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Pode mesmo dizer-se que foi o comércio de sândalo que atraiu a Timor toda a navegação. Mas, desde cedo, ocorreram períodos de alternância no volume de abate e exportação. Um memorial de 1697 refere que "o sândalo que era nesta ilha o principal comércio, está quase de todo estancado pela grande cresta que, no fim da sua vida lhe deu António Hornay", então o capitão-mor de Solor e Timor.
Quanto menores eram os recursos de sândalo maiores eram as cobiças. Sem remuneração do Estado o cargo de capitão-mor de Solor e Timor usufruía o melhor que a terra lhe dava : tributos, castigos e penalidades traduziam-se em paus de sândalo – " e por via destas condenações tiram os ditos capitães-mores e outros seus ministros, em cada ano, acima de oito bares de sândalo e cada bar tem seis picos..."
No século XVIII e princípios do XIX, na época dos exploradores e naturalistas (ingleses, franceses e holandeses), o comércio do sândalo também diminuía, por impossibilidade do tráfego seguro e pelo esgotamento dos povoamentos do litoral. Em 1860 existe notícia de que a descoberta de outras espécies de sândalo fez baixar consideravelmente o preço do sândalo branco de Timor: "... e hoje está tão baixo que não paga as despesas do transporte do interior aos portos de mar".
O período que o sândalo demora a crescer a ponto de se tornar uma árvore adulta é de cerca de 30 a 40 anos. É pois natural haver oscilações com esta amplitude, que se traduzem em ciclos de abate e exportação e contra-ciclos de interrupção do comércio e regeneração.
No último quartel do século XIX o sândalo ocupava ainda uma área bastante extensa, no interior de Timor. Mesmo o litoral, nos arredores de Dili por exemplo, tinha sândalo, como refere A. R. Wallace em 1861.
Em 1901 o governador Celestino da Silva, grande impulsionador do fomento agrícola da ilha, anuncia medidas enérgicas de contenção da extracção do sândalo em vários distritos, onde fica expressamente proibido o abate de árvores. Em 1911 outro governador, Filomeno da Câmara, publicou severa legislação contrariando o abate de árvores mas a impossibilidade de fiscalização levou a que continuasse paulatinamente, até que em 1925 o governador Raymundo Meira proíbe o corte de sândalo em toda a ilha.
Ruy Cinatti fornece-nos a série cronológica do peso total em toneladas (pau e raiz) de sândalo branco exportado de 1910 a 1924:
A regressão linear da variável-resposta "peso exportado" em relação à variável independente "ano" revela-se estatisticamente significativa (p-value: 0.002621) sendo explicada cerca de 55% da variabilidade total da variável "peso exportado" pela recta; o declive negativo dessa recta (b=-57.30) mostra que, em média, por cada ano que passa diminuiu o total exportado em quase 60 toneladas - essa foi a tendência geral observada. O diagnóstico gráfico da regressão evidencia essa tendência associada à nuvem de pontos, existindo também resíduos fortes, dos quais 4 são valores anómalos ("outliers"), sobretudo o valor excepcionalmente elevado exportado em 1913.
Em 1934, sob o governo de Manso Preto, são regulamentadas pela primeira vez as sementeiras. Em 1939 sobreveio a guerra e só terminada esta recomeçou a iniciativa de reconstituição de povoamentos; em 1946 o governador Óscar Ruas prescrevia, a todas as circunscrições, a renovação ou a formação de matas pela preparação de viveiros.
Muitos milhares de sementes foram lançadas à terra e muitas plantas de sândalo crescidas em viveiro foram plantadas com cuidados extremos que chegavam ao ponto de limpar toda a vegetação circundante e semear o sândalo em canudos de bambú. As jovens plantas morriam com 10 a 15 dias de vida, não se sabia porquê.
Foi então que Ruy Cinatti descobriu num livro australiano (4) a descrição da natureza hemi-parasitária do sândalo branco e das outras espécies do género. Estava explicado o mistério: a remoção da vegetação nas áreas a plantar, uma técnica tradicional para evitar a competição com as jovens plantas, retirava os potenciais hospedeiros necessários ao vingamento dos exemplares de sândalo. Após mais de 300 anos de exploração intensiva os portugueses ainda desconheciam um aspecto fundamental da ecofisiologia da espécie.
No último quartel da colonização portuguesa (1950-1975) não parece haver grandes notícias sobre a exportação de sândalo; com efeito depois de 1939 deixa de constar nas estatísticas, mas sabe-se que pelo menos em 1966 e 1967 foram feitos desbastes em Tilomar e Oecussi num total superior a 50 toneladas (5).
Durante o período da ocupação indonésia (1975-1999) não existem dados que conheçamos sobre o volume de abate e exportação até que nos anos 1989/1990 estão declarados cerca de 18 toneladas, quantidade que em 1991 aumentou para 54 toneladas (6). Existe uma estimativa global de cerca de 50 toneladas por ano durante o período de ocupação.
Após a independência, nos anos de 2000 a 2003, crê-se que tenha havido uma exploração total de cerca de 200-300 toneladas legais (em Baucau e Lospalos), presumivelmente ultrapassadas com os cortes ilegais, sobretudo nas zonas de fronteira.
A inventariação feita pelos serviços florestais em 2003 (nos distritos de Bobonaro, Covalima e Lospalos ) da distribuição das plantas, permitiu concluir que cerca de 60% dos exemplares apresentam um diâmetro entre 0- 5 cm, 30% com diâmetros de 5- 10 cm, 5% com valores de 10- 15 cm, 4% na gama de 15- 20 cm, e, finalmente, 1% com diâmetro maior que 20 cm. Trata-se pois de um diagnóstico de povoamentos juvenis, cujo futuro importa preservar como prevê o artº 60º da Constituição da RDTL.
O género Santalum distribui-se sobretudo pelo sudeste asiático, mas também existe nas ilhas do Pacífico e na Índia, no Ceilão (Srilanka) e actualmente expande-se na África do Sul e Austrália.
Na Índia a espécie Santalum album L. ocupa áreas muito extensas em povoamentos densos ou esparsos, onde se destaca a região de Karnataka (7), perto de Goa. Existe mesmo a versão de que se localiza aí o centro de origem da espécie sendo a outra versão a de que os portugueses para lá a levaram a partir de Timor.
O sândalo branco (Santalum album L.) distribui-se desde o nível do mar até uma altitude que pode alcançar os 1300- 1500 m. (8), numa amplitude de precipitação média anual que vai dos 400 aos 3000mm, o comprimento da estação seca pode alcançar os 6-7 meses. A gama de temperaturas médias anuais varia dos 19º C aos 32ºC e a temperatura média do mês mais frio da ordem de 13-25ºC (9). Trata-se portanto de uma espécie plástica, observando-se no entanto que as produções mais elevadas dos melhores óleos se verificam em condições de stress moderado a relativamente intenso, em solos inclinados e precipitações menores. O sândalo branco dá-se mal com o encharcamento e com solos ácidos; por outro lado tolera solos sódicos.
A propagação natural do sândalo no seu habitat ocorre sobretudo por acção de aves frugíferas, como a citação de Frei Luís de Sousa ilustra. Ripley (1961) (10) apresenta uma lista de 23 espécies de aves que na Índia foram observadas alimentando-se de frutos de sândalo, entre as quais três espécies de pombos. Existem várias notícias diferentes sobre as épocas de floração e frutificação do sândalo branco, sendo a informação mais corrente a de que a floração e a frutificação se estendem ao longo do ano. Venkatesan afirma que se o objectivo é reconstituir uma floresta de 100 hectares de sândalo, basta estabelecer 5 a 10 pequenas parcelas de 1 ha, dispersas pela área total, que, após atingirem o estado de frutificação, serão fonte de sementes suficiente para a dispersão ornitológica pela área remanescente (11).
As sementes têm um período de dormência de 2 meses e retêm a sua viabilidade até 9 meses – são necessárias cerca de 6000 sementes para perfazer 1 kg; as sementes, quando plantadas, levam normalmente 4 a 12 semanas para germinarem, processo que pode ser apressado pela imersão numa solução com 0.05% de ácido giberélico durante 12 a 16 horas. Srimathi e Nagaveni afirmam que as sementes colhidas em Setembro-Outubro e plantadas em Abril-Maio originam as taxas máximas de germinação com a duração mínima (12). A idade das árvores-mãe não parece afectar a viabilidade das sementes.
Para além do aspecto hemi-parasitário da espécie, pode dizer-se que em termos médios se trata de árvores que atingem uma altura de 10- 15 m e um dap (diâmetro à altura do peito) de 30 cm. O termo de explorabilidade do sândalo branco é de 30 a 40 anos. Existem boas notícias da Índia sobre a abundante regeneração de sândalo sob coberto de casuarina (Casuarina equisetifolia) e bambú.
Uma tonelada de cerne de sândalo pode originar cerca de 50 Kg de óleo, que por sua vez contém 80-90% de santalol (um alcool formado por dois isómeros), o composto responsável pelo aroma e pelo valor da madeira. Podemos usar como referência que o peso máximo de cerne maduro de uma árvore de 50 anos é cerca de 100 kg (13).
O sândalo branco poderá vir a tornar-se um factor de desenvolvimento económico sustentável em Timor-Leste. Para tal basta induzir uma acção programada e continuada de instalação de povoamentos experimentais. O Governo da RDTL já iniciou este programa com a instalação no ano de 2003 de 6 hectares no distrito de Covalima e de 11 hectares no distrito de Bobonaro com uma percentagem de 70% de sucesso, ao fim de um ano. Também a Missão Agrícola Portuguesa nos viveiros da Quinta de Portugal em Aileu e em Gleno produz dezenas de milhar de plantas de sândalo, infelizmente muitas mortas por acção de doenças. Outras instituições e ONGs também dispoem de viveiros onde se propagam sândalos.
Nas regiões mais desertificadas propõe-se seguir a sugestão de Ralan (14): lançar grandes quantidades de semente pré-tratada de lantanas (Lantana camara), por via aérea, uma espécie particularmente adaptada a regiões semi-áridas, que fixa o solo e também constitui matéria para lenha, caso se pretenda esse aproveitamento. Após um ano, nos sítios onde ficou bem instalada, semeia-se sândalo. Também se pode acrescentar uma leguminosa fixadora de azoto, seja a Leucoena glauca (ai-cafe) ou a Sesbania grandiflora (ai-turi).
Venkatesan (15) refere que a produção média de cerne de sândalo por hectare na Índia ronda os 0.6 kg por ano e afirma que tal valor poderia ser aumentado facilmente para a ordem dos 100 kg. Se usarmos a estimativa de 0.6 para Timor-Leste e admitirmos que 10% da área da RDTL poderia vir a ser recuperada para matos de sândalo branco, teríamos cerca de 1500 km2, ou seja 150000 hectares a que corresponderia uma produção global de 90 toneladas por ano. No entanto, se usarmos uma estimativa de produção de 5 kg por hectare e por ano então a produção sustentada atingiria a ordem de grandeza das 750 toneladas por ano, um valor que teria impacto no desenvolvimento económico da RDTL, comparável aos máximos valores exportados noutros tempos.
(1) Groeneveldt 1880:116
(2) F. Kenneth Hare et al., 1977 - Desertificação : causas e consequências (trad: Henrique de barros e Ário L. Azevedo). Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1992.
(3) Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes - Esboço Histórico do Sândalo no Timor Português. Junta de Investigações Coloniais, Lisboa, 1950.
(4) C. T. White: An elementary text-book of Australian forest botany – Sidney, 1922
(5) Luís Manuel Moreira da Silva Reis: Timor-Leste, 1953-1975 – O desenvolvimento agrícola na última fase da colonização portuguesa (tese de Mestrado). Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 2000.
(6) Informação prestada pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Pescas da RDTL
(7) Recent Advances in Research and Management of Sandal (Santalum album L.) in India (Srimathi, Kulkarni & Venkatesan edts). Associated Publishing Company. New Delhi, 1995. [RARMS;1995]
(8) Ormeling, 1956; Monk, 1977
(9) Doran, 2002.
(10) Citado em J. Mangalraj Johnson: Ornithodispersal of Sandal in [RARMS;1995:106-110]
(11) K. R. Venkatesan: Artificial Reneration of Sandal in [RARMS;1995:111-116]
(12) R. A. Srimathi e H.C. Nagaveni: Sandal seeds – Viability, Germination and Storage in [RARMS;1995:77-87]
(13) Warsito e Andayani, 1987.
(14) B.K.C. Rajan: Some Observations on the Regeneration and Growth of Sandal [RARMS;1995:103-105]
(15) KR Venkatesan: A Fresh look at the Management of Sandal [RARMS;1995:231-245]
Autores:
José Pinto Casquilho
josecasquilho[arroba]gmail.com
Professor do Instituto Superior de Agronomia, Engº Silvicultor, PhD.
Sérgio BarretoFinalista do curso de Ciências Agrárias da FUP/UNTL.
http://www.triplov.com/casquilho
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