarela;
    • CLASSE III – moderadamente tóxico – faixa azul;
    • CLASSE IV – pouco tóxico – faixa verde.

Os estudos necessários a essa avaliação são: DL50 (Dose Letal) oral aguda; DL50 dérmica aguda; irritabilidade ocular; irritabilidade dérmica; sensibilização dérmica e CL50 (Concentração Letal) inalatória.

A classificação toxicológica diz respeito exclusivamente a que manuseia o produto havendo exposição única; é importante como medida de segurança para quem trabalha na produção, na embalagem, no armazenamento, no transporte, no preparo da calda e na sua aplicação. Esta classificação não está relacionada com exposição a longo prazo e com a segurança do meio ambiente (STÜTZER et al., 2003).

b) Avaliação toxicológica propriamente dita: tem por finalidade analisar estudos realizados com animais de laboratório para posteriormente fazer extrapolação para a espécie humana, por meio do cálculo da Ingestão Diária Aceitável (IDA). Os seguintes estudos são avaliados para um agrotóxico:

    • toxicidade em curto prazo em animais de laboratório (ratos, camundongos);
    • toxicidade dérmica subaguda quando houver risco de exposição humana não intencional;
    • toxicidade subcrônica em animais de laboratório (pelo menos um roedor e um não-roedor);
    • toxicidade crônica em animais de laboratório (um roedor e um não-roedor);
    • estudos mutagênicos, teratogênicos e carcinogênicos;
    • efeitos sobre a reprodução e a prole;
    • metabolismo e excreção;
    • efeitos neurotóxicos (dependente do produto);
    • estudos de resíduos.

3.1. Aspectos ambientais

Os agrotóxicos são classificados como micropoluentes para os ecossistemas e a adulteração provocada por eles em solos, suprimentos aqüíferos e alimentícios têm sido objeto de constantes estudos e discussões (Strachan et al. citado por LUCHINI e ANDRÉA, 2000). Os impactos ambientais causados pelo uso dos agrotóxicos podem ocorrer porque esses compostos podem permanecer por mais tempo do que o necessário para exercer sua ação, afetando o ecossistema como um todo (LUCHINI e ANDRÉA, 2000).

Devido aos impactos causados pelos agrotóxicos estabelece-se o Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) para todos os produtos técnicos e formulações existentes no mercado, que é determinado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Para a elaboração do PPA, a legislação ambiental requer estudos e testes que são divididos em 4 grupos segundo STÜTZER et al. (2003):

a) Características físico-químicas: dá uma idéia de possível impacto da substância em alguma matriz do sistema água-solo-ar. Algumas dessas características são: propriedades organolépticas, pH, ponto de fusão, ponto de ebulição, densidade, pressão de vapor, formação de complexos com metais em meio aquoso, constante de dissociação em meio aquoso, hidrólise, fotólise, volatilidade, viscosidade.

b) Toxicidade para organismos não-alvo: estes estudos visam responder à questão: como essas substâncias agem sobre os organismos constituintes da cadeia alimentar?

O Brasil é pioneiro em solicitar estudos ecotoxicológicos para produtos formulados. Os estudos são realizados com:

    • Microorganismos do solo – testes agudos avaliam a ação dos produtos sobre microorganismos constituintes dos ciclos do carbono e nitrogênio.
    • Algas – testes agudos avaliam o impacto do produto sobre a produção de massa verde.
    • Minhocas – representando os organismos do solo, são testes agudos que avaliam a dose necessária para matar 50% dos animais testados.
    • Abelhas – representando insetos benéficos, testes agudos que visam determinar a DL50 oral ou por contato.
    • Microcrustáceos – representados pelas daphnias; são realizados testes agudos e crônicos que visam determinar a CL50 e o efeito do produto sobre a sobrevivência, o desenvolvimento e a reprodução.
    • Peixes – testes agudos, crônicos e, condicionalmente de bioconcentração são realizados. Os peixes, por se constituírem no ponto mais alto da cadeia alimentar aquática, são muito importantes e devem ser muito bem avaliados.

c) Estudos que determinam o comportamento ambiental de um produto: visam responder basicamente à questão: o que o ambiente faz com o produto químico?

Três são os estudos:

    • Biodegradabilidade: verifica se o produto é degradado por microorganismos. Juntamente com os testes de hidrólise e fotólise e algumas características físico-químicas, como solubilidade e pressão de vapor, determinam o modo como a substância irá se degradar, quais os produtos finais dessa degradação e a meia-vida (tempo que leva para degradar metade da quantidade aplicada).
    • Sorção (adsorção/dessorção): é a propensão de um produto químico ligar-se aos colóides do solo onde interações intermoleculares podem ocorrer (forças de Van der Waals, pontes de hidrogênio, ligações iônicas e moleculares, transferências de cargas, etc). Posteriormente diversas características do solo devem ser analisadas como: textura, capacidade de troca iônica, matéria orgânica, teor de óxidos de ferro e alumínio e outras. Com estes estudos determina-se o coeficiente de sorção (Kd ou Koc).
    • Mobilidade: verifica qual o potencial de lixiviação do produto, bem como seu movimento lateral no solo.

É importante ressaltar que há diferenças grandes entre o comportamento de um produto fitossanitário em solos tropicais, em relação ao seu comportamento em solos de clima temperado, e daí a necessidade da realização de testes locais para avaliar o que realmente acontece com o agrotóxico aplicado ao solo ou que chega ao solo após aplicação na parte aérea das plantas.

d) Toxicidade para animais superiores, incluindo potencial genotóxico, embriofetotóxico e carcinogênico: estes testes são os mesmos realizados em laboratório para avaliação da toxicidade para o ser humano, mas que neste caso aplicam-se a animais superiores.

Após serem avaliados todos os estudos solicitados, o IBAMA classifica o produto numa das seguintes classes:

    • Classe I: produto altamente perigoso
    • Classe II: produto muito perigoso
    • Classe III: produto perigoso
    • Classe IV: produto pouco perigoso

Esta classificação não leva em consideração a exposição, mas somente a toxicidade do produto para os organismos dos diferentes ecossistemas e o seu destino ambiental.

O Brasil decidiu por realizar a análise dos produtos mediante a Avaliação de Risco Ambiental, cujo processo tem início com a avaliação das características do produto (coeficiente de partição, solubilidade, pressão de vapor, meia-vida, mobilidade e outros), do ecossistema potencialmente em risco (local onde o produto será utilizado) e dos efeitos ecológicos esperados ou observados.

A análise de risco da toxicidade do produto consiste na avaliação dos dados sobre efeitos potenciais e exposição do produto. Esta avaliação de risco é a fase final do processo, em que é avaliada a probabilidade de efeitos adversos ocorrerem como resultado da exposição ao produto. De acordo com os resultados obtidos, devem ser implementadas medidas de segurança e a elaboração de um plano de comunicação de risco.

4. TIPOS DE CONTAMINAÇÃO

De acordo com Luna et al. (2004) a falta de informação parece ser o maior efeito dos agrotóxicos sobre o meio ambiente. Desenvolvidos para terem ação biocida, são potencialmente danosos para todos os organismos vivos, todavia, sua toxicidade e comportamento no ambiente variam muito. Esses efeitos podem ser crônicos quando interferem na expectativa de vida, crescimento, fisiologia, comportamento e reprodução dos organismos; e/ou ecológicos quando interferem na disponibilidade de alimentos, de habitats e na biodiversidade, incluindo os efeitos sobre os inimigos naturais das pragas e a resistência induzida aos próprios agrotóxicos.

Sabe-se que há interferência dos agrotóxicos sobre a dinâmica dos ecossistemas, como nos processos de quebra da matéria orgânica e de respiração do solo, ciclo de nutrientes e eutrofização de águas. Pouco se conhece, entretanto, sobre o comportamento final e os processos de degradação desses produtos no meio ambiente.

A maior parte dos agrotóxicos utilizados acaba atingindo o solo e as águas, principalmente pela deriva na aplicação, controle de ervas daninhas, lavagem das folhas tratadas, lixiviação, erosão, aplicação direta em águas para controles de vetores de doenças, resíduos de embalagens vazias, lavagens de equipamentos de aplicação e efluentes de indústrias de agrotóxicos (LUNA et al., 2004).

Chaim et al. (1999) citam que entre os componentes ambientais de especial risco estão as nascentes, poços, açudes, lagos, rios, fauna e flora silvestres, solos explorados ou não para cultivo, a atmosfera e o homem. Onde um produto fitossanitário estiver em uso, existe a possibilidade de ocorrer contaminação ambiental, seja ela por acidente, descuido, negligência ou falta de conhecimento, podendo as causas de contaminações ambientais ser devido:

    • Manuseio de produtos fitossanitários em locais inadequados;
    • Derramamento e escorrimento;
    • Deriva (favorecida pelos dias de vento forte e temperatura alta);
    • Perdas na aplicação (regulagem inadequada do pulverizador);
    • Não uso de equipamentos de proteção individual (EPI’s);
    • Não observância do período de carência;
    • Descarte incorreto de águas usadas para lavagem de equipamentos de aplicação e de proteção individual;
    • Abandono de embalagens vazias.

4.1. Contaminação da água

O comportamento dos agrotóxicos no ambiente pode ser influenciado por diversos fatores como: volatilização, método de aplicação, tipo de formulação, características de solo e plantas, solubilidade dos compostos em água, adsorção às partículas de solo, persistência, mobilidade e condições climáticas.

Lara e Barreto (1972) citam que o carreamento de partículas de solos tratados com agrotóxicos pelas águas das chuvas é a maior causa da contaminação de córregos, rios e mares.

A lixiviação dos agrotóxicos através do perfil dos solos pode ocasionar a contaminação de lençóis freáticos (EDWARDS, 1973), portanto, além de afetar os próprios cursos de água superficiais, os agrotóxicos podem alcançar os lençóis freáticos cuja descontaminação apresenta grande dificuldade.

Paschoal, citado por Andreoli et al. (2000) afirmou que a contaminação da água resulta da aplicação direta de partículas trazidas pelas enxurradas ou pela deriva de produtos aplicados e por meio de despejos industriais. Afirmou ainda que as águas superficiais contém a maior fração de agrotóxicos e é distribuída em diversos espaços geográficos onde a preservação do ambiente aquático depende de práticas adequadas.

Segundo Rosa (1998) certas práticas agrícolas ligadas ao modelo de produção agrícola predominante, como o uso excessivo e inadequado de agrotóxicos, a destruição da cobertura vegetal dos solos para plantio, a não-preservação das matas ciliares e das vegetações protetoras de nascentes, dentre outros fatores, são responsáveis por grande parte dos problemas com os recursos hídricos.

De acordo com Garcia, citado por Luna et al. (2004), um levantamento nacional realizado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) concluiu que aproximadamente 10,4% dos 94.600 reservatórios comunitários de água e 4,2% dos 10.500.000 poços domésticos da zona rural apresentam presença de resíduos de agrotóxicos, sendo que 0,6% acima dos limites permitidos.

No Brasil, praticamente não há vigilância dos sistemas aquáticos, nem monitoramento ou tratamento de águas de consumo para detectar e/ou eliminar agrotóxicos, sendo muito provável que tenhamos o mesmo problema ampliado. No Estado do Paraná, no período de 1976 a 1984, de 1825 amostras de água colhidas nos rios, sem finalidades estatísticas, mas para atender a outros fins, a SUREHMA (Superintendência dos Recursos Hídricos e Meio Ambiente) constatou que 84% apresentaram resíduos e 78% ainda estavam contaminadas depois dos tratamentos convencionais de água (LUNA et al., 2004).

Segundo Machado Neto (1991) se a água estiver contaminada por agrotóxicos, pode-se considerar que todos os demais elementos bióticos e abióticos do ecossistema também estão ou ficarão contaminados, pois a água está presente em todas as partes.

De acordo com Spacie e Hamelink (1985) os agrotóxicos presentes em corpos d’água podem penetrar nos organismos aquáticos através de diversas portas de entrada e seu grau de acumulação depende do tipo de cadeia alimentar, da disponibilidade e persistência do contaminante na água e especialmente de suas características físicas e químicas.

De acordo com Luna et al. (2004) os estudos em toxicologia aquática são qualitativos e quantitativos em relação aos efeitos tóxicos sobre os organismos. Os efeitos tóxicos podem incluir tanto a letalidade (mortalidade) e efeitos sub-letais, como alterações no crescimento, desenvolvimento, reprodução, respostas farmacocinéticas, patologia, bioquímica, fisiologia e comportamento. Os efeitos podem ser expressos através de critérios mensuráveis como o número de organismos mortos, porcentagem de ovos chocos, alterações no tamanho e peso, porcentagem de inibição de enzima, incidência de tumor, dentre outros.

Conforme Rand e Petrocelli (1985) a toxicologia aquática também está relacionada com as concentrações ou quantidades dos agentes químicos que podem ocorrer no ambiente aquático (água, sedimento ou alimento).

Num estudo realizado no Parque Turístico do Alto Ribeira (PETAR) localizado no Vale do Ribeira (São Paulo), Elfvendahl citado por TOMITA (2002) analisou amostras de água, sedimento e peixe no período das chuvas, em janeiro de 2000 e seus resultados indicaram que a fauna e flora do PETAR estão expostas a diferentes agrotóxicos que se encontram dissolvidos na água ou presentes no sedimento, sendo que dos 20 agrotóxicos detectados na água, sete eram considerados altamente tóxicos para peixes e outros organismos aquáticos e os demais eram considerados moderadamente tóxicos.

Os fatores ambientais definidos pelas características bióticas e abióticas também podem alterar a toxicidade de compostos químicos no ambiente aquático (SPRAGUE, 1985). Segundo o pesquisador, os fatores bióticos incluem o tipo de organismo (alga, inseto ou peixe, etc.), estágio de desenvolvimento (larva, juvenil, adulto), tamanho, estado nutricional e de saúde, alterações sazonais no estado fisiológico, dentre outros, sendo que estes fatores bióticos influenciam a resposta ao poluente de diferentes maneiras. Os fatores abióticos que podem atuar modificando a toxicidade incluem todas as características físicas e químicas da água que circunda o organismo vivo, como a temperatura, o pH, o teor de oxigênio dissolvido na água, a salinidade e a dureza, conteúdo de matéria orgânica e material particulado em suspensão, a velocidade do fluxo da água, dentre outros.

Atualmente é crescente o interesse sobre as sobras e desperdícios generalizados de agrotóxicos, principalmente no que se refere ao destino destes resíduos na natureza.

Para um controle de qualidade da água é necessário o monitoramento de diversos indicadores, entre eles a avaliação dos resíduos de agrotóxicos.

4.2. Contaminação de solo

O solo é o compartimento do agroecossistema considerado mais complexo e cuja probabilidade de contaminação por agrotóxicos é a maior. Atualmente, considera-se que a contaminação dos solos é um dos principais problemas ambientais, podendo ser contaminado por agrotóxicos após aplicações diretas ou, indiretamente, através de aplicações nas culturas, queda de folhagem tratada e movimento de águas contaminadas na superfície e no seu perfil (ANDRÉA, 1992).

De acordo com Carvalho (2000) a avaliação do grau de contaminação do solo por agrotóxicos é de particular importância devido a transferência destes contaminantes aos alimentos.

No ambiente edáfico, os compostos podem sofrer alguns processos de dissipação, tais como: volatilização, lixiviação, degradação física, química e/ou biológica, escoamento superficial, absorção pelas plantas e adsorção nos constituintes edáficos (LUCHINI, 1987).

Os resíduos podem interagir com as fases sólida, líquida e gasosa, e com a porção viva do solo, isto é, com microbiota. Estas interações determinarão a ocorrência de diferentes processos que envolvem transformações químicas, físicas, biológicas ou a combinações dessas transformações. Como conseqüência, pode-se detectar ou desaparecimento do composto, ou aparecimento de metabólitos mais ou menos tóxicos que o produto original, ou persistência aumentada, que irão determinar a utilidade do composto ou efeitos prejudiciais causados pela persistência mais longa do que seria necessário para o controle ou, ainda, o transporte maior ou menor no próprio solo (Andréa, 1998).

Como efeito de transformação química, cita-se o pH, que determina, muitas vezes, a prevalência de degradação da molécula por processo puramente químico (ANDRÉA et al., 1997). Mas o pH do solo também tem efeito bioquímico, pois influencia a atividade microbiana e, desta forma, conforme o pH do meio, haverá ou não a predominância de atividade microbiana atuando sobre a degradação de agrotóxicos.

Os processos de transformação e desaparecimento dos agrotóxicos no solo dependem tanto das características do próprio solo, como das características físico-químicas das substâncias, pois moléculas de peso molecular muito alto ou elementos halogênios e/ou anéis aromáticos altamente condensados, por exemplo, são mais persistentes (LUCHINI e ANDRÉA, 2000).

De qualquer forma, a degradação dos compostos aplicados e sua conversão em outros produtos não significam, necessariamente, perda da atividade biológica e, muitas vezes, essa conversão pode resultar em produtos ainda mais tóxicos ou ativos. Somente a conversão total ou mineralização da substância em elementos ou compostos amplamente distribuídos na natureza e que podem entrar nos ciclos biogeoquímicos é que representa descontaminação (LUCHINI e ANDRÉA, 2000).

Porém, segundo Andréa (1998) reconhece-se, que a grande variedade de microrganismos presentes no solo é potencialmente capaz de biodegradar agrotóxicos até produtos mais simples, que podem entrar nos ciclos biogeoquímicos da natureza, pois já se sabe que a biodegradação representa o principal processo de degradação de agrotóxicos. Fatores ambientais, tais como temperatura, conteúdo de matéria orgânica, acidez, umidade e tipo de solo, que influenciam a atividade microbiana, influenciam também as taxas de degradação dos agrotóxicos. Entretanto, reações químicas como hidrólise, por exemplo, podem ser pré-requisitos para o ataque microbiano. Desta forma, em muitas situações, a distinção entre processos puramente bióticos ou abióticos é difícil.

Assim, percebe-se que pode haver uma conjugação dos agentes físicos, químicos e biológicos de transformação e os processos decorrentes da ação desses agentes, e que resultam em degradação dos agrotóxicos, podem ocorrer simultaneamente. Mas a compreensão do comportamento de substâncias tóxicas sob diferentes condições tem sido considerada essencial para se estar consciente dos possíveis efeitos adversos e de como eles podem ser minimizados (LUCHINI e ANDRÉA, 2000).

4.3. Contaminação da atmosfera

A atmosfera do agroecossistema pode ser contaminada por evaporação de resíduos dos agrotóxicos da superfície da cultura ou do solo contaminados.

Em qualquer aplicação de agrotóxico há possibilidade de contaminação da atmosfera, cujas moléculas podem estar no estado sólido, líquido ou gasoso. Todas as pulverizações estão sujeitas às derivas e ao arrastamento pelo vento. A volatilização das moléculas do solo e da água também representa uma fonte de contaminação da atmosfera. Por outro lado, as águas das chuvas, formadas pela condensação e precipitação do vapor de água, também perdem agrotóxicos, pois promovem o arrastamento de muitos destes resíduos, presentes no ar e na poeira dispersa na atmosfera, de volta para o solo ou para as águas (BATISTA, 1988).

4.4. Contaminação humana

Embora o objetivo dos agrotóxicos seja o de destruir pragas nocivas, que danificam plantações e transmitem doenças aos animais e homem, outros seres vivos, inclusive os humanos, têm funções fisiológicas e bioquímicas semelhantes às espécies nocivas e são suscetíveis em graus variáveis aos efeitos tóxicos de agrotóxicos (CARVALHO, 2000).

Tendo em vista os milhares de toneladas de agrotóxicos utilizados anualmente, sua toxicidade aguda, subaguda e a longo prazo, a forma como são transportados, manejados e aplicados, estas substâncias se convertem m um grande problema de saúde pública.

Segundo Andreoli et al. (2000), os agrotóxicos são considerados a segunda causa de intoxicação no Brasil, ficando abaixo apenas das intoxicações por medicamentos. A principal causa de contaminação por agrotóxicos é ocasionada pela contaminação dos aplicadores seguido de suicídio e por contaminação acidental.

Alguns trabalhos realizados para avaliar os níveis de contaminação ocupacional por agrotóxicos em áreas rurais brasileiras têm mostrado níveis de contaminação humana que variam de 3 a 23% (Almeida e Garcia, 1991; Gonzaga e Santos, 1992; Faria et al., 2000).

Considerando-se que o número de trabalhadores envolvidos com a atividade agropecuária no Brasil, em 1996, era estimado em cerca de 18 milhões e aplicando-se o menor percentual de contaminação relatado nesses trabalhos (3%), o número de indivíduos contaminados por agrotóxicos no Brasil deve ser de aproximadamente 540.000 com cerca de 4.000 mortes por ano. Além disso, estes dados não consideram o impacto indireto resultante da utilização de tais produtos (MOREIRA et al., 2002).

Younes & Galal-Gorchev citado por TOMITA (2002) ressaltam que a capacidade dos agrotóxicos persistirem e produzirem efeitos tóxicos sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente é muito variada em função das inúmeras classes químicas existentes.

Segundo Moreira et al. (2002), além da seriedade com que vários casos de contaminação humana e ambiental têm sido identificados no meio rural, moradores de áreas próximas e, eventualmente, os do meio urbano também se encontram sob risco, devido à contaminação ambiental e dos alimentos. No que tange ao impacto sobre saúde humana causado por agrotóxicos, diversos fatores podem contribuir. O impacto direto da contaminação humana por agrotóxicos ocorre por três vias: ocupacional, ambiental e alimentar.

A via ocupacional, se caracteriza pela contaminação dos trabalhadores que manipulam essas substâncias. Esta contaminação é observada tanto no processo de formulação (mistura e/ou diluição dos agrotóxicos para uso), quanto no processo de utilização (pulverização, auxílio na condução das mangueiras dos pulverizadores – a "puxada" – descarte de resíduos e embalagens contaminadas, etc.) e na colheita (onde os trabalhadores manipulam/entram em contato com o produto contaminado). Embora atinja uma parcela mais reduzida da população (os trabalhadores – rurais ou guardas de endemias, por exemplo – que manipulam estes produtos em seu processo de trabalho), esta via é responsável por mais de 80% dos casos de intoxicação por agrotóxicos, dada à intensidade e à freqüência com que o contato entre este grupo populacional e o produto é observado.

A via ambiental, por sua vez, caracteriza-se pela dispersão/distribuição dos agrotóxicos ao longo dos diversos componentes do meio ambiente: a contaminação das águas, através da migração de resíduos de agrotóxicos para lençóis freáticos, leitos de rios, córregos, lagos e lagunas próximos; a contaminação atmosférica, resultante da dispersão de partículas durante o processo de pulverização ou de manipulação de produtos finamente granulados (durante o processo de formulação) e evaporação de produtos mal-estocados; e a contaminação dos solos. A contribuição da via ambiental é de fundamental importância para o entendimento da contaminação humana por agrotóxicos. Acredita-se que um maior número de pessoas estejam expostas através desta via, em relação à via ocupacional; entretanto, o impacto resultante da contaminação ambiental é, em geral, consideravelmente menor que o impacto resultante da via ocupacional.

A via alimentar caracteriza-se pela contaminação relacionada à ingestão de produtos contaminados por agrotóxicos. O impacto sobre a saúde provocado por esta via é, comparativamente, menor, devido a diversas razões, tais como: a concentração dos resíduos que permanece nos produtos; a possibilidade de eliminação dos agrotóxicos por processos de beneficiamento do produto (cozimento, fritura, etc.); o respeito ao período de carência, etc. Esta via atinge uma parcela ampla da população urbana, os consumidores.

A saúde das comunidades pode ser também afetada pelo uso de agrotóxicos através de mecanismos indiretos. Um exemplo desta possibilidade é o impacto da contaminação sobre a biota local e de áreas próximas. Ou seja, a utilização desses agentes pode favorecer a colonização da área por espécies mais resistentes, substituindo espécies inofensivas por outras mais perigosas para o homem (vetores, etc.). Outros exemplos do impacto indireto são os efeitos sobre comunidades de crustáceos e peixes, habitantes de ambientes limnológicos próximos, diminuindo a biodiversidade e gerando, assim, diversos efeitos sobre o equilíbrio ecológico local.

Conforme a FAEP (2004) o uso indiscriminado de agrotóxicos leva à destruição também dos inimigos naturais, induzindo o aparecimento de novas pragas e em muitas situações acelerando a reincidência do ataque das pragas. Assim, o uso destes produtos de forma mais freqüente, amplia as conseqüências do desequilíbrio original.

5. CONCLUSÕES

Os efeitos adversos da utilização dos agrotóxicos em relação ao ambiente constituem ainda um ramo de conhecimento em construção, uma vez que muitas das substâncias e princípios ativos que compõem estes produtos são moléculas sintetizadas, cujos efeitos somente poderão ser avaliados a partir de estudos variados sobre suas atuações, seus comportamentos no ambiente, tanto nas escalas de tempo próximas ao momento do uso, como na visão dos efeitos em longo prazo .

Há uma preocupação em incrementar o número e a qualidade dos estudos ecotoxicológicos relativos aos agrotóxicos, bem como a necessidade de estabelecer uma análise sistemática das informações que compõem o arsenal de conhecimento sobre os efeitos adversos ao homem e ao ambiente.

A utilização de agrotóxicos das produções agrícolas vem acompanhando o desenvolvimento das forças produtivas, sendo responsável por graves conseqüências aos seres humanos, tanto aos que lidam diretamente com o produto, quanto a população em geral consumidora dos alimentos.

É fundamental que se desenvolvam ações técnicas nas áreas da saúde, educação e principalmente agricultura, no sentido de diminuir o forte impacto que esta tecnologia, que veio para beneficiar a humanidade, vem exercendo na saúde pública e no meio ambiente.

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Márkilla Zunete Beckmann1

Ítalo Herbert Lucena Cavalcante1

Lourival Ferreira Cavalcante2

1 Doutorandos em Agronomia, FCAV/UNESP, Jaboticabal-SP, Brasil.

zunete[arroba]fcav.unesp.br

italohlc[arroba]fcav.unesp.br

2 Prof. Dr, Depto. Solos e Engenharia Rural, CCA/UFPB, Areia-PB, Brasil.

lofeca[arroba]cca.ufpb.br

Monografia apresentada à Disciplina Ecologia Aplicada do Curso de Pós-Graduação em Agronomia (Produção Vegetal) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Jaboticabal-SP.



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