O MITO DE NARCISO E ECO E ESPIRITUALIDADE
VERA LÚCIA SOARES CHVATAL
Em uma tranqüila tarde de domingo, mexendo em alguns papéis, encontrei uma poesia de Fernando Pessoa escrita em uma folha de caderno. Um amigo a escreveu há tempos atrás, quando estudávamos teologia juntos. Nessa poesia, Pessoa expressa sua angústia dizendo: “Tudo o que faço ou medito, fica sempre na metade! Querendo, quero o infinito. Fazendo, nada é verdade…” Quanta sabedoria nesses versos. Quem já não se sentiu desiludido, angustiado, fragmentado, entre seus desejos, seus sonhos e a dura realidade? “Por que te curvas, ó minha alma, gemendo dentro de mim?” (Sl 42,6) canta o salmista. Nossa alma anseia pelo infinito… E no livro da Sabedoria o hagiógrafo acrescenta: …exibir mais conteúdo…
Acariciando o amado com seu olhar, Eco perscrutava-o intensamente, como que querendo sorvê-lo aos turbilhões, tentando captar o segredo daquele sentimento, daquela paixão. Alheio aos sentimentos despertados em Eco e tendo-se afastado dos amigos, Narciso começou a gritar por eles ouvindo em resposta o som de sua própria voz a ecoar pelas montanhas afora… A apaixonada ninfa, castigada pela Deusa Hera, não podia falar! Eco ouvia a voz de seu amado, mas não podia lhe falar e, sem a possibilidade do encontro, entristecida, sentindo-se rejeitada por Narciso, a jovem deixou de se alimentar, definhando até transformar-se em uma rocha. Capaz apenas de repetir os derradeiros sons do que ouvia. As demais ninfas, condoídas com a sorte de Eco e irritadas com o que consideravam uma insensibilidade por parte de Narciso, pediram vingança a Nêmesis. E a deusa da justiça distributiva o condenou a amar um amor impossível. Numa tarde de verão Narciso, sedento, aproximou-se da límpida fonte de Téspias para mitigar a sede. Debruçando-se sobre o lago que formava um espelho imaculado, ele viu-se refletido nas águas e apaixonou-se pela própria imagem. Não conseguindo mais se afastar da própria imagem, morreu de inanição, tal qual a ninfa Eco. Em seu lugar foi encontrada uma delicada flor amarela, com o centro circundado de pétalas brancas. Era o Narciso. Os mitos podem ser entendidos como paradigmas do desenvolvimento humano. Narciso e Eco estão em relação dialética de