Karl Marx contribuiu decisivamente para o progresso do debate sobre a relação entre economia e natureza, ao interpretar a acumulação capitalista através das suas contradições sociais, ao contrário da concepção clássica liberal, baseada restritamente nas limitações naturais. De acordo com as análises de Marx, a continuidade do modo de produção capitalista, orientado, prioritariamente, pela maximização dos lucros, conduz, tendencialmente, a uma crescente exploração, alienação e expropriação da força de trabalho, por um lado, e, por outro, à deteriorização da base de produção econômica, da fonte da riqueza, ou seja, da natureza.
Como esse debate evoluiu no decorrer dos tempos? Qual é a atualidade do pensamento marxiano diante da crise ecológica mundial? É essa a abordagem do presente texto, que se insere no debate teórico e político da obra de Marx e do marxismo contemporâneo.
Ao contrário dos liberais, Marx não concebe a natureza como fonte ilimitada de matérias-primas e nem como recurso gratuito. A natureza não gera valor de troca, porém, ela é a fonte do valor de uso (MARX, 1983a: 58; 1962: 51). Para Marx, os seres humanos e a natureza se encontram numa relação de reciprocidade, conforme descrição nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844:
O ser humano vive da natureza significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele precisa estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza (MARX, 1968: 516) 1.
Uma compreensão semelhante foi publicada por Engels, em 1876, em seu famoso texto O papel do trabalho na transformação do macaco em homem, alertando para a importância da observância racional das leis da natureza:
E assim nós somos lembrados a cada passo que, de forma alguma, dominamos a natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém que se encontra fora da natureza. Nós dependemos dela com carne, sangue e cérebro, estamos situados dentro dela e toda nossa dominação sobre ela, com a vantagem diante de todas outras criaturas, consiste em podermos conhecer suas leis e usá-las de forma adequada (ENGELS, 1973: 453).
Entretanto, a interação entre o ser humano e a natureza é definida pelas relações de produção vigentes na sociedade. Portanto, para compreender profundamente a complexidade da destruição ambiental é necessário analisar suas condições históricas e sociais. No modo de produção capitalista tudo tende a ser transformado em mercadoria e o produtivismo é a tendência predominante. Não é o valor de uso ou a utilidade de um produto ou serviço que tem prioridade e sim seu valor de troca, como aspecto formal e quantitativo. A mercadoria precisa ser comercializada o mais rápido possível para concretizar o processo de geração de mais-valia e lucro nela existente. Não são as necessidades, mas a capacidade de pagamento que decide sobre o acesso a produtos, serviços e meios de produção.
Os interesses do lucro definem de maneira decisiva as inovações técnicas, as condições de produção, a qualidade dos produtos assim como sua sustentabilidade ecológica e social. Ao contrário do que afirmam os apologistas da economia de mercado, os interesses de lucro não garantem uma ciência fundamentada na sustentabilidade social e ambiental, nenhum desenvolvimento e nenhuma introdução de produtos orientada na sua reutilização, controle e reparação. Na economia de mercado capitalista a interação entre ser humano e natureza tende a ser eliminada e reduzida à relação de dinheiro, isto é, à pressão do mercado por um constante aumento da produção de mercadorias, que domina a ordem social em prejuízo do ser humano e da natureza.
Através da sua dinâmica produtivista (a lógica quantitativa como elemento constitutivo da produção de mercadorias) o capitalismo é claramente incapaz de uma utilização sustentável e duradoura de recursos e energias e de uma manutenção do equilíbrio ecológico (DIERKES, 1998: 6).
Através da predominância da troca de mercadorias e do lucro, as relações dos seres humanos entre si e com a natureza passam a ser monetarizadas. Uma outra conseqüência resultante disso é a particular combinação de uma racionalidade parcial (uma racionalidade instrumental baseada no mercado) e uma irracionalidade global (MANDEL, 1992). A lógica limitada da maximização dos lucros e o produtivismo dela resultante evidenciam que a idéia de um "capitalismo sustentável" orientado no mercado é ilusória.
Produção limpa e produção verde somente podem ter uma existência em forma de nichos, mas não influenciar o sistema como um todo. Capitalismo sem produção material generalizada e crescente de mercadorias é impossível. Por isso, sob suas condições, não haverá a tão prometida "reconciliação entre economia e ecologia" (DIERKES, 1998: 7).
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