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O arquivamento do inquérito policial ou de peças de informação (página 2)

Rômulo de Andrade Moreira

 

Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. (...) O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange com a ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público."5 Ora, se assim o é (e cada vez mais devemos procurar depurar tal sistema), não haveria necessidade, sequer, de submeter ao crivo do Poder Judiciário a decisão sobre o arquivamento de uma notícia-crime. Aliás, de lege ferenda, a reforma do Código de Processo Penal já altera substancialmente o art. 28 do CPP deixando ao Ministério Público, com exclusividade, tal atribuição.

Com efeito, o Projeto de Lei nº. 4.209/01 encaminhado ao Congresso Nacional estabelece que o novo art. 28 assim estará redigido: "Se o órgão do Ministério Público, após a realização de todas as diligências cabíveis, convencer-se da inexistência de base razoável para o oferecimento de denúncia, promoverá, fundamentadamente, o arquivamento dos autos da investigação ou das peças de informação." Vê-se que o arquivamento passa a ser objeto apenas da apreciação do órgão do Ministério Público, retirando-se do Poder Judiciário essa anômala função de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal, tudo em conformidade com o art. 129, I da Carta Magna.

Mas, para que não fique o arquivamento em mãos apenas do respectivo Promotor de Justiça, o que não deixaria de ser temerário, prevê o projeto de lei ora analisado que "cópias da promoção de arquivamento e das principais peças dos autos serão por ele remetidas, no prazo de três dias, a órgão superior do Ministério Público, sendo intimados dessa providência, em igual prazo, mediante carta registrada, com aviso de retorno, o investigado ou indiciado e o ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo." Assim, a Procuradoria Geral de Justiça de cada Estado da Federação deverá formar um colegiado especialmente destinado a examinar os casos de promoção de arquivamento, preferencialmente formado a partir de eleição entre todos os membros da Instituição (com período determinado).6 Visando a evitar possível procrastinação, dispõe o § 2o. do novo art. 28 que se "as cópias referidas no parágrafo anterior não forem encaminhadas no prazo estabelecido, o investigado, o indiciado ou o ofendido poderá solicitar a órgão superior do Ministério Público que as requisite.

Ademais, até "que, em sessão de órgão superior do Ministério Público, seja ratificada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão o investigado ou indiciado e o ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo, apresentar razões escritas."

"§ 4o A promoção de arquivamento, com ou sem razões dos interessados, será submetida a exame e deliberação de órgão superior do Ministério Público, na forma estabelecida em seu regimento.

§ 5o O relator da deliberação referida no parágrafo anterior poderá, quando o entender necessário, requisitar os autos originais, bem como a realização de quaisquer diligências reputadas indispensáveis.

§ 6o Ratificada a promoção, o órgão superior do Ministério Público ordenará a remessa dos autos ao juízo competente, para o arquivamento e declaração da cessação de eficácia das medidas cautelares eventualmente concedidas." Observa-se que, tomando a primeira providência, o Juiz de Direito agirá administrativamente, e não jurisdicionalmente, pois determinará que se arquive o procedimento investigatório como chefe que é dos serviços cartorários.

"§ 7o Se, ao invés de ratificar o arquivamento, concluir o órgão superior pela viabilidade da ação penal, designará outro representante do Ministério Público para oferecer a denúncia."

De lege lata, no entanto, permite-se ao Juiz exercer este controle, ainda que se trate verdadeiramente de uma atividade anômala.

Porém, tratando-se de uma peça informativa cuja posterior competência para o julgamento seja originária de Tribunal (e a atribuição, por conseguinte, recaia sobre o chefe do parquet), evidentemente que não se faz necessária a remessa de pedido de arquivamento para o respectivo Tribunal, sendo perfeitamente possível realizar-se administrativamente, no âmbito do Ministério Público.

Ora, se a última palavra é a do Procurador-Geral, qual o sentido de submetê-la ao órgão judiciário que nada mais poderá fazer senão arquivar? Não é possível ao Judiciário impor ao Ministério Público o oferecimento de uma denúncia, até mesmo porque o art. 129, I da Constituição Federal estabelece ser privativa do parquet a titularidade da ação penal pública. Afinal de contas nemo judex sine actore...

Vejamos a respeito o que pensa a doutrina, iniciando-se com o festejado Tourinho Filho: "Aliás, nem precisaria o Procurador requerer ao Tribunal o arquivamento. Se ele é o único dominus litis e se externou sua vontade no sentido de não dar início à ação penal, deverá, simplesmente, determinar o arquivamento. Por que o requereria, se tal requerimento não pode ser indeferido?"7 "(...) o mais acertado seria que se fizesse o arquivamento diretamente no âmbito do Ministério Público. (...) Certo é que necessário se faz algum controle, porém este poderá ser feito no seio da própria instituição, através do instituto do desarquivamento (...)."8 "No que se refere à atribuição originária do Procurador-Geral para decidir se instaura ou não a denúncia perante o Tribunal contra a pessoa que detém o foro especial em razão da função, parece-nos perfeitamente possível sustentarmos que, nesse caso, diante da irrecusabilidade do arquivamento, pois o Poder Judiciário sequer analisa o mérito, o arquivamento dos autos do inquérito ou das peças de informações pode se dar na própria Procuradoria-Geral.

"Não há sentido lógico, nem prático, que o chefe do Ministério Público – única autoridade processualmente legitimada a agir mediante denúncia contra pessoa investida da função que lhe confere foro especial – deva dirigir-se ao Tribunal para postular o arquivamento quando o Tribunal não tem outra alternativa... senão arquivar! Ainda que se admita, apenas para argumentar, que o Tribunal discorde do pedido de arquivamento, qual a conseqüência prática se o Procurador-Geral entender de não denunciar? Nenhuma. Simplesmente não haverá processo sem que essa autoridade sofra qualquer conseqüência no âmbito processual ou funcional.

Não comete crime de responsabilidade. Não está descumprindo a lei. Apenas que, por não ter formado o seu convencimento em torno do crime e da autoria, cumpre, fielmente, a função institucional do Ministério Público de fiscalizar... a aplicação da lei! "O Egrégio Tribunal de Justiça do antigo estado da Guanabara, em certa ocasião, decidiu exatamente assim: como nos casos de competência originária cabe ao Ministério Público decidir, sem controle jurisdicional, quanto ao início da ação penal, não há razão para se dirigir ao Tribunal para arquivar, devendo o Procurador-Geral ‘determinar o arquivamento do inquérito ou das peças de informação ao invés de requerê-la ao Tribunal’."9 Neste mesmo sentido é o entendimento da nossa mais alta Corte, o STF: "Pertencendo a ação penal originária ao Procurador-Geral da República, e não existindo acima dele outro membro do Ministério Público, uma vez que a suprema chefia deste lhe cabe, não depende, a rigor, de deliberação do Tribunal o arquivamento requerido."

(STF – Inq. – Rel. Min. Luiz Gallotti – RT 479/395).

"Ação penal originária - Pertencendo ela ao Procurador-Geral da República, e não existindo acima dele outro membro do Ministério Público, uma vez que a suprema chefia deste lhe cabe, não depende, a rigor, de deliberação do Tribunal o arquivamento requerido." (STF – Inq. – Rel. Min. Cordeiro Guerra – RTJ 73/1).

"Inquérito – Arquivamento. Requerido o arquivamento do processo pelo Procurador-Geral da República, não cabe ao STF examinar o mérito das razões em que o titular único e último do dominus litis apóia seu pedido." (STF – Inq. – Rel. Min. Francisco Rezek – j. 26/06/85 - RT 608/447).

Diante do exposto, parece-nos induvidoso que quando se tratar de peça de informação referente a pessoa que detém (em razão do cargo) prerrogativa de foro, o arquivamento deve ser promovido diretamente pelo Ministério Público, não sendo necessária a remessa ao Judiciário, ainda que o expediente dele provenha (neste caso, deve-se comunicar o arquivamento para que se providencie a "baixa" nos registros).

Observa-se, por fim, que a Lei Orgânica do Ministério Público Estadual (Lei Federal nº. 8.625/93) não permite que fique apenas "nas mãos" do Procurador-Geral de Justiça tal atribuição, pois pontifica no art. 12, XI caber ao Colégio de Procuradores de Justiça "rever, mediante requerimento de legítimo interessado, nos termos da Lei Orgânica, decisão de arquivamento de inquérito policial ou peças de informação determinada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária." No mesmo sentido, o art. 18, XIII da Lei Complementar Estadual nº. 11/96 que disciplina o Ministério Público do Estado da Bahia.

Assim, o que se faz imprescindível é a publicação oficial do pronunciamento do Procurador-Geral (dando oportunidade para que qualquer interessado possa recorrer ao Colégio de Procuradores) e a informação ao Tribunal (se a peça de informação dele originou-se).

Notas

1. RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA - Promotor de Justiça e Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça. Ex-coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS na graduação e na pós-graduação. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático.

2. Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Procesal, Editorial Ariel, S.A., Barcelona, 1989, p. 230.

3. Gimeno Sendra, Derecho Procesal, Valencia: Tirant lo Blanch, 1987, p. 64.

4. José António Barreiros, Processo Penal-1, Almedina, Coimbra, 1981, p. 13.

5. Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Forense, p. 64.

6. No âmbito do Ministério Público Federal há as Câmaras de Coordenação e Revisão com atribuição para, dentre outras funções, "manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral." (art. 62, IV da Lei Complementar n. 75/93).

7. Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 22ª. ed., 2000, p. 412.

8. Marcellus Polastri Lima, Ministério Público e Persecução Criminal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 272.

9. José Antônio Paganella Boschi, Persecução Penal, Rio de Janeiro: AIDE Editora, 1987, p. 204.

Rômulo de Andrade Moreira
romuloamoreira[arroba]uol.com.br



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