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O que acontece com os pacientes dependentes de álcool a drogas que desaparecem das primeiras consult (página 2)

Marcelo Ribeiro

 

Vários estudos tentaram determinar os fatores preditivos da adesão ao tratamento(2,3,6,7,8). Stark et al (3) apontaram alguns fatores como: intervalo de tempo entre a marcação da consulta e a consulta; déficits de personalidade (ambivalência em relação à decisão de parar de usar drogas); efeitos, tempo a freqüência do consumo da droga e sistema de suporte pródroga e anti-social.

Steer(") concluiu que raça, nível ocupacional, presença de prisões, tipo de encaminhamento, use secundário de drogas estimulantes a "SCL-90-R's Global Severity Index" afetam o tempo de permanência no tratamento, porém seu término é influenciado apenas pelo fator raça, sendo que brancos abandonam o tratamento mais freqüentemente do que negros. Stark et al(10) não encontraram diferenças significativas entre pacientes aderentes a não-aderentes ao tratamento quanto ao tipo de use de drogas, mas concluíram que a natureza da psicopatologia pode predizer a aderência. Assim, abusadores de anfetaminas foram os primeiros pacientes a abandonar o tratamento, enquanto que os que apresentavam sintomas psicóticos permaneceram no tratamento por mais tempo. Em relação a características sociodemográficas, a única diferença encontrada foi o maior número de pacientes desempregados no grupo de aderentes. Por outro lado, Wickizer et al (15) demonstraram a existência de várias influências sociodemográficas (idade, raça, sexo, escolaridade), além das relativas às diferentes modalidades de tratamento.

Sparr et al.(10) investigaram os motivos para a perda de consultas psiquiátricas gerais a descobriram que 71% das consultas perdidas foram remarcadas espontaneamente pelos próprios pacientes. Além disso, determinaram fatores que poderiam diminuir o índice de faltas às consultas, que seriam: telefonema prévio, carta prévia, descontos financeiros, maior nível de informações iniciais sobre o tratamento a menor intervalo de tempo até a consulta.

Gottheil et al.(4) analisaram 3 grupos de pacientes dependentes de cocaína: os que compareceram ao tratamento após marcação inicial da consulta, os que procuraram o serviço sem marcação prévia a um último grupo dos que faltaram à primeira consulta a reapareceram após telefonema de remarcação. Não foram encontradas diferenças quanto ao abandono nem quanto à aderência ao programa. Assim, destaca-se a importância de esforços para diminuir o abandono pré-tratamento.

No nosso meio, este tema ainda está pouco documentado. Os objetivos deste estudo são: 1- investigar o que ocorreu após abandono precoce do tratamento de pacientes usuários de álcool e/ou drogas em um centro de atendimento universitário em São Paulo; 2- traçar o perfil desses pacientes a 3- analisar as razões para a nãoaderência ao tratamento.

Material a métodos

Settings

O estudo foi realizado na UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool a Drogas) da UNIFESP - EPM, em São Paulo. Este serviço atende pacientes vinculados ao Sistema único de Saúde (SUS) que procuram tratamento voluntariamente. A pesquisa foi realizada no período de março de 1997 a setembro de 1998.

Amostra

Foram entrevistados 69 pacientes usuários de álcool e/ou drogas que procuraram tratamento e o abandonaram. Foram considerados desistentes os pacientes que compareceram à triagem e a no máximo um mês de atendimento. O total de pacientes desistentes foi de 96, no entanto os demais não puderam ser localizados. Na impossibilidade de entrevistar os pacientes, as informações foram obtidas com familiares. Dos 69 pacientes entrevistados, 18 eram usuários de álcool, 35 de drogas e 16 de ambas as substâncias.

Entrevista

A entrevista era semiestruturada, com duração aproximada de 20 minutos a constava de seis partes: dados sociodemográficos, consumo de álcool, drogas e tabaco, criminalidade, procura de tratamentos, morte a razões para a não-aderência ao tratamento. O contato com os pacientes foi realizado por telefone. O intervalo entre a triagem e a entrevista variou de três a 16 meses, com média de nove meses a mediana de sete meses. Quarenta a um por cento das entrevistas foram realizadas com os próprios pacientes a 59% com familiares que puderam informar a respeito dos pacientes.

Resultados

Caracterização da amostra

A seguir serão apresentados os dados sociodemográficos da amostra analisada. A tabela 1 revela essas características, comparando os resultados obtidos entre os usuários de drogas, de álcool a de ambas as substâncias.

Consumo de álcool, drogas a tabaco

Quanto ao consumo de tabaco, a amostra era constituída de 54 fumantes a 15 não-fumantes. Entre os usuários de álcool, 94% eram fumantes, entre os dependentes de drogas, a prevalência era de 77% a entre os pacientes que usavam ambos era de 63%. A respeito do abuso de álcool a drogas, a tabela 2 descreve os resultados obtidos quanto ao tempo médio de use de cada substância nos últimos 12 meses.

Criminalidade

Dos 69 pacientes entrevistados, quatro foram presos ao menos uma vez desde a última consulta na UNIAD e três foram condenados a sentenças por porte de drogas, tráfico de drogas ou vandalismo.

Tratamentos realizados

Quarenta a oito porcento dos pacientes entrevistados já haviam realizado tratamento para abuso de substâncias anteriormente. Após a consulta perdida na UNIAD, 23 pacientes procuraram tratamento em outro local a 46 não o fizeram. A busca de tratamento foi realizada em media 2,5 meses após a última consulta na UNIAD. A seguir, a tabela 3 revela os tipos de tratamento procurados pelos pacientes entrevistados: A média de permanência nesses tratamentos foi de 18 semanas. A mediana encontrada para essa variável foi de 16 semanas, com percentil 25 de 8 e percentil 75 de 24 semanas.

Morte

Três pacientes do total de 69 morreram no período do estudo, resultando num índice de mortalidade de 4,3%. Esta alta taxa de mortalidade entre usuários de drogas revela a grande importância da documentação deste dado. No entanto, todos os pacientes mortos eram usuários de drogas a não de álcool. Assim, ao analisar a porcentagem de mortes somente entre usuários de drogas, o índice sobe para 6,5%. A causa da morte foi, em todos os casos, assassinato, tendo os familiares relacionado as mortes diretamente ao tráfico de drogas.

A tabela 4 analisa os dados relativos aos pacientes mortos, quanto a características sociodemográficas e consumo de drogas.

Razões para a não-aderência ao tratamento

A última parte da entrevista visava conhecer os motivos pelos quais os pacientes não deram continuidade ao tratamento. Assim, os motivos para o nãocomparecimento à consulta marcada a para a nãomarcação de nova consulta após a consulta perdida estão apresentados na tabela 5. As respostas obtidas foram classificadas a agrupadas nas seguintes categorias: motivos práticos (inclui incompatibilidade de horários, distância até o serviço, demora no atendimento), procura de outros serviços, excesso de otimismo em relação a si mesmo (inclui pacientes que não se consideravam dependentes ou que não julgavam precisar de ajuda externa para abandonar o vício), encaminhamento para outros serviços, atitudes negativas quanto à realização de tratamento, críticas ao serviço (inclui pacientes que não gostaram do terapeuta ou que não queriam tomar medicamentos) a morte.

Discussão

Este estudo avaliou o perfil e o seguimento de pacientes que abandonaram precocemente o tratamento para dependência química num centro médico universitário da cidade de São Paulo a verificou as razões para a não aderência. A maioria dos pacientes era constituída de homens solteiros, jovens, fumantes a com baixo grau de escolaridade. No Brasil, temos poucas informações sobre o que ocorre com pacientes que buscam serviços de saúde mental. Não conhecemos a qualidade dos serviços oferecidos nem as conseqüências a as razões da não aderência. Nosso estudo buscou uma primeira aproximação com o que ocorre com os pacientes que abandonam precocemente o tratamento, uma vez que as evidências da literatura internacional apontam na direção de que quarto mais tempo o paciente fica em tratamento melhor é seu prognóstico.

No entanto, temos várias limitações no desenho do estudo. Em primeiro lugar, utilizamos pacientes de um único centro de tratamento universitário. Em segundo lugar, os pacientes eram uma mistura de padrão de consumo de álcool a drogas, tornando a amostra muito heterogênea. Em terceiro lugar, as entrevistas foram feitas por telefone e a maioria delas com familiares. Além disso, havia transcorrido um tempo razoável entre a busca de tratamento e a entrevista, tornando a qualidade das informações sujeita a inúmeros erros de memória.

Apesar das limitações do estudo, alguns dados obtidos são muito importantes

1 - Em destaque está a mortalidade excessiva dos pacientes usuários de drogas. Três mortes numa amostra de 35 usuários de drogas rum período de um ano aproximadamente é um dado de extrema importância e mostra o alto risco a que esses pacientes estão expostos no seu dia-a-dia. Além disso, podemos supor, pelos dados, que dois desses pacientes não foram devidamente diagnosticados, já que foi alegado somente o use de maconha. Como eles foram assassinados, devemos pensar que seu envolvimento com outros tipos de drogas tenha sido omitido. Pelo menos um outro estudo de seguimento de usuários de drogas em São Paulo mostrou uma mortalidade excessiva entre esta população: de um total de 131 pacientes, foram constatadas 13 mortes durante um período de três anos(5).

Outro aspecto relevante é que alguns pacientes foram presos (N= 4), o que evidencia ainda mais que a alternativa ao sistema de tratamento pode ser uma série de comportamentos de risco, levando à morte ou à prisão.

2 - A maioria dos pacientes não procurou outro serviço após a interrupção do tratamento na UNIAD, embora uma boa parte estivesse em contato com algum grupo religioso. Podemos supor que a religião esteja surgindo como busca de um tratamento alternativo, quando os tratamentos formais não oferecem resposta imediata às necessidades desses pacientes.

3 - A maioria dos pacientes continuou usando álcool e drogas no período posterior à consulta, o que nos faz pensar que um dos motivos do- abandono tenha sido uma recaída imediatamente após as primeiras consultas e que isso tenha tido um efeito prejudicial àmotivação inicial para o tratamento. Vários estudos têm ressaltado a importância de se utilizar técnicas de prevenção de recaída o mais precocemente possível em todos os contatos dos pacientes corn o sistema de tratamento.

4 - As principais razões para o abandono do tratamento foram os motivos práticos, como a distância a incompatibilidade de horários e o tempo dispensado ao tratamento. Além disso o excesso de otimismo em relação a si mesmo, bem como uma atitude negativa em relação ao tratamento em geral a ao serviço da UNIAD em especial foram fatores importantes no abandono.

Desta forma, podemos ter uma primeira visão das conseqüências do abandono precoce do tratamento nesse tipo de paciente. Podemos já argumentar que nossos serviços precisam aprimorar sua organização para melhor atender às necessidades desses pacientes a tentar evitar que essa evolução preocupante ocorra. Deveríamos ter uma estrutura de serviço mais flexível que pudesse adequar-se às características desses pacientes. Deveríamos também observar as reais necessidades de grupos distintos de pacientes a oferecer algum tipo de intervenção que aumentasse as chances de aderência ao tratamento. Um serviço localizado perto da casa do paciente poderia estar mais em contato corn a família e oferecer vários tipos de abordagem como alternativa ao abandono. Vários tipos de acidentes podem ocorrer entre a primeira intenção do paciente em se tratar e o sucesso final da abstinência, como permanecer usando, recair, ser preso a até mesmo morrer. Éfunção dos planejadores de saúde diminuir a chance de que esses acidentes ocorram de forma tão freqüente quanto aparentemente estão acontecendo no nosso meio.

Referências

1. Baekland F, Lundwall L. Dropping out of treatment: a critical review. Psychology Bulletin 1975;82:738-83.

2. Blood L, Cornwall A. Pretreatment variables that predict completion of an adolescent substance abuse treatment program. The Journal of Nervous and Mental Disease 1994; 182:149.

3. Einstein S. Factors initiating/ affecting the treatment of drug use and the drug user. The International Journal of Addictions 1980;15:773-94.

4. Gottheil E, Sterling RC, Weinstein SP. Pretreatment Dropouts: Characteristics and Outcomes. Intensive Outpatient Treatment For The Addictions 1997;1-14.

5. Laranjeira R, Dunn J, Rassi R, Fernandes MS. Seguimento de usuários de crack após dois anos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 1998;47:233-6.

6. Lovaglia MJ, Matano R. Predicting attrition from substance misuse treatment using the inventory of interpersonal problems. The International Journal of the Addictions 1994;29: 105-13.

7. Miner CR, Rosenthal RN, Hellerstein DJ, Muenz LR. Prediction of compliance with outpatient referral in patients with schizophrenia and psychoactive substance use disorder. Archives of General Psychiatry 1997;54:706-12.

8. Ravndal E, Vaglum P. Psychopathology and substance abuse as predictors of program completion in a therapeutic community for drug abusers: a prospective study. Acta Psychiatr Scand 1991;83:217-22.

9. Simpson DD. The relation of time spent in drug abuse treatment to post- treatment outcome. American Journal of Psychiatry 1979;136:1449-53.

10. Sparr LF, Moffit, MC, Ward MF. Missed psychiatry appointments: who returns and who stays away. American Journal of Psychiatry 1993;150:801-5.

11. Stark MJ. Dropping out of substance abuse treatment: a clinically oriented review. Clin Psychol Rev 1992;12:93-116.

12. Stark MJ, Campbell BK. Personality, drug use and early attrition from substance abuse treatment. American Journal of Drug and Alcohol Abuse 1988;14:475-85.

13. Stark MJ, Campbell BK, Brinkerhoff MS. "Hello, may we help you?" A study of attrition prevention at the time of the first phone contact with substance-abusing clients. American Journal of Drug and Alcohol Abuse 1990;16:67-76.

14. Steer RA. Retention in drag-free counseling. The International Journal of Addiction 1983;18:1109-14.

15. Wickizer T et col. Completion rates of clients discharged from drug and alcohol treatment programs in Washington State. American Journal of Public Health, 1994;84:215-21.

Juliana Surjan, Sandra Pillon, Ronaldo Laranjeira
mailto:laranjeira[arroba]uniad.org.br
UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool a Drogas) Departamento de Psiquiatria
Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo



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