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Armazenamento de caqui (Diospyros kaki, L.) cv. Quioto, em atmosfera controlada (página 2)

Angelo Pedro Jacomino; Ricardo Alfredo Kluge; Auri Brackmann; Paulo Roberto

4. Material e métodos

Os frutos utilizados foram da cv. Quioto, provenientes de um pomar comercial de Farroupilha - RS, colhidos com a coloração da epiderme laranja-amarelada, ponto de maturação considerado adequado para a conservação por longo período, e firmeza de polpa acima de 50N. Após a colheita, os frutos foram transportados ao Núcleo de Pesquisa em Pós-Colheita (NPP) do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria, onde foram submetidos a um processo de seleção, excluindo-se aqueles que apresentavam maturação avançada, baixo calibre ou com ferimentos. Posteriormente, foi efetuada uma homogeneização das amostras experimentais e aplicados os tratamentos. O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, arranjado em um esquema bifatorial 2x3, com quatro repetições por tratamento e unidade experimental composta por 19 frutos.

Os tratamentos constaram de uma combinação de duas temperaturas (–1,0 e –0,5ºC, com uma oscilação de ±0,2ºC) e três pressões parciais de CO2 (0; 5 e 10kPa). A umidade relativa do ar foi mantida acima de 95% e o O2 acima de 15kPa.

Os frutos foram armazenados em minicâmaras experimentais herméticas, com capacidade de 72L, mantidas, durante o período de armazenamento, em duas câmaras frigoríficas de 24m3, onde se estabeleceu o controle automático da temperatura. Os teores de CO2 foram obtidos mediante injeção deste gás nas minicâmaras. O processo respiratório dos frutos resultou no consumo de O2 e acúmulo de CO2, e, para manutenção dos níveis estabelecidos, foram realizadas diariamente análises e correções. A determinação das concentrações dos gases foi feita através de analisadores eletrônicos de O2 e CO2 marca Agridatalog, de fluxo contínuo, pelos quais se circulou uma amostra de gás de cada minicâmara que, após a análise, retornou à respectiva minicâmara. As leituras foram feitas em porcentagem que, na altitude de Santa Maria, praticamente equivale à unidade kPa. O O2 consumido pela respiração dos frutos foi compensado pela injeção de ar nas minicâmaras. O CO2, quando em excesso, foi eliminado, circulando-se o gás das minicâmaras por uma solução absorvente com hidróxido de potássio a 40%.

A concentração do etileno nas minicâmaras de atmosfera controlada foi monitorada semanalmente durante todo o período de armazenamento. Uma seringa com volume de 50ml era enchida com a atmosfera homogeneizada de cada minicâmara e desta eram injetadas duas amostras de 1ml em um cromatógrafo a gás, equipado com uma coluna Porapak N 80/100 e detector de ionização de chama (FID).

Na instalação do experimento, foi realizada uma análise de qualidade de três amostras de 10 frutos. As avaliações subseqüentes foram realizadas após três meses de armazenamento mais três dias de exposição à temperatura ambiente (18-20ºC), simulando o período de comercialização. Os parâmetros de qualidade avaliados foram firmeza de polpa (N) e incidência de podridões (%), conforme descrito por Brackmann et al. (1997); índice de escurecimento da epiderme, determinado através de níveis de manifestação, onde o nível 1 corresponde ao fruto com área menor de 10% da epiderme com escurecimento; 2 com epiderme do fruto apresentando entre 10 e 30% de escurecimento; e 3 com escurecimento maior de 30%. O índice foi calculado pela soma dos produtos do número de frutos pelo seu nível, dividido pelo número total de frutos da amostra; perda de peso (%), calculada pela diferença de peso da amostra por ocasião da entrada na câmara e da data de avaliação do experimento; sólidos solúveis totais (ºB), determinados por refratometria, utilizando o suco de uma fatia mediana dos frutos de cada amostra; cor da epiderme obtido por um colorímetro eletrônico, da marca Minolta, que utiliza o sistema CIE L*, a*, b*; e, respiração (mLCO2.kg-1.h-1) e produção de etileno (mLC2H4.kg-1.h -1), determinados através da quantificação do CO2 e do etileno produzido por 10 frutos hermeticamente fechados em um recipiente de vidro com capacidade de 5 litros, durante aproximadamente 2 horas. Esta análise foi realizada 24 e 48 horas após a saída dos frutos da câmara, no período de simulação da comercialização e contou com apenas duas repetições, não sendo, por este motivo, submetidas à análise estatística.

Para cada parâmetro avaliado, foi efetuada uma análise da variância, sendo as médias do fator temperatura comparadas estatisticamente pelo teste F, ao nível de 5% de probabilidade do erro e o fator CO2 submetido a uma análise de regressão. As variáveis perda de peso e podridões, expressas em percentagem, foram transformadas pela fórmula ,, e arc-sen respectivamente, antes da análise da variância.

5. Resultados e discussão

A interação entre os fatores (temperatura e CO2) não foi encontrada para nenhum dos parâmetros avaliados (Tabela 1). Isso indica que a resposta de cada fator dentro dos níveis do outro fator foi semelhante. Possivelmente, o intervalo muito pequeno entre as temperaturas utilizadas levou a esse resultado, tanto que foi constatada diferença significativa entre as duas temperaturas apenas para a variável firmeza de polpa (Tabela 2).

Isoladamente, o CO2 não se mostrou influente na redução da perda de peso (Figura 1B) e da firmeza de polpa (Figura 1A ), ao passo que as podridões apresentaram uma resposta linear negativa (Figura 1A). Para os parâmetros, SST, cor e índice de escurecimento de epiderme, a resposta foi quadrática, sendo que valores de CO2 entre 5 e 10kPa apresentaram os melhores resultados (Figuras 1B e 1C).

Com relação à cor da epiderme, os frutos em alto teor de CO2 apresentaram coloração mais amarela (b*) e mais vermelha (a*) (Figura 1C), representando que o CO2 acelerou os processos de mudança da cor de epiderme. Isto confirma que os pigmentos no caqui continuam a ser sintetizados durante o armazenamento, conforme observado por Turk (1993), quando da aplicação de 0,25 a 0,5kPa de CO2 por 46 horas após o armazenamento, o que estimulou a síntese de caroteno, fazendo parte das transformações que ocorrem no amadurecimento. Como altas concentrações de CO2 são indicadas para estimular a destanização do caqui (Guelfat-Reich et al, 1975), significa que este gás tem efeito acelerador de alguns processos do amadurecimento. A variação da pressão parcial do O2 e, principalmente, do CO2, pode estimular a síntese de a-caroteno (Wright & Kader, 1997), o que explica o aumento da coloração amarela. A coloração vermelha mais intensa no caqui é uma característica desejável, desde que não venha acompanhada da perda de firmeza de polpa. Os teores de CO2 estudados neste trabalho parecem apresentar este efeito, visto que produziram frutos mais vermelhos e não influenciaram a firmeza de polpa (Figuras 1A e 1C).

Com pressões parciais de CO2 próximas a 10kPa constataram-se os menores índices de escurecimento da epiderme (Figura 1B), que é a principal causa de perda do caqui armazenado. Lee et al.(1993), Brackmann et al. (1997) e Park (1997) confirmam estes resultados. Isso sinaliza que esse dano pode estar relacionado à senescência dos frutos, ou, mais propriamente, ao processo respiratório, já que esse fator (CO2) tem ação inibitória marcante na cadeia respiratória (Brackmann & Chitarra, 1998). A análise dos valores de produção de etileno e respiração dos frutos após a saída da câmara (Figura 1D) reforça esta hipótese. A respiração dos frutos mantidos a 0kPa de CO2 foi maior do que a dos frutos armazenados a 10kPa e, especialmente, aqueles mantidos a 5kPa. Verificou-se que, após um dia de permanência a 18-20ºC, depois de 3 meses de armazenamento com 10kPa de CO2, a produção de etileno foi zero, e em 5kPa foi aproximadamente a metade do que produziram os frutos mantidos em 0kPa. No segundo dia, os frutos mantidos a 0kPa de CO2, durante o armazenamento, produziram três vezes mais etileno que aqueles mantidos a 5 ou 10kPa, confirmando que altas pressões parciais de CO2 inibem a evolução da produção do etileno (Kader, 1986). Esta maior produção de etileno provavelmente acelerou os processos metabólicos relacionados à senescência, evidenciados pelos dados de respiração, e estimulou a manifestação do escurecimento de epiderme. A absorção do etileno contribui para a redução da incidência deste distúrbio (Lee, et al., 1993), que pode estar relacionado à maturação avançada e à oxidação de polifenóis dos frutos (Kim et al., 1992; Ben-Arie & Zutkhi ,1992), devido à alta atividade da enzima polifenol oxidase, que é maior em frutos com elevada incidência do distúrbio (Park, 1997). Já que a aplicação de antioxidante (2.000mg.L-1 de difenilamina ou 2.500mg.L-1 de etoxiquin) contribui para a redução da incidência do escurecimento (Lee, et al., 1993), é realmente possível que um processo de oxidação esteja envolvido (Burmeister et al., 1997). Apesar de o fator CO2 apresentar efeito positivo, o índice de escurecimento de epiderme manteve-se elevado (aproximadamente 1,7 - equivale a ± 20% da superfície escurecida), mostrando a necessidade de se investigar outras técnicas para a redução da incidência do distúrbio. Também há a possibilidade de as manchas escurecidas serem causadas pela ocorrência de fungos (Alternaria alternata), como observado por Ben-Arie & Zutkhi (1992). Entretanto, as manchas não apresentavam características evidentes de ataque de patógenos.

A firmeza de polpa não apresentou resposta às diferentes pressões parciais de CO2 (Figura 1A). Em outras cultivares de caqui, no entanto, condições de AC retardaram a perda de firmeza de polpa (Brackmann et al., 1997; 1999; Park, 1997). Embora o alto teor de CO2 tenha reduzido a respiração e produção de etileno após a saída da câmara (Figura 1D), o índice de escurecimento de epiderme e as podridões (Figuras 1A e 1B), não deve ter afetado a degradação das pectinas e hemicelulose da parede celular, tidas como responsáveis pela firmeza de polpa. No entanto, foi o único parâmetro a apresentar diferença com relação à temperatura. A atividade das enzimas envolvidas no processo de perda de firmeza de polpa parece apresentar diferenças marcantes para o caqui em pequenas variações de temperatura, quando esta se aproxima da ideal, que para a cv. Quioto está, provavelmente, abaixo de –0,5ºC.

O fator CO2 apresentou uma relação direta na redução da incidência de podridões (Figura 1A). Prusky et al. (1997) também encontraram resultados semelhantes. Provavelmente por influenciar diretamente na germinação dos esporos e desenvolvimento do fungo e, indiretamente, por retardar o processo metabólico de senescência dos frutos armazenados, que os torna mais sensíveis ao ataque de patógenos, como demonstraram Wells & Uota (1970). Os dados obtidos mostram que, para outros parâmetros avaliados, as respostas ao CO2 foram quadráticas, indicando que o ponto de máxima eficiência técnica está abaixo de 10kPa. Portanto, elevando os teores deste gás para concentrações muito acima das estudadas, podemos ultrapassar o limite para a manifestação de dano fisiológico. No entanto, pressões parciais acima de 15kPa já foram estudadas para a cultivar Fuyu, sendo eficiente no controle de podridões e não causando dano fisiológico na forma de escurecimento de epiderme (Brackmann et al., 1997). Assim sendo, em virtude da alta incidência de prodridões verificada, aproximadamente 35% com 10kPa de CO2, e da eficiência do CO2 no controle de fungos, é provável que pressões parciais de CO2 ainda mais elevadas na temperatura de –1,0ºC possam ter um melhor desempenho.

6. Conclusão

A temperatura de –1,0ºC, pela redução da perda de firmeza de polpa, e pressões parciais de CO2 próximas a 10kPa, pela redução de podridões e escurecimento de epiderme, é melhor condição de armazenamento dentre as estudadas para o caqui cv. Quioto. Nesta condição, o período de armazenamento deve ser inferior a 3 meses, devido às altas perdas por podridões, ficando, no entanto, com firmeza de polpa acima da considerada mínima para o consumo.

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Joel Donazzolo2 & Auri Brackmann3 - brackmann[arroba]ccr.ufsm.br

1 Parte do trabalho do 1º autor, para obtenção do grau de Mestre em Agronomia, Programa de Pós-graduação em Agronomia, da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria – RS. 2 Engº Agrº, Msc., Extencionista da ASCAR/EMATER-RS, (54)361-1089, donazzolo[arroba]bol.com.br. 3 Engº Agrº, Doutor, Professor do Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Rurais (CCR), UFSM, 97015-900, Santa Maria – RS, (55) 220-8179, brackman[arroba]ccr.ufsm.br.



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