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Nesta nota encontramos três níveis de significação para o termo informação: (1) "um testemunho dado em particular", que juntamente com "um estado de conhecimento que pode variar da ignirância total de tudo, exceto do significado das palavras, até a onisciência" (CP 4.65) nos remete à relação entre informação e conhecimento, em que a primeira é tomada como um estado do segundo; (2) o significado metafísico – ou ontológico – em que informação significa a conexão em matéria e forma e (3) o significado em lógica, no qual informação é a medida da predicação.
Em relação às categorias, a associação entre informação e conhecimento, constante do primeiro nível de significação acima, nos leva a pensar que a informação tem origem na terceira categoria: a categoria fenomenológica da representação, do pensamento, do aprendizado; a categoria metafísica da lei. Sem dúvida podemos facilmente identificar a presença da informação em todas estas instâncias da terceridade. Não é possível haver aprendizado sem informação, do mesmo modo que, quando pensamos, estamos obviamente elaborando informação. As ciências da cognição mostram isso. Mas em que medida a informação pode estar associada à lei? Qual a relação entre informação e a terceiridade metafísica?
Aqui é preciso lembrar que, para Peirce, uma lei é um hábito cristalizado do universo, uma tendência que se tornou completamente rígida, deixando pouca possibilidade para a interferência do acaso. As leis são resultado de um processo evolucionário; elas têm origem em estados caóticos, que em algum momento tornam-se uma tendência aleatória. Essa tendência aleatória torna-se um hábito; o hábito cristaliza-se e se transforma em lei. Por sua generalidade e idealidade, por apresentarem a mesma natureza do pensamento, as leis se inscrevem na terceira categoria como a mediação que ordena os fatos particulares.
A lei tem estatuto metafísico porque representa a estrutura do mundo. Só é possível conhecer o mundo porque existem regularidades, porque existem repetições, porque existem leis. O que não apresenta regularidade não pode ser representado, não pode ser pensado, não pode ser conhecido. E da mesma forma que a informação é um estado do conhecimento, do mesmo modo que não existe conhecimento sem informação, nós somente sabemos que existe lei porque temos uma informação que se repete regularmente, caracterizando a lei. Destarte, todas as atividades da terceira categoria, sejam elas atividades da mente humana ou da natureza, pressupõem a presença da informação. Mas a presença da informação na terceira categoria, contudo, não nos assegura que ela aí tem origem.
Bem, se a informação não tem origem na terceira categoria, então ela deve certamente pertencer à secundidade. Vejamos a pista oferecida por Peirce:
O primeiro é pensado em termos de sua capacitação como mera possibilidade; isto é, mera possibilidade de pensamento, ou uma idéia meramente vaga. O segundo é pensado como desempenhando o papel de segundidade, ou evento. Quer dizer, ele é da natureza geral da experiência ou informação. O terceiro é pensado em seu papel de governante da segundidade. Ele traz a informação para a mente, ou determina a idéia e a ela dá corpo. O terceiro está informando pensamento ou cognição. (CP 1.537).
O que significa dizer que "o segundo... é da natureza da experiência ou informação"? Ora, sabemos que na tríade das categorias, o segundo – a secundidade – relaciona-se à resistência, à ação e reação, à existência e à consciência do outro... da existência do objeto real! É na segunda categoria que, de um espectro de possibilidades (primeiridade) uma delas é destilada, passando então a existir (secundidade). Ocorre que somente com a existência do objeto, e simultaneamente a ela, temos informação. E aqui independe de estarmos falando da existência de objetos da natureza, do mundo, do real; ou da existência de objetos da mente ou da imaginação.
Por outro lado, a informação é inseparável da experiência; a experiência que temos do fenômeno. Assim, o surgimento da consciência do (sobre o) fenômeno, que se dá na secundidade, é também a consciência da informação. Informação que vem de onde? Vem da existência do real. Aqui é preciso lembrar que a Metafísica vai indagar sobre como o real é, a partir de como o fenômeno aparece. Assim, sabemos que o real existe (secundidade metafísica) porque temos informação sobre ele (secundidade fenomenológica).
Isso nos permite concluir que, à luz da CP 2.418n, informação é o elo de ligação entre o fenômeno e o real, ou, nas palavras de Peirce, a conexão entre a forma e a matéria. É através da informação que o real existente (matéria) circula pelo mundo da sensação e da percepção, o mundo do fenômeno (forma). Eis aqui o estatuto ontológico da informação.
E isso nos permite afirmar, também, que a informação não é puramente "artificial", "subjetiva", "mental". Quando assim entendemos a informação, é porque a estamos pensando apenas em relação ao conhecimento, ao pensamento, ao aprendizado. Quando meditamos sobre o caráter subjetivo da informação, nós a estamos pensando apenas na âmbito da terceiridade, e no mais das vezes sem levar em consideração a sua origem na secundidade, o seu fundamento na existência.
Mas o nosso objetivo aqui é pensar a relação entre o ícone, o signo relacionado à primeiridade, e a informação. Para tanto devemos indagar, ainda, como se dá a manifestação da informação na primeira categoria peirceana.
É possível imaginar que a informação esteja presente já na primeiridade, uma vez que a primeiridade fenomenológica está associada à qualidade. Uma qualidade, no sentido aristotélico do termo, pode muito facilmente ser associada a uma informação. Mas aqui estaríamos cometendo um equívoco, porque o sentido em que Aristóteles emprega o termo qualidade difere em muito da "qualidade de sentimento" que corresponde à primeiridade de Peirce. Uma qualidade é informação somente no sentido em que nós podemos dizer "esta rosa é vermelha" ou "aquela bola é oval". Aqui, "vermelho" e "oval" são qualidades do objeto, bem como informações sobre o objeto. Mas nesse caso uma qualidade que é informação implica, fundamentalmente, na existência de um objeto ao qual esta qualidade se refere. E se temos consciência da existência deste objeto, deste "outro", já não mais nos encontramos na esfera da primeiridade.
Além disso, em Metafísica, a primeiridade está relacionada ao acaso. Para Peirce, o acaso manifesta-se na forma de variedade, diversidade, mera possibilidade. Sua principal característica é a liberdade, a espontaneidade. A primeiridade metafísica é, portanto, o acaso entendido como princípio de liberdade presente na natureza, como uma propriedade que se manifesta no mundo na forma de assimetria, diversidade, variedade.
Uma vez que a primeira categoria ontológica diz respeito ao mero poder-ser, àquele estágio em que ainda não manifestou-se a existência, mas apenas em potencialidade para vir-a-ser, então não podemos afirmar a existência de informação no âmbito da primeiridade. No domínio da primeiridade a informação se configura unicamente como mera possibilidade, manifesta tão somente como probabilidade de ocorrência.
Mas voltando à CP 1.537, vimos ainda que a informação comparece na terceiridade através de um "terceiro" que a leva para a mente, um terceiro que está informando pensamento ou cognição. Isso nos oferece a oportunidade para indagarmos sobre os mecanismos existentes entre informação, mediação e representação. Para tanto, a primeira coisa a ser feita é deixar bastante claro que mediação não se confunde com informação. O "terceiro" de que Peirce fala acima é a mediação, porque o filósofo está discorrendo acerca da semiose, ou ação do signo. E aqui devemos lembrar que mediação é o papel do signo. Façamos então algumas observações sobre isso.
Tendo a Teoria dos Signos em perspectiva, nós podemos inferir sobre a mediação que, sob o ponto de vista das categorias ontológicas, o seu "segundo", o objeto, é da natureza da secundidade e, portanto, da mesma natureza do existente. Assim, podemos inferir que o signo faz a mediação entre um segundo, que em termos da secundidade ontológica é um existente, e um terceiro, que é uma mente interpretante.
Apenas para não causar futuras confusões, lembramos que, na Teoria dos Signos, o signo é o primeiro, o objeto é o segundo e o interpretante é o terceiro. Mas aqui estamos ainda pensando a terceiridade, a semiose, a ação do signo em termos ontológicos. Neste contexto, a CP 1.537 nos permite inferir que, no processo de mediação, uma mente interpretante obtém informação sobre um segundo, o existente que "aparece" mediante a experiência – o fenômeno, portanto. O "terceiro", de que fala Peirce nesta CP 1.537, que é o "governante da secundidade", que "traz informação para a mente, determina a idéia e a ela dá corpo" é o signo.
Vemos assim que o pensamento filosófico de C.S. Peirce nos permite formular a hipótese de que o signo carrega informação. Mas é preciso verificar isso melhor, começando por colocar em perspectiva que, sob o ponto de vista da Teoria dos Signos, o signo "representa" o objeto. Podemos então perguntar: sob o ponto de vista estritamente lógico da citação de Peirce que ora analisamos, o que permite que o signo "represente" o objeto, senão a informação sobre o segundo que ele carrega? Já dissemos que informação é inalienável da existência do segundo, assim como da experiência que temos dele.
A nossa hipótese é a de que o signo carrega a informação, e é precisamente o fato de carregar informação sobre o existente que "aparece", que se dá à experiência, que permite ao signo representar o seu objeto.
A noção peirceana de signo consiste na relação triádica signo-objeto-interpretante, onde o primeiro elemento da tríade – o signo –, comparece como mediador entre o segundo – o objeto – e o terceiro – o interpretante. É importante observar que a tríade semiótica envolve dois tipos de relações: determinação e representação, sendo que as relações de representação estão submetidas às relações de determinação. Isso significa que a representação somente ocorre em função da determinação e, em vista disso, a representação constitui uma face de algo maior, que é a mediação.
Convém assinalar que, de acordo com Lúcia Santaella (2000:25), a noção de determinação em Peirce corresponde à noção de predicação. Destarte, uma vez que determinação e predicação podem ser entendidos como sinônimos em se tratando das relações existentes na tríade semiótica, então, à luz da CP 2.418n, nós podemos associar a determinação do objeto sobre o signo à informação. Mas vamos com calma.
Nas palavras de Lúcia Santaella (1996:226): "o signo determina o interpretante e, ao determiná-lo, o signo transfere ao interpretante a tarefa de representar o objeto pela mediação do signo." Sabemos que o signo determina o interpretante, mas ele mesmo é determinado pelo objeto. Esta é a primazia real do objeto sobre o signo. Mas se, como afirma Santaella, o signo ao determinar o interpretante transfere para ele a tarefa de representar o objeto, nós podemos também afirmar que, ao determinar o signo, o objeto transfere para o signo a tarefa de representa-lo. Então, o signo representa o objeto porque sofre uma relação de determinação por parte deste objeto.
Resta agora lembrar que a relação de determinação é o processo causal onde as qualidades de um elemento são especificadas, transferidas ou imprimidas pela ação de outro elemento. É importante não esquecer também que aqui estamos falando de causação lógica, mas que esta determinação pode também ser da ordem de uma ação física, como no caso do índice.
Bem, e o que seriam estas "qualidades de um elemento" transferidas para outro pela ação da determinação, ou pela predicação, senão a informação? A informação constitui-se, portanto, como aquilo que é transferido de um elemento para outro, por meio da determinação ou causação lógica. Por outras palavras, podemos dizer que as relações de determinação existentes entre o objeto e o signo, e entre o signo e o interpretante, indicam um processo causal onde as qualidades de um elemento (objeto) são especificadas, transferidas ou imprimidas pela ação de um outro elemento (signo). Se observarmos que estas relações de determinação equivalem à informação, então teremos que o objeto determina o signo, isto é, transfere ou imprime informações no signo que, por sua vez, determinam, ou são transferidas, para o interpretante. E o fato de ter recebido informações do signo, e este do objeto, permite que ambos, signo e interpretante, representem o objeto.
Isso nos leva a um aspecto importante que convém assinalar: uma vez que as relações de determinação no interior do signo dizem respeito ao fluxo da informação, e este fluxo segue do objeto para o signo, e do signo para o interpretante, temos que, em relação ao seu fluxo, a informação é o elo de vinculação entre o real (objeto) e o fenômeno (signo).
Mas dissemos também que o signo "carrega" informação sobre o objeto. Cumpre então verificar em que medida isso é possível e, para tanto, é preciso voltar nossa atenção para o segundo elemento da tríade semiótica: o objeto.
Sabemos que, na tríade genuína, tanto o interpretante quanto o objeto são, também eles, de natureza sígnica. Vejamos, então, em que medida isso ocorre com o segundo elemento da tríade, começando por observar algumas citações em que Peirce faz a distinção entre dois tipos de objetos:
Agora acho-me preparado para fornecer minha divisão dos signos, após assinalar que um signo tem dois objetos, o objeto tal como está representado e o objeto em si próprio. (CP 8.333).
O objeto tem plenamente duas faces. O Objeto Dinâmico é o Objeto Real (...) O Objeto Imediato é o Objeto representado no Signo (MS 339D, p.533) (apud SANTAELLA, 2000:38)
Resta observar que normalmente há dois tipos de Objetos (...). Isto é, temos de distinguir o Objeto Imediato, que é o Objeto tal como o próprio Signo o representa, e cujo Ser depende assim de sua representação no Signo, e o Objeto Dinâmico, que é a Realidade que, de alguma forma, realiza a atribuição do Signo à sua Representação. (CP 4.536).
Existe, portanto, um objeto dentro do signo, chamado Objeto Imediato, e um objeto fora do signo, que é o Objeto Dinâmico. O objeto imediato é um signo que representa o objeto dinâmico, isto é, o objeto tal como o signo permite que o conheçamos. Santaella (2000:40) explica que "a noção de objeto imediato é introduzida por Peirce para demonstrar a impossibilidade de acesso direto ao objeto dinâmico do signo. O objeto dinâmico é inevitavelmente mediado pelo objeto imediato, que já é sempre de natureza sígnica." O objeto dinâmico "provoca" o signo, que é determinado "de alguma forma" ou por alguma correspondência com esse objeto. Ainda de acordo com Santaella (2000: 40):
a primeira representação mental (e, portanto, já signo) dessa correspondência, ou seja, a primeira representação mental daquilo que o signo indica é denominada "objeto imediato". Este objeto (representação mental) produz triadicamente o efeito pretendido do signo (isto é, seu interpretante) através de um outro signo mental. Essa natureza triádica da ação é essencial para que o signo funcione como tal.
A principal divisão de signos elaborada por Peirce é a sua classificação em ícones, índices e símbolos. Essa classificação foi elaborada a partir dos tipos de relação que o signo mantém com o seu objeto dinâmico. A divisão dos objetos do signo em Dinâmico e Imediato mostra que com o objeto dinâmico Peirce identificou aquilo que está fora da cadeia sígnica, aquilo que algumas vezes ele chamou de "Real" ou "Realidade", mas que pode ser também fictício. E diante da pergunta "em que medida esse objeto – que está fora – participa do processo sígnico?", Santaella (2000:46) lembra que "De acordo com Peirce, o fato do objeto dinâmico ser mediado pelo objeto imediato não o leva a perder o poder de exercer uma influência sobre o signo, uma vez que o signo só funciona como tal porque é determinado pelo objeto dinâmico." E assim estamos novamente diante das relações de determinação e representação, desta vez presentes entre o objeto dinâmico e o objeto imediato.
Em síntese, podemos observar que na tríade signo-objeto-interpretante, as relações de determinação equivalem ao fluxo de informação (seta cheia) que permite que se estabeleçam as relações de representação (seta tracejada). Em esquema teremos:
Objeto Dinâmico
Já dissemos que somente podemos conhecer o real (objeto dinâmico) tal como representado pelo signo. Já dissemos, também, que essa representação somente é possível porque temos informação sobre o real. E aqui verificamos por qual mecanismo o signo carrega a informação dentro de si. A informação que se "desprende" do objeto dinâmico constitui o objeto imediato do signo. Por outras palavras, o objeto imediato, em sua relação de determinação, é a informação. É dessa forma que o signo "carrega" a informação. É dessa forma que, como diria Santaella, a informação é um ingrediente do signo[2]
Mas é preciso perguntar, ainda, como algo que está fora da cadeia sígnica (o objeto dinâmico) pode adentrar este processo, que é um processo lógico. Por outras palavras, por que caminhos a informação pode fluir do objeto dinâmico para o objeto imediato? A resposta, como não poderia deixar de ser, está na percepção[3]
Por ser "um signo cuja qualidade significante provém meramente da sua qualidade" (CP 2.92), o ícone inscreve-se na primeiridade. Por serem signos de primeiridade, a categoria lógica onde a informação é ainda apenas uma possibilidade, os ícones puros não podem veicular informação. Em vista disso, este tipo de signo não é comunicável, não operando, portanto, na realidade semiótica cotidiana.
Na realidade cotidiana operam os hipo-ícones, signos que participam da secundidade e da terceiridade. Um hipo-ícone é definido em relação à semelhança entre o Representamen – o signo em si – e o objeto. Os exemplos mais comuns de hipo-ícones são pinturas, fotografias, metáforas, diagramas e gráficos. É importante assinalar que também os hipo-ícones não podem transmitir informação. Contudo, uma vez que neles a informação é possibilidade, deles "se pode derivar informação". (CP 2.310)
Mas vale perguntar: em que medida um ícone puro é um signo? Winfried Nöth (1995:80) explica que este tipo de ícone serve "como signo pelo fato de ter uma qualidade que o faz significar". Em vista disso, o ícone puro pode apenas constituir "um fragmento de um signo mais completo." Mas vejamos o que Peirce nos coloca a respeito do papel dos ícones na obtenção de informações:
De fato, verificamos que os Ícones podem ser do maior auxílio na obtenção de informação – em geometria por exemplo – porém ainda assim é verdade que um Ícone não pode, por si mesmo, veicular informação, uma vez que seu Objeto é tudo aquilo que é semelhante ao Ícone, e é seu Objeto na medida em que é semelhante ao Ícone. (CP 2.314).
Por não alcançar a segunda categoria, o ícone não tem existência em relação ao seu objeto. O seu objeto é tudo aquilo que a ele é semelhante. Em vista disso, a sua informação é apenas possibilidade; possibilidade que é aplicável a múltiplos objetos, mas que não se apresenta realizada em nenhum objeto. Destarte, "um ícone é estritamente uma possibilidade envolvendo uma possibilidade, e assim, a possibilidade de ele ser representado como uma possibilidade é a possibilidade da possibilidade envolvida." (CP 2.311)
Observemos que, para Peirce, "os Ícones podem ser do maior auxílio na obtenção de informações – em geometria, por exemplo". Assim, se por um lado os ícones não podem transmitir informação, por outro lado eles podem nos auxiliar a obtê-las. Isso é fácil justificar, uma vez que no ícone as informações encontram-se em estado de "potência", de possibilidade. Santaella explica que Peirce dá enorme importância aos ícones no raciocínio lógico e matemático, e cita:
Um Ícone puro não pode fornecer nenhuma informação factual ou positiva, visto que ele não fornece nenhuma segurança de que há tal coisa na natureza. Mas ele é do maior valor para capacitar seu intérprete a estudar qual seria o caráter de um tal objeto no caso de que ele realmente existisse. (CP 4.447).
Ora, com o que trabalha a ciência avançada hoje, senão com modelos matemáticos de objetos reais? E qual o objetivo da construção destes modelos, senão "capacitar seu interprete a estudar qual seria o caráter de um tal objeto(s) no caso de que ele(s) realmente existisse(m)"? A ciência de ponta, tais como Teoria do Caos, Teoria dos Sistemas Dinâmicos, Teoria das Partículas Quânticas, dentre tantas outras, trabalham com modelos matemáticos, a partir dos quais tecem afirmações sobre os objetos e os fenômenos da natureza. Essas ciências trabalham em primeira instância, portanto, no âmbito do ícone puro. E o que Peirce está nos dizendo é que, apesar dos signos aqui empregado não nos oferecerem informações factuais sobre os objetos da natureza, estes signos – os ícones puros – nos possibilitam estudar a natureza destes objetos.
Peirce assegura que "O valor de um Ícone consiste no fato dele exibir os caracteres de um estado de coisas como se elas fossem puramente imaginárias." (CP 4.448) Para compreender como isso ocorre, vejamos em que medida um fenômeno semiótico poderia aproximar-se de um ícone puro. Peirce apresenta o seguinte exemplo:
Ao contemplar uma pintura, há um momento em que perdemos a consciência do fato de que ela não é a coisa. A distinção do real e da cópia desaparece e por alguns momentos é puro sonho; não é qualquer existência particular e ainda não é existência geral. Nesse momento, estamos contemplando um ícone. (CP 3.362).
O belo exemplo de Peirce nos permite perceber que a experiência fenomênica do ícone se dá num breve momento em que o signo e o objeto tornam-se um, ou seja, num breve momento em que o fenômeno e o real se confundem. O ícone puro representa aquela instância em que não existe separação entre signo e objeto. E se não existe separação entre signo e objeto, então não existe informação entre eles, uma vez que ambos são uma única coisa.
Mas resta ainda uma observação a ser feita, acerca da relação entre informação e iconicidade: o fato de que a mera possibilidade de informação presente no ícone comparece como ingrediente qualitativo do símbolo. Isso ocorre porque, por trazer em si a possibilidade da informação, o ícone carrega a potência tanto para a concreção que se verifica no índice, como para a atualização que se realiza no símbolo.
Lúcia Santaella explica que o símbolo pode ser analisado em suas partes sígnicas constituintes. A parte-índice é o conector do signo geral com a experiência particular. A parte-ícone é o responsável pela significação, uma vez que sem a "imagem" fornecida pelo ícone o símbolo não pode significar. Ocorre que a parte-ícone do símbolo é um ícone de natureza muito especial. Enquanto a parte-símbolo, que Peirce chamou de conceito, corresponde ao sentido ou hábito do símbolo, a parte-ícone corresponde a uma idéia geral. A função da parte-ícone é justamente atualizar o hábito correspondente à parte-símbolo, e desta forma produzir a significação.
Mas se nós perguntarmos por que a parte-ícone tem este poder de atualizar o sentido, a idéia, ou conceito, a resposta não poderá ser outra senão a possibilidade de informação que ela carrega. Ora, como a parte-ícone poderia atualizar o hábito, a não ser pelo fato dela ter em si informação na forma de mera possibilidade? A cada atualização do hábito ou idéia ou sentido correspondente à parte-símbolo o que temos é a conversão de uma possibilidade – presente na parte-ícone – em informação.
"O símbolo é um signo em transformação nos interpretantes que ele gerará, no longo caminho do tempo", escreve Santaella (2000:137). É o mecanismo de atualização da parte-símbolo, que converte possibilidade em informação, que permite que o interpretante do símbolo se atualize em réplicas, e realize a sua aptidão para a mudança. É em virtude desta plasticidade, resultante de sua iconicidade, que por sua vez remonta à atualização da informação, que os símbolos estão sempre crescendo.
IBRI, Ivo A. Kósmos Noëtós: a arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo: Perspectiva, 1992.
MERREL, Floyd. Signs grow: semiosis and life processes. Toronto: University of Toronto Press, 1996.
MERTZ, E.; PARMENTIER, R. J. Semiotic mediation: sociocultural and psychological perspectives. Orlando: Academic Press, 1985.
NÖTH, Winfried. Handbook of semiotics. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1995.
_____. Panorama da semiótica de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.
PEIRCE, Charles S. The Collected Papers of Charles Sanders Peirce, v. I – VIII, electronic edition. S.l., InteLex Co; Harvard University Press, 1994.
SANTAELLA, Lúcia. A assinatura das coisas. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
_____. A percepção: uma teoria semiótica. São Paulo: Experimento, 1993.
_____. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996.
_____. A teoria geral dos signos – semiose e autogeração, São Paulo: Pioneira, 2000.
Originais recebidos em: 15/06/2006.
Autor:
Solange Silva Moreira
Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, onde defendeu a tese "As cores do camaleão: fundamentos para uma teoria sígnica da informação". Leciona as disciplinas Teoria Geral de Sistemas e Teoria da Informação e da Comunicação nos cursos Comunicação e Multimeios e Tecnologia em Mídias Digitais da PUC-SP..
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[1] Lembramos que, utilizando os princípios da Lógica, a Metafísica encarrega-se de estudar o real, na medida em que este pode ser investigado a partir da experiência. Uma vez que toda experiência que temos do real está submetida ao aspecto fenomênico, ela está também submetida á primazia do signo. Daí temos que, em termos peirceanos, nós somente podemos ter acesso ao "semioticamente real", expressão empregada por Floyd Merrel (1996) para designar o domínio do real que somente podemos acessar em suas leis sígnicas.
[2] é preciso dizer que Lúcia Santaella empregou essa expressão durante o exame para qualificação de minha tese de doutoramento, em que trato dos fundamentos de uma teoria sígnica da informação, antecipando assim a conclusão de que, dentro da tríade semiótica, a informação compõe o objeto imediato do signo.
[3] As diferentes doutrinas e teorias encontram-se fortemente conectadas no pensamento arquitetônico de Charles Sanders Peirce. Tendo em vista os limites deste artigo, não abordaremos a relação entre percepção e informação, mas deixaremos apenas assinalado que a questão da percepção está "diretamente atada á teoria dos signos e, por extensão, á teoria sígnica do conhecimento." (SANTAELLA, 2000:46). Uma vez que a informação é inseparável da percepção, esta vinculação entre a teoria da percepção e a teoria dos signos vem confirmar, mais uma vez, a inclusão da idéia de informação na tríade semiótica. Para o leitor interessado em maiores detalhes recomendamos o livro A percepção, de Lúcia Santaella.
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