O desenvolvimento do cinema: tecnização e civilização
12400 palavras
50 páginas
O desenvolvimento do cinema: tecnização e civilização1 Milene Silveira Gusmão No desconforto igualitário das salas de bairro, aprendi que esta nova arte era minha, como de todo mundo. Tínhamos a mesma idade mental: eu tinha sete anos e sabia ler e ela tinha doze e não sabia falar. Dizia-se que estava nos seus primórdios, que tinha progressos a fazer; pensei que cresceríamos juntos. Não esqueci nossa infância comum: quando me oferecem uma bala inglesa, quando uma mulher perto de mim pinta as unhas, quando sinto nos banheiros de um hotel do interior um certo cheiro de desinfetante, quando dentro de um trem noturno olho no teto a lamparina violeta, encontro nos meus olhos e narinas, na língua as luzes e perfumes dessas salas desaparecidas;
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Para o autor, esse processo histórico remonta à invenção do alfabeto, por volta do ano 700 a.C., na Grécia, o que tornou possível o preenchimento da lacuna entre o discurso oral e o escrito. Esta última tecnologia conceitual possibilitou grande transformação qualitativa na comunicação humana, o que Havelock (1982) chama de um novo estado da mente, “a mente alfabética”. Condição que viabilizou a transformação qualitativa da comunicação humana, possibilitando, séculos depois, a alfabetização. Foi o alfabeto que, no Ocidente, proporcionou a infra-estrutura mental para a comunicação cumulativa, baseada em conhecimento. Castells (2000, p. 353) argumenta que a nova ordem alfabética, embora permitisse o discurso racional, separava a comunicação escrita do sistema audiovisual de símbolos e percepções, tão importantes para a expressão plena da mente humana. Assim, ao estabelecer uma hierarquia social entre a cultura alfabetizada e a expressão audiovisual, o preço pago pela adoção da prática humana do discurso escrito foi relegar o mundo dos sons e imagens aos bastidores das artes, que lidam com o domínio privado das emoções e com o mundo público da liturgia. Esse contexto, em certo sentido, desde o século XVIII, no mundo 3 ocidental, provocou o aumento do prestígio dos artistas, a ponto de, para alguns grupos, a arte ter se tornado um modo heróico de vida2.