O estudo das sociedades complexas
Gilberto Velho
Eduardo Viveiros de Castro
A constituição da antropologia, enquanto campo de saber, está profundamente associada à noção de cultura. Esta disciplina, desde o seu início em fins do século XIX, se apropria do termo “cultura” e o erige em conceito totêmico, símbolo distintivo. Difundindose pelo campo intelectual moderno, a noção de cultura carrega definitivamente a marca antropológica.
“Cultura ou civilização... é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” (Tylor 1871:1). A
famosa …exibir mais conteúdo…
Se originalmente a idéia de
Cultura era resultado de um esforço de conscientização de diferenças dentro da
Civilização Ocidental, a diferença imediata, visível, que se estabelecia no confronto com sociedades exóticas, africanas, asiáticas, americanas, propunha um enigma para consciência ocidental. Este enigma, em seu sentido profundo revelava a finitude, relatividade da civilização européia. “Nós, civilizações, agora sabemos que somos mortais” sentencia Paul Valéry.
Apesar das teorias racistas, a crença na unidade fundamental do gênero humano ganhava solidez no final do século passado. A biologia darwinista foi um dos principais instrumentos da legitimação desta crença; é ela que redefine as teorias evolucionistas a partir do postulado da unidade biológica do homo sapiens; e o evolucionismo, a primeira teoria propriamente antropológica da diferença cultural, deve ser julgado como discurso que, embora terminando por sonegar a especificidade das culturas nãoocidentais, fundava-se neste postulado.
Uma vez aceita não sem dificuldades — a crença no monogenismo da espécie, surgia automaticamente um novo problema, que vai constituir a Antropologia: como explicar a evidência cegante da enorme diversidade de modos de vida de todos esses povos, e, sobretudo, a diferença entre nós, “civilizados”, e os “outros”? O universalismo da perspectiva européia
(fenômeno inédito na história das idéias) tem de enfrentar