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Do sagrado: árvores e tempo (página 2)

José Pinto Casquilho

Mircea Eliade conta-nos que o homem religioso conhece duas espécies de tempo, profano e sagrado: uma duração evanescente e uma sequência de eternidades periodicamente recuperáveis durante as festas que constituem o calendário sagrado - os participantes da festa tornam-se contemporâneos dos deuses e dos seres semidivinos e o calendário sagrado regenera periodicamente o Tempo porque o faz coincidir com o tempo da origem, o tempo forte e puro. O autor usa a expressão homo religiosus para abarcar todos aqueles que atribuem um cunho sagrado ao passar do tempo e recorda que em várias culturas aborígenes, sejam os yuki ou yokut da América do Norte, diz-se que o mundo passou para referir que passou um ano, enquanto que os dakota dizem expressamente: o ano é um círculo em volta do mundo.

Einstein, numa conversa com Carnap, diz textualmente: o tempo não está na física. Prigogine acrescenta a afirmação de que [5]: escolhendo o ponto de vista da física o tempo enquanto irreversibilidade é uma ilusão e portanto não pode ser objecto de ciência.

Platão considerava o instante uma coisa estranha e Aristóteles dizia que era o elo do tempo, o que separa o antes do depois, ligado ao tema da mudança de qualidade [6], onde as qualidades apostas a qualquer porção material neutra constituem uma substância e assim o movimento constitui necessariamente uma mudança de estado. O termo substância em Aristóteles comporta quatro acepções, a saber [7]: a essência, o universal, o género e o substrato.

Informação

Um objecto físico é alguma coisa que tenha energia [8] e a categoria dos objectos físicos não inclui os objectos da matemática, lógica ou semântica modal ou mais geralmente qualquer objecto idealizado. Existem os que afirmam que a informação é física [9] reclamando que existe sempre algum suporte material e energético nos processos informativos, mas já Saussure, um século antes, tinha feito a distinção entre significante e significado [10], e se o primeiro é de ordem física e suporta o segundo, este é de ordem mental e não é redutível ao primeiro, aspecto que releva do quadro de uma dualidade interna de todas as ciências que operam sobre valores. Para Saussure a língua é forma, não é uma substância.

Também Eco nos lembra que a informação da mensagem não se confunde com a informação na fonte, esta era informação física, computável quantitativamente, e aquela é informação semiológica, não computável quantitativamente, mas definível através da série de significados que pode gerar, uma vez posta em contacto com os códigos. Recorde-se que o código [11] é um sistema de signos que, por convenção e de acordo com regras pré-fixadas, está destinado a representar e transmitir a informação entre emissor e receptor.

Na geometria fractal existe o conceito de dimensão de informação [12], um número real, que mede a variação de informação no comportamento dinâmico de um sistema caótico. A dinâmica simbólica é usada para analisar a dinâmica de funções e uma função diz-se caótica se manifesta dependência sensível das condições iniciais [13], podendo ser fortemente caótica se além de ser caótica tiver um conjunto denso de pontos períodicos e transitividade. Uma aplicação do espaço de fase para o espaço dos símbolos é designada por dinâmica simbólica [14] e consequentemente o caos pode ser visto como um gerador de símbolos se se provir um código no espaço de fase [15]. No entanto, Mandelbrot recordava-nos que quando a medida de complexidade de um conjunto é obtida pelo menor comprimento do (melhor) algoritmo disponível num dado alfabeto se conclui que uma curva fractal imbrincada é mais simples do que um círculo [16].

Acontecimento

O espaço onde podemos comunicar reporta-se ao domínio no qual os sujeitos de uma cultura experimentam a significação [17]: semiosfera, e admitimos aqui que o campo próprio para falar do tempo é metafísico podendo proporcionar incursões físicas, biológicas ou matemáticas. Metafísica e ciência partilham do objectivo de explicar a natureza fundamental do mundo [18], mas enquanto que a segunda procede empiricamente ou a posteriori a primeira procede a priori, e assim distinguem-se no método. Ainda temos os planos poético e filosófico se quisermos abranger outras dimensões da semiosfera: Kierkegaard definia o instante como o ponto onde o tempo e a eternidade se tocam [19].

O acontecimento é a manifestação do tempo. Zilberberg [20] define três modos a propósito do acontecimento: o modo de eficiência, que articula o sobrevir e o conseguir; o modo de existência, que articula a focalização projectiva e a apreensão retrospectiva; e o modo de junção, que articula a concessão e a implicação.

Os acontecimentos revelam-se em formas. É assim na biologia, onde dominam as hélices e espirais nos moluscos ou nas árvores [21], ou na mineralogia onde surgem os sólidos e as malhas cristalinas de silex.

A evolução das formas designa-se por metamorfose. Na descrição matemática das metamorfoses o tempo é geralmente representado por uma variável real: um número unidimensional que percorre um conjunto ordenado que incorpora os números racionais e os irracionais, numa amplitude, ou extensão, que vai desde menos infinito a mais infinito no caso mais lato, em intervalos aí contidos. Essa variável, o mais das vezes designada pela letra t, parametriza coordenadas através de funções enquanto percorre intervalos reais. Neste exemplo de espirais [22] temos uma convolução de curvas parametrizadas por uma variável real.

Pode-se admitir a hipótese de t tomar valores negativos; a existência de números negativos em matemática foi um problema que demorou muito tempo a ser resolvido; apareciam nos cálculos como contrapartida algébrica necessária para garantir a consistência das operações e obter um resultado, mas não lhes era reconhecido estatuto de números na cultura ocidental, antes eram considerados artefactos operatórios.

Tal derivava da tradição grega do problema da medida, onde as áreas ou comprimentos tinham existência física, portanto positiva, sendo os números negativos considerados como representantes de objectos impossíveis. Ainda mais impossível aparecia o cálculo da raiz quadrada de menos 1, a unidade imaginária [23], pois não há número real que satisfaça essa operação, e no entanto a sua existência impôs-se por exemplo no cálculo de uma raiz cúbica real [24], justificando a afirmação de que por vezes o caminho entre duas verdades no campo real passa pelo plano complexo.

Gauss escrevia em 1831: tivessem sido +1, -1 e Monografias.comdesignados unidade directa, inversa e lateral, ao invés de unidade positiva, negativa e imaginária, e não teria subsistido tanta obscuridade no assunto [25]. Já em 1806 o abade francês Buée tinha publicado um extenso artigo onde concluía que Monografias.comera o signo da perpendicularidade, e formulou o tempo como expresso através daquela entidade.

Coexistem duas dimensões de tempo, o tempo sagrado e o tempo profano, que relevam da dicotomia clássica kairos/chronos. A representação simultânea das duas dimensões - se associarmos valores de absoluto a tempo sagrado e valores de universo a tempo profano -, cai no quadro daquilo que Fontanille e Zilberberg designaram por sintaxe tensiva [26]: um esquema com duas dimensões onde a sua conjugação constitui o facto tensivo resultante.

O tempo solar é simplesmente cíclico: nunca exactamente iguais, as estações e os dias que se repetem são sempre semelhantes aos dos anos passados. A fita de Möbius, descrita em 1858, é uma boa figura de suporte de um tempo que regressa ao longo de uma espiral, numa superfície não orientável [27], com fronteira, em que se percorre os dois lados para descobrir que é um só.

Monografias.com

fita de Möbius, Wikipedia

Deleuze [28] recorda-nos que a superfície é o lugar do sentido: os signos permanecem desprovidos de sentido enquanto não entram na organização de superfície que assegura a ressonância de duas séries.

Conclusão

Wilson [29] define consiliência como concordância de duas séries de observações provindas de fontes diversas, e estabelece como objectivo maior da mente humana conectar as ciências com as humanidades. A confrontação de séries provindas de duas ordens de valorização do tempo: sagrada e profana, seja a propósito de histórias mitológicas de árvores ou outras, enquadra-se nesse objectivo de pesquisar concordância entre ciências e humanidades; dispositivos que parecem apropriados para sopesar o tema são os esquemas tensivos, onde poderá haver vantagem em considerar um eixo real e outro imaginário, portanto o plano complexo, ao invés do plano real, ou ainda na relação entre os dois.

Referências

[1] Mircea Eliade. 1957. O Sagrado e o Profano – a essência das religiões. Martins Fontes, São Paulo, 2001.

[2] Jacques Brosse. 1989. Mythologie des Arbres. Librairie, Plon, Paris.

[3] http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0477

[4] Umberto Eco. (1968), 2001. A Estrutura Ausente. Editora Perspectiva SA, São Paulo, 2007.

[5] Ilya Prigogine. 1988. O Nascimento do Tempo. Edições 70, Lisboa, 1990.

[6] Thomas S. Kuhn. 1977. A Tensão Essencial. Edições 70 Lda, Lisboa, 1989.

[7] Raphael Zillig . 2007. Sobre os múltiplos sentidos de substância: Nota acerca de Metafísica Z3, 1028b33-34. Journal of Ancient Philosophy Vol. I 2007 Issue 1 pp:1-14. http://www.filosofiaantiga.com/documents/Zillig-nota-2007-1.pdf

[8] Brian Ellis. 2006. Physical Realism. Metaphysics in Science (ed: A. Drewery). Blackwell Publishing, pp: 1-13

[9] Dénes Petz. 2008. Quantum Information Theory and Quantum Statistics. Springer-Verlag.

[10] Ferdinand de Saussure. 1916 (1971). Curso de Linguística Geral. Publicações Dom Quixote, Lda., Lisboa, 1999.

[11] Miquel R. Alsina. (1989) 1995. Los Modelos de la Comunicación. Editorial Tecnos, S.A., Madrid.

[12] Manfred Schroeder. 1991. Fractals, Chaos, Power Laws. W. H. Freeman and Company, New York.

[13] Denny Gulick. 1992. Encounter with Caos. McGraw-Hill, Inc., New York.

[14] Christian Beck e Friedrich Schlögl. 1993. Thermodynamics of chaotic systems – an introduction. Cambridge University Press, Cambridge, 1995.

[15] Kunihico Kaneco e Ichiro Tsuda. 2001. Complex Systems: Chaos and Beyond. Springer-Verlag, Berlin.

[16] Benoit B. Mandelbrot. 1983. The Fractal Geometry of Nature. W. H. Freeman and Company, New York.

[17] Jacques Fontanille. 2003. Semiótica do Discurso. Editora Contexto, São Paulo, 2007.

[18] Alice Drewery. 2006. Introduction in Metaphysics in Science (ed: A. Drewery). Blackwell Publishing, pp: vi-xiv.

[19] Ernani Reichman. 1981. O Instante – texto e notas. Editora Pedagógica e Universitária Lda, Curitiba.

[20] Claude Zilberberg. 2007. Louvando o acontecimento. Revista Galáxia, São Paulo, n. 13, p. 13-28, http://200.144.189.42/ojs/index.php/galaxia/article/view/5619/5112

[21] Theodore Andrea Cook. 1914. The Curves of Life. Dover Publications Inc., NY, 1979.

[22] http://www.interact.com.pt/interact2/casq1.html

[23] http://en.wikipedia.org/wiki/Imaginary_unit

[24] Bento de Jesus Caraça. 1946. Conceitos Fundamentais da Matemática. Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1984.

[25] Paul J. Nahin. 2007. An Imaginary Tale – the story of Monografias.comPrinceton University Press, New Jersey.

[26] http://mathworld.wolfram.com/MoebiusStrip.html

[27] Jacques Fontanille e Claude Zilberberg. 1998. Tensão e Significação. Discurso Editorial, São Paulo, 2001.

[28] Giles Deleuze. (1969), 1998. Lógica do Sentido. Editora Perspectiva SA, São Paulo, 2006.

[29] Edward O. Wilson. 1998. Consilience. La Unidad del Conocimiento. Galaxia Gutenberg, Barcelona, 1999.

 

 

Autor:

José Pinto Casquilho

josecasquilho[arroba]gmail.com

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