O arquivamento do inquérito policial ou de peças de informação em caso de atribuição originária do procurador-geral



 

Um dos princípios basilares da ação penal pública, como se sabe, é o da obrigatoriedade (ou da legalidade), segundo o qual deve o Ministério Público, havendo justa causa, oferecer denúncia imputando um fato delituoso a alguém (neste sentido o art. 24 do Código de Processo Penal).

É bem verdade, outrossim, que este dogma processual penal sofreu uma certa mitigação com o advento da Lei nº. 9.099/95 quando consagrou no seu art. 76 a transação penal, instituto que permite ao Ministério Público, ainda que à vista de lastro probatório mínimo para iniciar a persecução criminal, abdicar da denúncia e propor ao autor do fato a aplicação de uma pena não privativa de liberdade.

Tal é a importância do princípio da obrigatoriedade em nosso sistema processual penal que o Código de Processo Penal concedeu ao Juiz, como função absolutamente anômala, a possibilidade de fiscalizá-lo, disciplinando o disposto no seu art. 28.

Assim, requerido que seja pelo Promotor de Justiça o arquivamento do Inquérito Policial ou de qualquer outra peça informativa, deve o Juiz, discordando do parecer ministerial, encaminhar os autos ao Procurador-Geral de Justiça que dará a última palavra, insistindo no arquivamento ou não (a bem da verdade, o Magistrado que assim agisse deveria, para preservar a sua imparcialidade, imediatamente afastar-se do ulterior processo).

Questão que se apresenta, no entanto, é a que se refere àquelas peças de informação que têm como objeto fato delituoso praticado por alguém ocupante de cargo que lhe permite ser julgado por órgão superior: a chamada prerrogativa de função, quando é o próprio chefe do Ministério Público quem tem legitimidade para oferecer a peça acusatória.

Pergunta-se: em tais casos, o arquivamento da respectiva peça de informação deve ser requerido ao Tribunal competente ou pode ser feito intra muros? A resposta é, decididamente, no segundo sentido.

Não há razão plausível, nem do ponto de vista jurídico, nem sob o aspecto lógico ou prático para se exigir que o Procurador-Geral de Justiça (ou o da República, conforme o caso) submeta a sua opinio delicti ao Poder Judiciário que nada mais poderá fazer senão acatar o pronunciamento.

Observa-se que no sistema acusatório, ao qual nos filiamos (em que pese alguns dispositivos encontrados em nosso ordenamento jurídico que o maculam vez por outra), estão perfeitamente definidas as funções de acusar, de defender e a de julgar, sendo vedado ao Juiz proceder como órgão persecutório. É conhecido o princípio do ne procedat judex ex officio, verdadeiro dogma do sistema acusatório.

Pelo sistema acusatório, na lição do professor da Universidade de Santiago de Compostela, Juan-Luís Gómez Colomer, "hay necesidad de una acusación, formulada e mantenida por persona distinta a quien tiene que juzgar, para que se pueda abrir y celebrar el juicio e, consecuentemente, se pueda condenar"2.

Por ele proíbe-se "al órgano decisor realizar las funciones de la parte acusadora"3, "que aqui surge com autonomia e sem qualquer relacionamento com a autoridade encarregue do julgamento"4.

Dos doutrinadores pátrios, talvez o que melhor traduziu o conceito do sistema acusatório tenha sido o mais completo processualista brasileiro, José Frederico Marques: "A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal tão-somente da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu.

"Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo.

 


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.