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O subjectivismo admite, de um modo geral, a coexistência de múltiplas verdades que se contradizem entre si, ainda que, a maioria dos subjectivistas sustente que «a minha verdade é a mais acertada ou a que mais me convém». No pormenor, no juízo aplicado a cada caso, somos todos subjectivistas éticos. E há uma modalidade dentro do subjectivismo, não solipsista, que sustenta que a verdade reside somente na minha subjectividade, estando todas as outras mergulhadas no erro. Em que é que isto é auto-refutante?
Existem, aliás, quatro formas de subjectivismo - descoberta minha, não do Joahnes Hessen nem do James Rachels, nem do Peter Singer nem do Simon Blackburn nem do Martin Heidegger - que não vou aqui, neste artigo, explanar. A realidade gnosiológica é uma floresta bem mais rica e luxuriante do que parece à primeira vista...
Repare-se nesta equívoca definição:
«Segundo o subjectivismo moral, os juízos morais são verdadeiros se forem objecto de aprovação individual.» (Luís Rodrigues, ibid, pag 158).
Eis uma definição simplista, parcialmente errónea. Há subjectivistas probabilistas, pragmáticos, que formulam e aprovam juízos morais dos quais duvidam e que, por isso, não são juízos verdadeiros mas envoltos em névoa, provavelmente verdadeiros, como por exemplo o seguinte caso: «Não tenho certezas no plano moral, cada um tem a sua verdade, dou esmola a um pobre uma vez por dia porque talvez isso me purifique e traga boa sorte, mas não sei se este juízo moral favorável à esmola corresponde a algo de verdadeiro». O juízo moral não se torna conteudalmente verdadeiro só pelo facto de ser adoptado por uma consciência individual.
Luís Rodrigues não consegue definir com clareza a natureza dos problemas filosóficos, pois não concebe sequer que estes possuem uma componente empírica.
«Os problemas filosóficos têm duas características importantes:
«1 - São relativos às nossas crenças básicas ou fundamentais;
«2 - São problemas que não podem ser resolvidos pelos métodos das ciências.» (Luís Rodrigues, «Filosofia-10º ano», 1º volume, pag 12)
Nisto imita Desidério Murcho, esse expoente da hiper-análise, a quem cita no manual:
«Ao contrário da física e da biologia, a filosofia não tem um carácter empírico; é um estudo conceptual. Neste aspecto, a filosofia é mais parecida com a matemática, que também não é uma disciplina empírica. Mas a filosofia distingue-se da matemática por várias razões. Em primeiro lugar, não dispõe de métodos formais de demonstração, como a matemática...Em filosofia, pelo contrário, não há métodos formais para resolver problemas»
(Desidério Murcho, A Natureza da Filosofia e o seu Ensino, Plátano Editora, Lisboa, 2002, pag, 57 citado in «Filosofia-10º ano», volume 1, de Luís Rodrigues, pag. 27-28).
É fácil refutar a nebulosa de confusões de Rodrigues e Desidério:
1) Os métodos das ciências resolveram e resolvem numerosos problemas filosóficos, ainda que fique sempre um resíduo filosófico, inefável, para lá da experiência e da teoria científica. Exemplo: a utilização do telescópio por Galileu e astrónomos posteriores resolveu, refutando-a, a filosofia astronómica de Aristóteles que sustentava haver 54 esferas celestes que giravam em automovimento impulsionadas por planetas e estrelas desejosos de chegar até Deus, o pensamento puro. E tantos outros problemas filosóficos a ciência resolveu, fazendo, embora, nascer outros!
2) A filosofia possui métodos formais para resolver problemas: a lógica de predicados, a lógica proposicional, a lógica dialéctica. Na verdade, quando se diz «Segundo a dialéctica, um divide-se em dois, isto é, em cada fenómeno ou ente há uma luta de dois contrários» e aplicamos isso à ideia de conceito, que estamos a fazer senão a resolver um problema (o que é um conceito?) através de um método formal? Descobrimos que conceito, em regra, é o um divisível em dois: a parte empírica e a parte formal-abstracta.
3) A filosofia é empírica e meta-empírica. Exemplo: a filosofia de Kant possui uma vertente empírica na medida em que postula a existência aparente do mundo dos fenómenos (céu, casas, corpos de homens e animais, etc) e uma vertente meta empírica ou metafísica ao sustentar a subsistência das formas a priori da sensibilidade e do entendimento e do mundo dos númenos (objectos incognoscíveis imateriais).
Na terminologia hegeliana, tanto Luís Rodrigues como Desidério Murcho pensam com o entendimento - o pensamento fragmentário e unilateral, que isola o que não pode ser isolado - e não com a razão - o pensamento holístico, que capta a totalidade das determinações.
Diz ainda o referido manual:
«O libertismo é uma resposta incompatibilista ao problema ao problema do livre-arbítrio. Segundo os libertistas, o determinismo é falso (o que significa que algumas acções são livres, não são causalmente determinadas) e o indeterminismo também. Isto significa que nem todas as acções são o desfecho necessário de causas anteriores (negação do determismo) ou o resultado do acaso. O que há de comum entre acções causalmente determinadas e acções aleatórias, resultantes do acaso? Em ambos os casos, as acções não dependem da nossa vontade.»
(Luís Rodrigues, ibid, pag 98; o negrito é nosso).
Há aqui a nuvem de uma extraordinária confusão de conceitos. Em primeiro lugar, há uma violação do princípio do terceiro excluído: o determinismo e o indeterminismo não podem ser falsos em simultâneo, mas Luís Rodrigues afirma que podem.
Os libertistas, isto é, adeptos do livre-arbítrio, não negam, necessariamente, o determinismo, ao contrário do que afirma Luís Rodrigues: os que, entre eles, são compatibilistas, reconhecem que há uma esfera de liberdade que confina com a esfera do determinismo. São, portanto, indeterministas no campo da vontade humana - esta é criadora de acções segundo a sua livre improvisação - e podem ser deterministas ou indeterministas no que se refere às leis biocósmicas. Compatibilismo não é extrínseco a libertismo: todos os compatibilistas - que sustentam haver livre-arbítrio e leis necessárias, não livres - são libertistas, ainda que haja libertistas não compatibilistas.
A noção de libertismo perfilhada por Luis Rodrigues, Desidério Murcho, Simon Blackburn e outros é confusa, errónea. Se falam em determinismo duro ou radical e em determinismo moderado, deveriam falar, simetricamente, em libertismo duro ou radical (que é o que designam por libertismo: liberdade da vontade e liberdade nos fenómenos da natureza) e em libertismo moderado (que é o que designam por compatibilismo: liberdade da vontade humana e não liberdade nos fenómenos naturais).
Esta visão clara falta, em absoluto, a Luis Rodrigues e a Luís Gottschalk, como aliás falta a Simon Blackburn, a Rachels e a tantos renomados teóricos da ética. O panorama dos famosos, na área da filosofia, é, em larga medida, uma fraude. Mantida por editores sem critério profundo e por um público bastante pouco lúcido, filosoficamente falando.
Acções «causadas» e «não causadas», confusões de um manual de Filosofia (Crítica de manuais escolares)
No manual português Filosofia 10º ano, de Luís Rodrigues, da Plátano Editora, manifesta-se uma confusão entre as noções de «acção causada» e de «acção não causada». Diz o manual:
«Transformar o indeterminismo em posição filosófica é defender que as acções livres são acções não causadas. Por mais que esta ideia possa parecer simpática ao defensor do livre-arbítrio, encerra vários problemas:
1 - Acções não causadas são simplesmente algo que nos acontece, o que não parece coadunar-se com a noção de acção como algo que acontece por nossa iniciativa.
2 - Acções não causadas ou imprevisíveis são acções que escapam ao nosso controlo, o que não parece coadunar-se com a ideia de livre-arbítrio, isto é, de que há acções que dependem da nossa vontade.
3 - Se uma acção não é causada então propriamente não é da minha autoria e por ela não posso ser responsabilizado. Só somos responsáveis pelas acções que resultam da nossa vontade e não do acaso» (Luis Rodrigues, Filosofia 10º ano, pag 90).
Luís Rodrigues, como aliás outros autores, adultera o conceito de acção não causada identificando-o com o de acção não causada por mim (sujeito). É subverter a semântica: ninguém pensa bem se distorcer o significado das palavras. A semântica (lógica informal) prevalece sobre a lógica formal.
Ora, afinal, ao contrário do que defendem Rodrigues e os seus amigos, são também causadas as acções geradas por outrem, ou pelo sistema de causas e efeitos invariáveis designado por determinismo, ou pelo destino. A queda de uma maçã é uma acção «incausada»? Ou é uma acção causada pela lei da gravidade e pela deterioração do pedúnculo da maçã?
Ao sustentar que há acções não causadas, Luís Rodrigues nega o princípio da razão suficiente formulado por Schopenhauer segundo o qual «nada acontece sem causa, sem uma razão que lhe dê origem.»
Parece óbvio que a principal fonte filosófica que informa Luís Rodrigues, Desidério Murcho, Aires Almeida, Pedro Galvão, Paula Mateus, Pedro Madeira, António Paulo Costa e outros autores de manuais é o tão famoso quanto confuso catedrático Simon Blackburn cuja definição de indeterminismo Luís Rodrigues cita:
INDETERMINISMO
Concepção segundo a qual alguns acontecimentos não têm causa: limitam-se a acontecer e nada há no estado prévio do mundo que os explique. Segundo a mecânica quântica, os acontecimentos quânticos têm esta propriedade.
(BLACKBURN, Simon, (1997.) Dicionário de Filosofia, Lisboa, Gradiva, pag 226).
Segundo diversos físicos, a mecânica quântica não sustenta a inexistência de causas: afirma, sim, que as causas são livres, isto é, a mesma causa produz efeitos diversos, não sendo possível estabelecer regularidades exactas. Indetermismo não é, pois, a não existência de causas. É a não existência da série de causas A ligadas infalivelmente à série de efeitos B, isto, é, constitui a negação do determinismo.
Inexistência de causas designa-se por acausalismo.
É também errónea a definição de determinismo dada por Luís Rodrigues:
«O determinismo é a doutrina segundo a qual todos os acontecimentos têm uma causa. Por outras palavras, tudo sem excepção é resultado ou efeito de causas anteriores.»
(Luis Rodrigues, Filosofia 10º ano, pag 88).
Isto corresponde ao conceito de causalismo. O princípio do determinismo é outro e formula-se assim: nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos.
Com tantas nuvens de confusão nos manuais de Filosofia adoptados em Portugal - e certificados por uma autoridade nacional! - não é de estranhar que os professores e alunos deslizem, como aviões desgovernados, nos céus da Filosofia.
Confundir a Indução com a Dedução (Crítica de Manuais Escolares)
No Manual português «Filosofia 10º ano» de Luís Rodrigues lê-se:
«Um argumento indutivo é válido quando é improvável (ou muito pouco provável) , mas não impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.»
Consideremos o seguinte argumento:
Todas as pessoas que comeram no restaurante Zodíaco ontem à noite ficaram doentes. Logo, a comida estava estragada. Trata-se de um bom argumento indutivo.»
(Filosofia, Volume 1, Luís Rodrigues, Plátano Editora, pag 54-55).
Crítica: definir o raciocínio indutivo como aquele em que é bastante improvável que sendo as premissas verdadeiras a conclusão seja falsa é sinal de uma certa vacuidade intelectual; esta definição nebulosa também se pode aplicar ao raciocínio de analogia.
E o exemplo referente ao restaurante Zodíaco parece ser uma dedução e não uma indução. Vejamos o corpo total dessa dedução, desocultando a premissa oculta:
Todas as pessoas que ficam doentes após comer num restaurante é por ingerir comida estragada.
Todas as pessoas que comeram no restaurante Zodíaco ontem à noite ficaram doentes.
Logo, a comida estava estragada.
Vê-se pois, uma vez mais, que os manuais de filosofia no ensino secundário em Portugal - a maior parte dos quais gerados pelos parafilósofos analíticos da Sociedade Portuguesa de Filosofia, lobby poderoso no mundo editorial - abundam em erros que os professores criteriosos devem, inteligentemente, desmontar nas aulas.
1. Desidério Murcho, A Natureza da Filosofia e o seu Ensino, Plátano Editora, Lisboa, 2002,
2. Luís Rodrigues, Filosofia 10º ano, volume I, consultor Luís Gottschalk, Plátano Editora, Lisboa
3. Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, Lisboa, Gradiva, 1997
Autor:
Francisco Limpo de Faria Queiroz
f.limpo.queiroz[arroba]sapo.pt
www.filosofar.blogs.sapo.pt
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