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Em termos de um maior detalhamento a respeito das abordagens que relacionam economia, sociedade e ambiente, podemos iniciar este trabalho com uma classificação sucinta das diferentes correntes ou escolas que vêm tratando desta interface entre sociedade e meio ambiente, ou entre economia e ecologia, segundo enfoques e recortes teórico-metodológicos distintos. Por outro lado, desde logo adianta-se que, ao se classificarem autores em escolas de pensamento, perde-se o todo da reflexão, embora se tragam para o debate os aspectos relevantes onde estariam gravitando as pesquisas científicas realizadas, bem como os discursos políticos proferidos por vários segmentos sociais mais ou menos engajados, de maneira efetiva, na solução desses problemas.
Baseados em trabalhos anteriores (ver, p. ex., Rattner et al., 1991), bem como em mapeamentos e trabalhos elaborados por outros pesquisadores como os de Vieira (1991) e Maimon (1993), podemos subdividir as tendências atuais do pensamento econômico-ambiental e/ou ecológico nas seguintes áreas:
a. A economia ambiental
Título de um livro clássico de David Pearce, de 1976, esta corrente se constitui na linha de pesquisa mais próxima da teoria econômica neoclássica tradicional. Desenvolvida principalmente nos EUA e em certos centros de pesquisa europeus (em Londres, Amsterdã, Paris, além dos países nórdicos, entre outros), a partir das décadas de 60 e 70, ela apresenta um grande potencial pela utilização de técnicas de análises de custos/benefícios e insumo/produto na avaliação e/ou contabilização tanto das políticas ambientais atualmente empregadas, como nas questões ligadas mais especificamente às economias da poluição ou dos recursos naturais. Além de David Pearce e seus colaboradores do London Environmental Economics Centre, em nível internacional, outros autores dentro dessa linha de trabalho seriam William Oates e William Baumol; Patrick Point e Brigitte Desaigues, do CNRS; além de Peter Nijkamp, de Amsterdã. Já em nível nacional, após o trabalho pioneiro de Aloísio B. Araújo (1979), poderiam ser citados os trabalhos desenvolvidos no IPEA por Ronaldo Serôa da Motta e Sérgio Margulis (Margulis (org.), 1990), além de um outro trabalho também pioneiro nesta área, que é o de Aloísio Ely (1986).
b. As abordagens desenvolvimentistas da economia do meio ambiente
Nesta corrente que trata mais especificamente de questões relacionadas ao desenvolvimento, podem ser incluídos não apenas os seguidores da linha de pesquisa desenvolvida durante vários anos por Ignacy Sachs, na França (relacionada com a questão do ecodesenvolvimento ), como também diversos outros autores e trabalhos que, numa abordagem mais próxima às das teorias do desenvolvimento, vêm tratando de questões sócio-ambientais, principalmente na América Latina, na esteira da tradição cepalina. Estas abordagens se concentram principalmente na análise dos estilos ou modelos de desenvolvimento, procurando desenvolver propostas alternativas para os chamados países dependentes ou do Terceiro Mundo. Entre os trabalhos já clássicos nessa linha, além dos elaborados pelo citado Sachs (1986 e 1988), têm-se as coletâneas, artigos e livros publicados por Osvaldo Sunkel, Nicolo Gligo e Pablo Gutman, assim como outros trabalhos desenvolvidos reunindo especialistas em economia e em sociedades latino-americanas elaborados para instituições internacionais e multilaterais como o PNUD (p. ex., CDMAALC, 1990), entre outros.
No Brasil, podem-se incluir dentro desta tendência os trabalhos desenvolvidos por discípulos de Ignacy Sachs, como Maurício Tolmasquim, Dália Maimon que vêm trabalhando principalmente nas áreas de economia da energia e economia agrícola, no Rio de Janeiro. Já dentre os trabalhos desenvolvidos pela CEPAL e autores ligados a esta comissão podem ser destacados os trabalhos já clássicos de Celso Furtado (1974, 1987 e 1993), Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto (1966), e mais recentemente os de Roberto Pereira Guimarães (1991 e 1992).
c. A economia marxista e a natureza
A bem da verdade, não existe um desenvolvimento da teoria econômica marxista do meio ambiente tal como ocorre na economia ambiental neoclássica. De cunho mais abstrato que de deduções mais empíricas, a noção de ambiente da análise marxista da natureza aparece como o ambiente das relações de produção e de trabalho, principal objetivo desta escola.
Tanto o livro clássico de Schmidt (1971), como de outros autores não-economistas como o filósofo Rodrigo Duarte (1986) e o geógrafo Neil Smith (1988), todos herdam a visão materialista de Marx da natureza como elemento do processo de trabalho. Ressalta-se a natureza como fornecedora originária de meios e objetos de produção como pressuposto por excelência para qualquer processo produtivo humano, e, portanto, para o próprio desenrolar da história. As forças naturais são consideradas como forças produtivas auxiliares da acumulação de capital, onde a lei do valor não atua, posto que são forças (naturais) que não contêm trabalho humano.
d. A economia ecológica
Como a mais ampla e radical de todas as correntes, em termos de proposta metodológica, a economia ecológica vem se constituindo mais num fórum pluralista para a expressão de novas propostas e concepções metodológicas e epistemológicas, envolvendo dentro do mesmo arcabouço teórico a relação da economia com a ecologia, a física, a química e a biologia modernas. A meta a atingir é a conciliação de métodos quantitativos como os formulados dentro da economia ambiental com uma proposta mais abrangente, que implicaria em ampliar as noções de sustentabilidade atualmente empregadas. Utiliza-se, para isso, principalmente do conceito termodinâmico de entropia, cuja aplicação na análise econômica se deve basicamente ao trabalho pioneiro elaborado por Nicholas Georgescu-Roegen (1971).
Esta abordagem, que já se institucionalizou com a criação da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, vem realizando diversos seminários e editando uma revista sobre o tema, por intermédio dos seus principais expoentes, como os economistas: Herman Daly, Robert Costanza, Richard Norgaard, Juan Martínez-Alier, e mesmo David Pearce, físico-químicos como Enzo Tiezzi e ecólogos como Eugene e Howard Odum, entre outros.
No Brasil, um primeiro passo nessa linha foi dado dentro do Projeto ECO-ECO, coordenado por Peter H. May, do CPDA/UFRRJ, com a criação da Associação Brasileira de Economia Ecológica (Eco-Eco) que congrega entre outros o economista Clóvis Cavalcanti, da FUNDAJ, e membros de diversas instituições. Também participam desta Associação pessoas alocadas, em princípio, dentro de outras correntes, como são os casos de Ronaldo Serôa e Maurício Tolmasquim, por exemplo.
e. A economia política do meio ambiente
Mais um campo analítico do que uma corrente de pensamento já estruturada, o que se considerou como economia política do meio ambiente neste trabalho constitui-se de uma série de autores e trabalhos que procuram incorporar em suas reflexões o lado político da ecologia, por alguns considerados como ecologia política. Pode-se incluir aqui o economista da teoria da regulação Alain Lipietz, junto a outros que vêm procurando formular questões para além da economia política e da teoria econômica tradicional, como Michael Redclift ou Michael Jacobs, entre outros. Novos insights nessa área que não se desenvolve até aqui de uma forma mais sistemática poderiam ser acrescentados via utilização de abordagens como a neo-schumpeteriana (como é o caso de economistas ligados mais à questão da tecnologia e das novas formas de organização do trabalho como Giovanni Dosi, Charles Freeman e Carlota Perez, entre outros).
Por não estar tão estruturado como as demais correntes, acreditamos que a esse campo possam ser incorporados elementos que inter-relacionem as diferentes abordagens, numa perspectiva mais de acordo com a realidade vivida por países do Terceiro Mundo. Em termos de autores brasileiros as maiores referências que podem ser utilizadas para o desenvolvimento desta corrente são os trabalhos de Cristóvam Buarque (1990) e de Celso Furtado (1974, 1987 e 1993), além dos diversos artigos e trabalhos elaborados por Henrique Rattner (1990, 1990a, 1991 e 1992), Amílcar Herrera (1976, 1980 e 1982), A. Oswaldo Sevá Filho (1989), e por outros cientistas políticos e sociais como Eduardo Viola, Héctor Leis, Daniel Hogan, George Martine e outros pesquisadores ligados ao NEPO e ao NEPAM, na UNICAMP e ao ISPN, de Brasília, além de José Augusto de Pádua, Liszt Vieira, Carlos Minc, entre muitos outros.
Além dessas cinco correntes especificadas, diversos outros trabalhos numa linha mais integradora ou de contestação da(s) racionalidade(s) econômica(s) vigente(s) podem ser lembrados. Podem-se incluir nesse campo economistas como Nicholas Georgescu-Roegen e René Passet, filósofos da ciência como Cornelius Castoriadis, Edgar Morin, Jacques Monod e Isabelle Stengers, bem como físico-químicos como Ilya Prigogine e Enzo Tiezzi, antropólogos-ecólogos ou ecólogos humanos como Roy A. Rappaport ou Emílio Morán e cientistas políticos ou sociais como Michel Schwarz e Michael Thompson, os quais vêm servindo como referências para diversos pesquisadores que atuam nessa interface. Embora não tratem de questões estritamente ambientais e ecológicas, esses autores acabam, pela amplitude e/ou profundidade de suas colocações, lançando pistas fundamentais para uma nova economia.
Feita essa breve apresentação de cada uma das correntes que relacionam a economia às questões ambientais, passaremos agora a nos aprofundar na análise dos potenciais e limitações de cada uma delas, no que se refere ao tratamento dos principais problemas enfrentados pelas populações dos países de Terceiro Mundo, particularmente no Brasil, nos subitens que se seguem.
2.1 Potenciais e limitações da economia ambiental
Pelo seu caráter bastante instrumental e aplicado, a economia ambiental (pós)neoclássica possui um potencial de utilização que visa prioritariamente definir estimativas de valores para se arbitrarem penas ou mensurar danos ambientais, sacramentando a incapacidade do mercado como único e exclusivo mecanismo de regulação social e econômica. No entanto, a volta ao mercado se dá com os mecanismos utilizados para a determinação do preço do dano, atribuindo aos usuários os consumidores soberanos a determinação do valor mínimo dos sócio-ecossistemas impactados por uma falha ou dano ambiental, circunscritas a uma escala local ou no máximo microrregional.
Em um nível mais amplo, essa abordagem vem servindo para subsidiar a tomada de decisão acerca de políticas ambientais, mormente nos países mais industrializados, principalmente mediante realização e elaboração de uma contabilidade ambiental ou de qualidade de vida, que possa incorporar além dos indicadores econômicos tradicionais utilizados dentro dos sistemas de Contas Nacionais para se avaliar o crescimento econômico de cada país, outros indicadores de sustentabilidade ou de mensuração da qualidade de vida dos países que passam a adotar essa nova forma de medir seu desenvolvimento .
As limitações teóricas dessa abordagem são históricas em relação à sua matriz, a economia política neoclássica de Jevons, Menger e Walras. Em primeiro lugar, a noção de valor ambiental apenas se reveste da auréola da teoria do valor de uso, que se constrói na percepção dos indivíduos e na disposição a pagar do usuário-consumidor pelo uso do ambiente, antes público e abundante, e hoje parcialmente privado e escasso. Em segundo lugar, ao criar um mercado de consumo de bens ambientais ou de capitais naturais (água, ar, paisagens etc.), abrem-se possibilidades para novas formas de oligopolização e privatização da economia, agora com o controle econômico do uso privado do ambiente e da qualidade de vida, sempre regulado pela renda individual e com a garantia do Estado.
Nesse sentido, as limitações da economia ambiental decorrem de seu enfoque reducionista, não só em termos de buscar converter todos os valores passíveis de serem mensurados em termos de valores monetários, como também por desconsiderar outros enfoques e racionalidades que não os puramente econômicos.
2.2 Potenciais e limitações das abordagens desenvolvimentistas
Suas limitações até aqui encontram-se mais na questão da aplicação concreta dos conceitos e das propostas elaboradas por autores ligados a estas escolas, apesar de sua importância no que se refere à busca de novas abordagens que possam ser aproveitadas na formulação de políticas econômicas que possam vir a se tornar mais sustentáveis.
a. Das teorias do desenvolvimento
Das lições que podem ser apreendidas desta corrente, temos as várias contribuições dos economistas e cientistas sociais ligados à CEPAL, desde Raúl Prebisch, Celso Furtado, Osvaldo Sunkel, Nicolo Gligo, até os trabalhos mais recentes como os de Roberto Pereira Guimarães.
As teorias da dependência em muito aumentaram nossa compreensão a respeito das relações entre países centrais e periféricos, ao desenvolver um instrumental analítico e metodológico que se relaciona com a noção de centro-periferia, utilizando-se de abordagens estruturalistas de cunho marxista.
Sua principal limitação, de caráter mais acadêmico e mesmo político, deve-se ao fato de a mesma não ter sido muito bem aceita no mundo desenvolvido , a ponto de poder ser utilizada de maneira mais extensiva na análise das relações entre as economias centrais e periféricas. Mesmo assim, seu poder de explicação da realidade principalmente no que se refere ao entendimento da nova divisão internacional do trabalho, bem como no que se refere a uma análise política da economia internacional pode ser aproveitado, e muito, na tentativa de se moldar uma economia política do meio ambiente no mundo subdesenvolvido, articulado às mudanças das economias centrais. Nesse sentido, a noção de globalização econômica se constrói a partir da articulação de todos esses mundos.
b. Da visão ecodesenvolvimentista
Desta linha de análise, o que se pode destacar é a tentativa, talvez pioneira, de incorporar à análise dos estilos de desenvolvimento, desde conceitos termodinâmicos como o de entropia (vide citações de Georges cu-Roegen em Sachs, 1986:29-30), até propostas passíveis de serem concretizadas como as que se referem às tecnologias apropriadas.
Suas limitações, entretanto, decorrem justamente da carência de experiências concretas que possam servir como exemplos demonstrativos da viabilidade dessas propostas. Apesar disso, em termos de conceituação, de desenvolvimento teórico e de utilização desses conceitos e teorias em análises de projetos e programas de desenvolvimento que poderiam ser mais sustentáveis, essa corrente tem demonstrado ser bastante proveitosa.
2.3 Potenciais e limitações da abordagem marxista
Conforme já salientado anteriormente, não há uma teoria marxista do meio ambiente, mas apenas pistas para um ponto de partida que faça a relação histórica entre a sociedade e a natureza, pela ótica do trabalho, que pode ser depreendida a partir de alguns pontos levantados por Marx no Livro IV, de O Capital. Daí, podemos apenas extrair que esta relação, sendo determinada pelo processo de trabalho e pelo desenvolvimento das forças produtivas aí implícitas, nos leva a entender os problemas ambientais diferenciados entre regiões e países, produzidos pelos agentes sociais produtores de mercadorias.
Do ponto de vista da valoração do meio ambiente, as pistas do marxismo são poucas. A noção de trabalho socialmente necessário apenas revela uma parte do valor dos recursos naturais, o do tempo gasto pela atividade econômica para retirá-lo do solo. Falta acrescer à noção marxista o outro valor do recurso natural que não é fruto do trabalho humano, mas do trabalho da natureza para produzi-lo, de um valor que existe em si mesmo sem trabalho humano. Da mesma forma, quando se trata de medir os custos de uma devastação do meio ambiente, quando a mesma envolve danos aos sócio-ecossistemas.
Talvez uma grande contribuição do marxismo na questão ambiental seja refazer a discussão atualizada da noção de valor de uso, como prefácio para definir os vários usos do meio ambiente e as necessidades humanas que aí habitam. Isto, sem se considerarem aspectos mais gerais como os relacionados com a questão da alienação do trabalhador, entre outros temas aprofundados por outros autores ligados ao marxismo.
Há que se considerar também a limitação dos enfoques marxistas mais ortodoxos, no que tange ao otimismo tecnológico , o qual se constitui ainda hoje numa limitação não apenas da abordagem marxista, como da neoclássica e das desenvolvimentistas.
Por fim, vale ressaltar o aspecto do confronto ideológico e metodológico entre as abordagens neoclássica e marxista, principalmente no que concerne à questão das externalidades. Estas, que necessitam ser internalizadas ao se falar em uma economia sócio-ambiental ou ecológica, podem se constituir em mais um ponto bastante interessante para o debate entre estas duas correntes de grande peso quando se discute a questão da economia política.
2.4 Potenciais e limitações da economia ecológica
Apesar da ambiciosa proposta de trabalho e da amplitude alcançada por essa linha de estudos inclusive no Brasil, onde já se estruturam cursos e se realizam vários simpósios e reuniões sobre o tema, o estado-da-arte nesta área encontra-se ainda mais como proposta a ser viabilizada do que como realidade concreta passível de aplicação e de discussões mais aprofundadas, principalmente no que se refere à realidade e às necessidades dos países do sul.
No que se refere à sua aplicação nesses países, uma de suas limitações decorre justamente do fato de não se incorporarem questões de ordens político-econômica e sociocultural, mesmo na periferia dessas análises, ao menos no que concerne aos trabalhos como os artigos publicados na revista Ecological Economics a que já tivemos acesso.
No entanto, até por se constituir num fórum emergente e de caráter transdisciplinar, essa corrente ainda possui todo um caminho a ser trilhado e de maneira muito proveitosa, especialmente se ela abrir-se também para as questões sociais e políticas dos países menos desenvolvidos . Para isto, não basta tratar apenas de questões técnicas e/ou metodológicas em nível interno, mas se devem buscar também as interações e articulações possíveis entre o conceitual e o aplicado, entre o sócio-econômico, o político e o cultural.
Essa diversidade de interpretações poderá trazer à tona uma nova forma de se encarar a economia, notadamente a dos recursos naturais e do ambiente, com um viés não apenas estritamente ambiental (no sentido de proteção ou conservação de recursos naturais), mas também como ciência social e humana (ou seja, incorporando-se os seres e sociedades humanas como agentes transformadores e em permanente transformação, possuindo suas próprias ideologias e aspirações, dentro de um arcabouço teórico-metodológico mais amplo, integrado, mas não necessariamente sistêmico com suas relações diretas e indiretas de causa e efeito como nos habituamos a raciocinar).
2.5 Conclusões preliminares: lacunas passíveis de serem preenchidas por uma economia política do meio ambiente
Dadas as características das demais correntes de certa forma estruturadas e organizadas e posto que não existe ainda um tipo de organização semelhante para a área de economia política do meio ambiente, podemos nos perguntar:
1) quais são as lacunas passíveis de serem preenchidas por uma linha de pesquisa ou corrente de pensamento, que busque explicações do que ocorre na interface economia política meio ambiente ecologia?
2) qual a melhor forma de aprofundar essas questões: via criação/desenvolvimento de mais uma linha de pesquisa ou via incorporação de seus temas de análise e metodologias nas demais correntes já existentes?
Diante das ponderações apresentadas com relação a cada uma das correntes analisadas nesta seção, podem-se apontar os seguintes temas ou áreas passíveis de serem explorados por uma economia política do meio ambiente:
1) relação entre movimentos sociais e/ou ambientalistas e os sistemas produtivos, de consumo, de circulação e de disposição final ou de reciclagem de bens, serviços e informações;
2) impactos causados pelas diferentes atividades econômicas sobre os modos de vida, a autonomia e o espaço das estruturas sócio-políticas e culturais, bem como no desenvolvimento ou na diminuição da capacidade de intervenção nos processos de tomada de decisão dos diversos setores de determinadas formações sociais e destes entre si.
Tendo em vista esses objetivos, assim como as respostas preliminares para as questões levantadas até aqui, é que se procurará desenvolver um pouco mais os argumentos e considerações expostos até o momento, nas seções a seguir.
3. Características Desejáveis para uma Nova Abordagem
Dadas as limitações e potencialidades de cada uma das correntes em que foram divididos os trabalhos que vêm sendo realizados dentro da interface economia, sociedade e meio ambiente, passaremos a discorrer sobre aspectos que, ao nosso ver, devem se constituir na base de uma nova economia, que leve em conta os problemas e visões existentes nos países em desenvolvimento sobre essas questões de caráter sócio-ambiental.
Como é salientado em trabalhos como os de Daly & Cobb Jr. (1989), Michael Redclift (1987) e David Goodman (Goodman & Redclift, 1991) e mesmo de E. F. Schumacher (1979), a importância do fator humano ou comunitário é fundamental para que a economia se volte aos problemas concretos das populações e sociedades humanas e para a construção de uma nova teoria econômica a partir da concretude das atitudes e comportamentos dos agentes não apenas econômicos, mas também sociais e políticos.
Em consonância com esses trabalhos, pode-se iniciar esta análise por aspectos que se relacionam tanto à situação de penúria e miséria da grande maioria da população mundial, refutando o descaso das teorias negligentes e de seus teóricos, como às causas desse desequilíbrio intrínseco do modo de produção capitalista, que leva à concentração de riqueza por grupos minoritários vis-à-vis a situação subumana em que vive a parcela maior dessa população.
Da mesma forma, uma visão mais crítica com relação às políticas econômicas aplicadas nos diversos países e suas conseqüências, no que tange ao enfrentamento e à eficácia no tratamento dessas questões, também devem se constituir numa preocupação permanente desta nova economia.
3.1 Questões relacionadas às injustiças sociais (considerações de ordem ética), à hegemonia dos grandes conglomerados transnacionais (de ordem econômica), ao novo ordenamento mundial ou divisão internacional do trabalho (de ordem geopolítica), e outras relacionadas com a perda de conhecimentos/culturas tradicionais (ordem cultural), e ao surgimento/recrudescimento de questões como as discriminações raciais/sociais, as violências rurais e urbanas e o fechamento de Fronteiras (ordem social)
Antes de entrarmos mais a fundo nessa discussão, vale a pena lembrar de pontos ressaltados por Buarque (1990), em seu capítulo sobre As forças da modernização , no qual este autor tece alguns importantes comentários a respeito da necessidade daqueles que lutam por uma transformação no atual estado de coisas de ouvirem a sociedade. Isto porque não só as elites conservadoras, como também toda a esquerda que emergiu dessas elites, principalmente no caso dos países em desenvolvimento , vêm se portando de maneira a não compreender, nem aprender com os acontecimentos históricos recentes, como o massacre da Praça da Paz Celestial, na China, ou com a derrubada dos muros que separavam os mundos do Leste e do Oeste. Isto as leva a tentar copiar modelos e palavras de ordem não adaptados à realidade, e a desconsiderar a própria realidade vivida pela maioria excluída da população desses países tão diversificados e, ao mesmo tempo, semelhantes entre si.
Essas considerações, somadas a toda a crítica às esquerdas e ao resgate de questões fundamentais como a valorização da cultura, o atendimento das necessidades imediatas da grande maioria da população do Terceiro Mundo, bem como a necessidade de se superar o atual estágio de perplexidade ou de esquizofrenia em que caem aqueles que não souberam se adaptar às novas condições impostas pela realidade desses países, é que tornam necessária a redescoberta do sentido de utopia. Esta tem que ser definida como uma aspiração a ser buscada de maneira incessante pelos novos movimentos sociais, respeitando as necessidades e as vontades das populações, mas sem ferir as individualidades de cada cidadão.
Assim sendo, o primeiro aspecto a ser destacado como uma característica desejável, disto que estamos chamando de uma economia política do meio ambiente, é a humanização de sua teoria. Isto, tanto no que se refere ao redirecionamento da economia política rumo a uma via ambientalista e ecológica, tornando-as mais afinadas com as novas descobertas científicas e/ou epistemológicas (vide como exemplos os trabalhos de Lipietz, 1991; e Buarque, 1990), quanto no que diz respeito a um enfoque mais profundo e efetivo das questões que se relacionem com a problemática dos direitos humanos das várias populações e comunidades existentes, seja no Primeiro, seja nos Segundo, Terceiro e Quarto Mundos.
Estas se constituiriam, portanto, nas premissas básicas para que se possa voltar a falar, novamente, em um planeta por inteiro (cf. idéia do planeta como nave espacial, de Kenneth Boulding, ou mesmo do planeta como ser vivo, da teoria Gaia, levantada entre outros por James Lovelock, 1979).
Isto requer ao mesmo tempo o resgate de pontos tão fundamentais, como esquecidos pela ciência econômica desde o final do século XIX, que são os aspectos morais e políticos ressaltados por diversos autores clássicos desta e de outras ciências afins (desde os fisiocratas ou os fundadores da economia política, como argumenta Rolf Kuntz, 1982 e os economistas clássicos como Adam Smith e Stuart Mill, até as noções filosóficas marxistas do século passado sobre as relações entre o homem e a natureza, passando pelas visões desenvolvidas pelos jusnaturalistas e por filósofos como Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant). Avanços nesse resgate de antigos ideais mais de acordo com uma visão interdisciplinar colocada como necessária pela ciência moderna têm se verificado em certas correntes marginais da ciência econômica, como é o caso das escolas que buscam uma aproximação da economia com as questões ecológico-ambientais (vide, apenas como exemplo, casos como os de Schumacher, Daly e Sachs, e, no Brasil, Buarque, Furtado e Rattner, op. cit.) e autores como, por exemplo, Albert Hirschman, 1986.
Porém, por estes ideais em si não bastarem, faz-se necessário também se recolocar em pauta e se aprofundar o debate e a prática sobre questões relacionadas ao incremento da participação política e à prática da cidadania. Para que isto passe a ocorrer, torna-se fundamental que estudos mais aprofundados sobre as causas e conseqüências da pobreza e da miséria em relação à perda do poder de participação e de intervenção dessas comunidades sejam efetuados.
Por outro lado, exemplos de como certas comunidades se articularam para, apesar de suas condições nada favoráveis, superar as limitações políticas, de organização e de mobilização, em circunstâncias específicas, podem servir de casos históricos para o entendimento das diferentes potencialidades humanas e comunitárias para se superarem esses obstáculos, impostos quase sempre por um determinado modelo de desenvolvimento hegemônico, que por sua vez também se transforma e se adapta às novas realidades.
Isto nos leva ao segundo ponto a ser considerado: o cenário mundial. Do ponto de vista da América Latina, por exemplo, pode-se buscar um apoio muito forte em aspectos levantados por trabalhos como os da CEPAL (1991), do PNUD (CDMAALC, 1990) e do PNUMA (Leff, 1990), entre outros. Além disso, são cruciais os estudos sobre o papel das corporações e conglomerados transnacionais assim como dos organismos multilaterais na definição de políticas setoriais desses países, e como estas impactam sobre a economia dos outros (Furtado, 1987 e 1993, p. ex.), bem como na definição da nova divisão internacional do trabalho seja do ponto de vista dos efeitos do regime de acumulação fordista no mundo (Lipietz, 1987), seja do ponto de vista das transferências dos conteúdos energéticos e dos riscos ambientais ou tecnológicos impostos aos chamados países em desenvolvimento (Sevá Filho, 1989). Também os aspectos levantados por uma economia política das relações internacionais (Gilpin, 1987) podem ser utilizados para aumentar o poder de análise e de interpretação deste novo enfoque.
Finalmente, no que concerne às discussões relacionadas à perda de diversidade cultural e de conhecimentos de populações tradicionais, vale relacionar importantes aspectos resgatados por autores e linhas de pesquisa que vêm trabalhando com esse tipo de população, juntamente com outros relacionados com a intolerância, a não aceitação de racionalidades e visões de mundo diferentes, bem como às discriminações de todo tipo, como as raciais, político-ideológicas e de setores minoritários em termos de poder ou de população nas diferentes sociedades. Todos esses fatores, que sempre se acirram em tempos de crises político-institucionais e de recessões econômicas, possibilitam o ressurgimento de ideologias fascistas e neofascistas, ou atos de violência e de desrespeito a direitos humanos de parcelas das populações que migram ou se refugiam em determinadas regiões. Esses aspectos de política internacional, portanto, se revestem também de uma discussão que não pode se restringir apenas ao âmbito da diplomacia internacional, mas devem ser inseridos numa discussão mais ampla e permanente com todas as populações envolvidas, possibilitando um debate mais efetivo sobre a liberdade de mercado e a abertura ou o fechamento de fronteiras sócio-econômicas.
Qual seria, então, o possível perfil de uma teoria ou corrente do pensamento econômico que possa tratar de todas essas questões, à luz das atuais discussões envolvendo a problemática da cidadania aliada às questões sócio-ambientais? Este é o próximo ponto sobre o qual gostaríamos de tecer algums comentários para se estimular o debate.
3.2 Os porquês de uma economia política relacionada com essas questões
No que se refere à discussão relacionada com a problemática da sustentabilidade dos modelos econômicos ou de desenvolvimento atualmente vigentes, conviria abordar, neste momento, o ponto que diz respeito à possibilidade de se constituir uma teoria que incorpore as questões levantadas na subseção anterior, ao mesmo tempo em que possa contemplar também vários outros problemas que já vêm sendo abordados pelas correntes apresentadas anteriormente dentro deste trabalho. Como fazer essa síntese?
A discussão ou a busca de um consenso sobre a necessidade de se incorporar essa diversidade de questões dentro de uma visão pluralista, ou de trabalhar com uma diversidade de tendências que apresentam diferentes abordagens para tratar de temas afins, de maneira mais ou menos articulada, pode partir de dois pontos básicos:
1) a primeira constatação a ser feita refere-se ao fato de que tanto o modelo atualmente vigente, quanto a teoria econômica que o sustenta, constituem-se em maneiras nada sustentáveis de lidar com as questões sócio-ambientais mais relevantes. Ao mesmo tempo os mesmos se perdem num enfoque por demais reducionista e segmentado da realidade concreta vivida pelas diferentes populações humanas. Isto leva, por conseguinte, ao privilegiamento apenas de aspectos quantitativos, como o crescimento do PIB ou da economia, e não de aspectos mais qualitativos e diferenciados segundo cada sociedade/comunidade, como a melhoria da qualidade de vida, não apenas física e material das populações, como também no que concerne ao aumento da participação efetiva dos cidadãos de todas as classes nos processos de tomada de decisão que lhes digam respeito. A não aceitação dessas questões como centrais pelos modelos econômicos tradicionais tanto na teoria, como na prática leva a um possível impasse ou, mais do que isto, à necessidade de se buscarem, com ainda maior presteza, soluções alternativas para se lidar com esses problemas;
2) em segundo lugar, pode-se apontar também que, dentro das discussões atuais sobre o papel do Estado e do mercado na economia, torna-se fundamental retomar este debate centrando-se no caráter não-excludente e nem sempre tão antagônico da relação entre um e o outro, que a intransparência das relações entre as esferas pública e privada obscurece. Pode-se, por outro lado, argumentar que a resolução dos conflitos sócio-econômico-ambientais não se constitui no fim único sequer no principal, para o qual esses espaços são criados numa sociedade. Mas, certamente, é através dessas questões que muitos dos problemas atuais são gerados ou ampliados e, por isso, tanto o Estado como o mercado deverão ser readequados para se alcançarem os objetivos de melhoria de qualidade de vida e de acesso aos benefícios gerados pelo sistema para as parcelas menos favorecidas da população mundial. Da mesma forma, à medida que se avance na discussão sobre o papel dos diferentes atores, deverá se rediscutir a questão do Estado, bem como de seus aparelhos e agentes. Ao mesmo tempo, questões como a democratização das informações e das instituições sociais, políticas e econômicas e sobre a forma de atuação dos agentes dentro do mercado também deverão entrar em pauta.
Para se avançar nessa discussão devem-se passar em revista algumas das questões colocadas pelas correntes do pensamento econômico descritas no início deste trabalho. O mais importante neste momento é se observar como as mesmas tratam dessas questões e de que maneira as diferentes abordagens poderão se constituir num pano de fundo adequado para o aprofundamento das relações entre a teoria econômica emergente e as velhas e novas questões sociais e ambientais postas no atual momento histórico.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que, como um campo do conhecimento ainda em formação, a interação economia, sociedade, meio ambiente e ecologia vem ocorrendo de maneira razoavelmente abrangente com a chamada economia ecológica, a qual se auto-intitula uma corrente transdisciplinar.
O problema que se coloca a partir daí é de natureza metodológica: como se compatibilizarem as diferentes abordagens utilizadas por diferentes áreas do conhecimento humano e não apenas do conhecimento científico integrando-as num quadro mais amplo, e a partir daí buscar entender e propor soluções para problemas complexos, tanto teóricos quanto práticos?
Tendo em vista as dificuldades para se alcançar um consenso, mesmo entre especialistas de uma mesma área, como se pode articular um espaço para que se encaminhem soluções viáveis para problemas concretos e imediatos de atores/setores sociais diversificados envolvidos em conflitos sócio-ambientais, que serão sempre únicos?
À luz de vários desses conflitos envolvendo setores os mais diversos de nossa sociedade e/ou da civilização atual, pode-se notar que dificilmente as soluções puramente técnicas possibilitarão a tomada de decisões efetivamente justas e racionais . Mesmo porque muitas das decisões são tomadas politicamente, competindo à argumentação técnica apenas a função legitimadora da decisão política. Portanto, se as racionalidades também podem ser muitas e diversificadas, então, em tese, qualquer decisão que siga uma ou outra racionalidade será também racional.
No entanto, para se atender aos desejos e às necessidades dos diferentes agentes sociais, faz-se necessário criar condições, primeiro, para que todos os setores possam ser representados e participar dos processos de negociação e de tomada de decisão. Depois, que esses processos possam ser acompanhados e monitorados pelos membros dessas sociedades. Este processo não se dá seguindo-se apenas uma única racionalidade técnica ou instrumental, no mais das vezes totalmente incompreensível para os diferentes atores que participam desses processos. Em geral, essas racionalidades procuram apenas legitimar ou justificar as posições que não contrariam o status quo dominante.
Com base nisso, procuraremos esboçar a seguir uma forma não-convencional de se enfocarem e encaminharem propostas para os intrincados problemas relacionados com os conflitos sócio-ambientais, a partir da ótica de uma economia política do meio ambiente.
4.1 Embasamento teórico e possíveis inputs das demais correntes para uma economia política do meio ambiente
No que concerne ao embasamento teórico para esta proposição, tem-se toda a evolução histórica da economia política, aliada às necessidades colocadas pelos novos temas e pela realidade do mundo atual.
Dentre as possíveis contribuições oferecidas pelas diferentes abordagens para a economia política do meio ambiente, ter-se-ia, então:
a. com relação à escola (pós)neoclássica da economia ambiental, o que se pode antever é que apesar das características de aplicabilidade e de adaptabilidade às situações voltadas para o modelo econômico ainda em vigor pouco ela pode contribuir no sentido de romper com as amarras impostas pelo enfoque conservador dessa teoria econômica, dada a sua própria origem de fundo individualista e utilitarista. No entanto, como instrumento a ser utilizado na construção de um novo paradigma não apenas científico, como também epistemológico é possível que sua utilização se prolongue, tanto quanto sirva, de alguma forma, de embasamento e também para aprimorar as novas formas de se buscarem indicadores para a mensuração de melhoria na qualidade de vida dos diversos setores de uma sociedade;
b. as contribuições das teorias do desenvolvimento poderiam ser aquelas já ressaltadas anteriormente como sendo as características mais importantes dessa tendência, quais sejam, a possibilidade de, a partir de uma ótica da periferia para o centro do sistema capitalista internacional, se construir uma visão mais abrangente e crítica, que possa integrar e aproximar-se da realidade vivida pelos diferentes atores sociais com menor visibilidade nos contextos nacional e internacional;
c. da abordagem marxista poderiam ser incorporadas suas análises críticas, bem como toda a concepção dialética da história, possibilitando a construção de perspectivas e cenários alternativos; essas análises, em conjunto com novas teorias científicas em desenvolvimento como a teoria do caos, por exemplo, poderão levar à formulação de novos modelos analíticos que se adaptem melhor à atual fase de transição histórico-filosófica por que passa a humanidade neste limiar de século e de milênio;
d. com relação à economia ecológica, poderiam ser incorporadas suas preocupações teórico-metodológicas relacionadas à questão da entropia, bem como sua abordagem pluralista dos fenômenos, desde que pautada por uma análise crítica a respeito da aplicabilidade e da relevância das teorias passíveis de serem incorporadas pela mesma aos interesses e às necessidades concretas vividas pelos diferentes setores sociais e por cada sociedade.
Por fim, no que se refere aos principais desafios que se colocam para as diferentes correntes e as racionalidades (diga-se de passagem, economicistas) adotadas por cada uma dessas tendências, têm-se as diversas questões formuladas há um bom tempo pelos pesquisadores e atores sociais que se deparam com as soluções apresentadas pela economia ambiental em suas tentativas de atribuir valores para os bens ou danos sócio-ambientais.
O primeiro desafio diz respeito à busca de novos pressupostos que possam subsidiar as tentativas correntes de se atribuir valor para algo que não pode ser expresso em termos quantitativos (sejam valores monetários, sejam energéticos). Isto para que se possam superar as atuais teorias do valor-trabalho ou mesmo do preço (que se define pela oferta e demanda de um determinado bem no mercado), as quais não possibilitam a inclusão de bens ou serviços que possuem outros tipos de valores por exemplo, valores culturais, simbólicos ou de uma função ecossistêmica desempenhada (ou serviço prestado) por um determinado recurso natural que não podem ser captados nem por uma, nem pela outra teoria.
O segundo desafio passa por questões que extrapolam o reducionismo excessivo da escola neoclássica o qual como já é bem sabido baseia-se num modelo de equilíbrio ancorado em conceitos e metodologias advindos da mecânica clássica e que colocam em cheque o aspecto mais ressaltado pelos seus defensores, que diz respeito à consistência interna do modelo, desde que tudo o mais permaneça constante a famosa condição ceteris paribus utilizada exaustivamente pelos economistas ortodoxos. De nada adianta um modelo consistente internamente, se diversos pontos cada vez mais relevantes permanecem na condição de variável independente ou de externalidades do modelo e a cada dia novas externalidades necessitam ser deixadas de lado, pois não cabem ou se adaptam mal aos pressupostos da teoria em questão.
Portanto, é nessa esfera em que se encaixam as visões dos diferentes atores e sua participação nos processos de tomada de decisão e de resolução de conflitos sócio-ambientais, que se faz necessária a formulação de uma visão mais abrangente e não apenas tecnicista da realidade. Este espaço terá que ser construído, tanto teórica, epistemológica e metodologicamente, quanto na prática. Algumas considerações preliminares a esse respeito é que se procurará introduzir na próxima subseção.
4.2 Considerações de ordem teórica, metodológica, política e espistemológica para a nova abordagem econômico-ecológico-social:
Do ponto de vista dos aportes teóricos a serem utilizados por essa nova articulação, tem-se, por um lado, a reformulação já em curso proposta pela abordagem econômico-ecológica. Esta se baseia fundamentalmente na lei da entropia, retomando aspectos levantados originalmente dentro da economia por Georgescu-Roegen (1971). A partir daí, vários autores como Martínez-Alier (1987), Martínez-Alier & Schüpmann (1991) e os já citados Daly, Norgaard, Costanza, entre outros, vêm tentando não apenas enfatizar o caráter energético de uma economia, não apenas da produção, da circulação e do consumo, como também do descarte de resíduos e da reciclagem de matérias-primas.
Essa preocupação com todo o ciclo de vida dos recursos utilizados já se constitui em um grande passo para se evitar o desperdício, seja de matéria, seja de energia em sua forma útil ou seja, com potencial de gerar trabalho e não na sua forma mais degradada, como energia térmica, simplesmente.
A partir daí, uma ruptura epistemológica emergiu com respeito à visão mecanicista da física newtoniana clássica, prevalecente na abordagem neoclássica da economia.
A noção de tempo unidirecional colocada pela segunda lei da termodinâmica e, posteriormente, o avanço da ciência como um todo não foram incorporados pelas correntes hegemônicas da ciência econômica, que continua buscando um hipotético estado de equilíbrio entre variáveis sociais que não podem ser controladas, a ponto de resolverem todos os problemas de alocação de recursos via mercado. Muitas das demandas e necessidades humanas são de ordem cultural, simbólica e até espiritual e não apenas material sendo que as razões que levam um indivíduo ou comunidade a produzir e consumir um determinado bem estão muito além da simples necessidade de trocá-lo no mercado.
É certo que, do ponto de vista do materialismo histórico ou dialético, também se deu muita ênfase para uma visão tecnologicamente otimista, supondo que todas as aspirações materiais poderiam ser satisfeitas mediante uma mecanização crescente do processo produtivo. Também a crença demasiadamente otimista na superação do modo de produção capitalista por um outro de caráter socialista, devido à tendência decrescente das taxas de lucro e à revolução proletária como conseqüência lógica das lutas contra as injustiças sociais e contra a extração da mais-valia pelos capitalistas, também não pôde se cumprir como se vislumbrava a partir de meados do século passado.
Desse ponto de vista, a superação dos antigos modelos e paradigmas constitui-se não apenas em uma aspiração do ponto de vista teórico e científico, como também numa necessidade em termos de abertura de novas possibilidades de interação entre diferentes atores com histórias e culturas também diferentes, tanto intra quanto intergerações. Esse respeito deverá existir para que possa haver um entendimento e ocorrer a negociação entre agentes com visões diferenciadas. Só então é que esse diálogo poderá se constituir em um fator decisivo para que se atinja o objetivo de se construir uma sociedade e um mundo sustentável para a maioria.
4.3 Conduzindo esta nova abordagem que relaciona as questões sócio-econômicas às ecológico-ambientais
Finalmente, chegamos ao ponto inicial: quais seriam as bases de uma economia política do meio ambiente?
No que concerne a seus objetivos ela deverá adotar um enfoque eminentemente político, mas não partidarizado, permitindo que diferentes abordagens teórico-metodológicas se enfrentem na tentativa de propor explicações e formas alternativas de se buscarem soluções para problemas sócio-ambientais concretos. De qualquer forma, essas explicações e recomendações alternativas deverão ser apresentadas para opção aos atores sociais envolvidos num determinado conflito, que as adaptarão a suas próprias realidades e momentos históricos específicos.
Como metodologia, por mais amplo que seja seu espectro e abertura para novos métodos analíticos, ela terá que incorporar os setores sociais envolvidos em determinada questão como tomadores de decisão e gerenciadores junto às instituições públicas reformuladas de seus impactos e conseqüências tanto positivos quanto negativos. Para que isto possa vir a ocorrer, faz-se fundamental que o acesso às informações e à educação seja estendido democraticamente a todos os setores e indivíduos, sem exceção. Este é um dos maiores desafios a serem enfrentados.
Por fim, do ponto de vista teórico e analítico, pode-se resgatar muitas das contribuições oferecidas pelas mais diversas visões de mundo e conhecimentos científicos e das comunidades tradicionais, possibilitando um máximo de interação e, principalmente, nunca a subordinação forçada ou imposta de uma visão sobre outra. Isto, desde que o objetivo ou a intenção de uma certa visão não seja a de se tornar a única possível, tratando de eliminar as demais. A base dessa proposição é o respeito à diversidade cultural e de visões de mundo, a qual tem permitido superar algumas crises colocadas pela não compreensão de todos os fenômenos pela ciência moderna. E esta também pode ser reformulada para não procurar atender apenas aos interesses das classes hegemônicas que se mantêm no poder tanto dos países centrais, quanto dos periféricos, contrariando pressupostos éticos e humanos das populações das próprias nações onde estes conhecimentos são gerados ou enriquecidos.
5. Conclusões Preliminares a Respeito do Potencial de Desenvolvimento dessa Área no Brasil
Como ponto inicial para esta conclusão, torna-se necessário ressaltar a época de transição e de crise (quase) civilizatória que atravessamos já há algum tempo.
No que se refere às oportunidades que se abrem devido ao rompimento com antigos paradigmas tecno-econômicos e científicos, bem como à necessidade de se acertarem as contas com velhas demandas e aspirações da coletividade humana, ao mesmo tempo em que novos enfoques, abordagens e visões de mundo se abrem à nossa frente, pode-se colocar que ou nos aprofundamos nas feridas abertas por essa crise e buscamos formas efetivamente inovadoras de se resolverem os problemas, ou nos tornamos meros expectadores do trem da história.
Claro está, pela segunda lei da termodinâmica, que a flecha do tempo aponta inexoravelmente para o estado de máxima entropia no universo (vide, entre outros, Tiezzi, 1989; Prigogine & Stengers, 1984).
Nem por isso, e até mesmo por isso, é que devemos aproveitar a situação em que vivemos para resgatarmos o sentido dos valores éticos e humanos que nos coloca em posição de devedores para com toda a parcela majoritária da população mundial, no mesmo instante em que, aproveitando-se de toda a confusão causada por esse estado de crise que se instaura a cada época de transição, setores os mais diversos buscam manter ou aumentar seus privilégios em detrimento dessas mesmas populações. Isto tudo acarreta um acirramento dos ânimos devido à reação das camadas empobrecidas contra as injustiças e a iniqüidade impostas às mesmas pelos setores privilegiados dessas sociedades.
Na prática, a única solução é a união de forças que busquem, de fato, uma democracia verdadeiramente sustentável, tanto política e econômica, como cultural, social e eticamente. Para isso, faz-se necessário a identificação e o fortalecimento de atores sociais como interlocutores que possuam condições ou potencial de se articular com os demais setores na sociedade, superando as tradicionais visões dicotômicas ou monolíticas da sociedade e de suas subdivisões. Para tanto, faz-se necessário romper em seu íntimo corporativo com todas as formas de preconceitos e de segregacionismo, buscando-se espaços para a negociação e resolução de conflitos, respeitando-se a diversidade de pensamento e de culturas, assim como procurando-se contornar e compreender as divergências e sua evolução através do tempo.
Do ponto de vista teórico ou científico, isto requer novas abordagens e mentalidades que possam conduzir a uma vinculação mais estreita entre a consciência e as práticas humanas, com as necessidades e as aspirações dos indivíduos. Isto não quer dizer que as vontades individuais devam prevalecer sobre as necessidades coletivas. Tampouco deve ser entendido como sendo o contrário.
Apenas o que pode ser antevisto neste momento é a necessidade de se buscarem essa interação (do ponto de vista das práticas concretas) e a interdisciplinaridade (do ponto de vista mais teórico e analítico) que, por sua vez, possam conduzir a um maior entendimento dos complexos problemas de caráter sócio-ambiental, bem como à negociação e ao encaminhamento de possíveis soluções consensuais para os conflitos existentes a cada momento.
Celso Sekiguchi
Elson Luciano Silva Pires
elsonlsp[arroba]rc.unesp.br
DESENVOLVIMENTO E NATUREZA: Estudos para uma sociedade sustentável. INPSO/FUNDAJ, Instituto de Pesquisas Sociais, Fundacao Joaquim Nabuco, Ministerio de Educacao, Governo Federal, Recife, Brasil. Octubre 1994. p. 262. Disponible en la World Wide Web: http://168.96.200.17/ar/libros/brasil/pesqui/cavalcanti.rtf
(Clóvis Cavalcanti (Org.) André Furtado, Andri Stahel, Antônio Ribeiro, Armando Mendes, Celso Sekiguchi, Clóvis Cavalcanti, Dália Maimon, Darrell Posey, Elson Pires, Franz Brüseke, Geraldo Rohde, Guilherme Mammana, Héctor Leis, Henri Acselrad, Josemar Medeiros, José Luis D'Amato, Maria Lúcia Leonardi, Maurício Tolmasquim, Oswaldo Sevá Filho, Paula Stroh, Paulo Freire, Peter May, Regina Diniz, Antônio Rocha Magalhães.)
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