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Segundo Silva (2004, p. 64), o universo das localidades brasileiras constrói um quadro no qual se identificam sete tipos distintos de destinações: cidades históricas, cidades com temáticas européias, praias urbanizadas, praias rústicas, cidades do interior, complexos turísticos e centros metropolitanos.
As cidades históricas são caracterizadas por apresentarem "centros históricos", núcleos que por diversas razões são preservados da destruição e permanecem íntegros, ou parcialmente íntegros, com o seu traçado urbano e suas edificações originais (Camargo, 2006). O município de Mariana apresenta tais traçados, pertencendo ao grupo de cidades brasileiras, localidades geralmente pequenas e pitorescas, remanescentes do período colonial e imperial brasileiro (SILVA, 2004).
No que se refere à preservação e utilização dos seus bens histórico-culturais, nota-se que há na história local elementos que contribuíram para a manutenção dos seus prédios e ruas, tais como o deslocamento dos maiores fluxos demográficos para Belo Horizonte nos séculos passados, e certo desprezo por parte dos cidadãos daquela época pelos casarões e edifícios que remetiam a um período que já tinha gerado muito lucro, mas que passou a gerar dívidas e sofrimentos no período posterior ao declínio do ciclo do ouro.
Dentre os atrativos mais famosos destas cidades, destacam-se as reduzidas áreas urbanas e as composições de espaços livres e construídos diferenciados, como ladeiras com casarões, praças, largos, igrejas, ruas centenárias, construindo cenários extremamente atrativos para o turista cultural, principalmente aqueles moradores de cidades grandes, que buscam estes destinos para um contato com o ar melancólico que as ruas e construções podem oferecer, além do clima histórico e nostálgico que estes lugares oferecem.
Tais atrativos são considerados como bens patrimoniais que são construídos através da cultura local, ou seja, conferem identidade e orientação para aquela população, e servem como pressupostos básicos para que esta se reconheça como uma comunidade única, inspirando valores ligados à pátria, à ética e à solidariedade, e estimulando o exercício da cidadania, através de um profundo sentimento de pertencer a um lugar e também de continuidade histórica.
A Rua Direita, além de ser um patrimônio cultural, pode também ser considerada como sendo patrimônio arquitetônico, uma vez que estes estão relacionados com as características do meio natural onde se localiza, mas fundamentalmente com a história e com a cultura (Norrild, 2000). Pode-se afirmar que o patrimônio cultural é considerado como uma tentativa de se restabelecer vínculos com a tradição perdida, com a era passada, com os costumes que hoje não existem mais, e que encantam àqueles que buscam este tipo de experiência através da prática do turismo cultural.
Assim sendo, quando um visitante passa a se interessar em conhecer a Rua Direita, este não se interessa apenas pelos pés-de-moleque que enfeitam o seu caminhar, pelas calçadas em pedras lisas, ou pelos seus casarões que abrigam desde museus a comércios e residências. O visitante se interessa pela história que é contada através do silêncio de cada edificação, através de cada experiência que pode ser imaginada através de pinturas, ou mesmo por "casos" contados pelos moradores, que através de suas próprias histórias a vivenciam de uma forma mais viva e repleta de significados.
Através da própria história e cultura, os sentimentos que o patrimônio evoca são transcendentes, ao mesmo tempo em que sua materialidade povoa o cotidiano e referencia fortemente a vida das pessoas. Patrimônio histórico-cultural é, portanto, a soma dos bens culturais de um povo. O patrimônio cultural dos mineiros, por exemplo, é o conjunto dos bens culturais de Minas Gerais, portadores de valores que podem ser legados às gerações futuras. É preciso destacar que a autenticidade e a originalidade mesclam-se com a sensação de "volta ao passado", aspecto explorado nas decorações dos hotéis, bares, restaurantes, folhetos turísticos e cartazes.
De um modo geral, o apelo turístico recai sobre as feições mais pitorescas dessas cidades, cultivadas pela manutenção da cultura tradicional, vivenciadas de maneira mais clara no Turismo Cultural, que possui densa simbologia, sendo um importante instrumento utilizado pela memória coletiva, uma vez que une os habitantes, e posteriormente os visitantes, em torno do mesmo objetivo: a possibilidade de, no presente, vivenciar o passado, e assim entrar em contato com uma época que não existe mais.
Na cidade de Mariana, destacam-se praças, largos, chafarizes, museus e igrejas dos séculos passados que através de práticas de preservação unem o bem estar dos turistas ao sentimento de pertença a valorização da própria comunidade. Dentre todos estes elementos, a Rua Direita se destaca tanto por sua conservação, pelo grande número de prédios históricos, museus, além de ser o caminho percorrido pelos visitantes para conhecerem outros atrativos do município.
Neste cenário, é necessário destacar que as relações entre a atividade turística e o meio ambiente, seus impactos nos patrimônios determinam a prosperidade da atividade nesta sociedade. A configuração do patrimônio engloba toda a configuração cultural e urbana local, incluindo elementos como locomoção, lazer, recreação, compras, moradia, trabalho, identidade e religiosidade dos moradores locais.
Um problema fundamental que precisa ser solucionado para que o turismo possa gerar importantes benefícios ao município onde ocorre é sobre a tensão entre a necessidade de se conservar a malha física da cidade, ou seja, o centro e a sua paisagem, e a demanda das atividades que ocorrem nesses espaços ou que para eles são atraídas. É necessário criar condições para que os visitantes e os residentes se beneficiem desta importante manifestação histórica que continua ainda hoje viva aos olhos de quem a vê.
Simultaneamente, é cogente observar a relação dos impactos gerados pelo turismo e determinado patrimônio cultural, já que muitos conflitos podem surgir como resultado de uma convivência espacial inconveniente do turismo com o meio ambiente histórico. O dano físico possível, intencional ou não, deve ser considerado para que a atividade não gere um número de danos maior do que os benefícios oferecidos aos moradores pela atividade.
Atuando de forma conjunta com o interesse e investimento público, a atividade turística local é também um elemento que fortalece os interesses na manutenção e conservação do patrimônio, uma vez que, para "vender" o espaço da Rua Direita como um exemplo vivo do período colonial, para que os guias possam, ao caminhar com os turistas pela sua calçada, descrever os acontecimentos históricos e assim construir uma inter-relação entre o passado e o presente, este patrimônio precisa estar preservado, cuidado, valorizado, ser respeitado pela população, e, principalmente, precisa ser considerado como um elemento de forte expressão na cultura desta população.
A educação patrimonial e ações políticas para a valorização da própria cultura são iniciativas que devem ser oferecidas à população local, já que "a busca de preservação se manifesta por processos educativos e de valorização patrimonial que permitem pensar o turismo como um instrumento de sua execução e não o contrário" (Meneses, 2004, p. 100).
É preciso interagir e integrar a este patrimônio toda a sociedade local, para que este bem não tenha significado e valor somente para os visitantes, e sim, e principalmente, para os moradores que convivem com o local por toda a vida, evitando-se assim que a Rua Direita se torne apenas em um corredor comercial de vendas de artesanatos e visitas a museus, ações que servem para satisfazer as necessidades dos visitantes, mas que não se preocupam integralmente com a dinâmica do local. Deve-se agir buscando acentuar os benefícios do turismo, uma vez que este não ocorra de forma desordenada, o que termina por prejudicar a comunidade local.
Para que assim o conjunto arquitetônico da Rua Direita possa se beneficiar através de leis de incentivo que otimizem a utilização tanto turística quando pública destes patrimônios, a cidade de Mariana possa obter destes bens um instrumento para manter viva a sua história, construindo a constante relação entre o seu passado e o seu presente, uma vez que através de cada detalhe desta rua e dos outros patrimônios se montam em um quebra-cabeças a história do município.
Por tudo o que foi exposto no presente estudo, pode-se concluir que o turismo cultural possui um papel importante na preservação e utilização dos patrimônios culturais tanto materiais quanto imateriais, contribuindo para a manutenção dos lugares históricos como exemplos vivos de uma história importante não apenas para os moradores locais, mas também para um âmbito maior, através de pessoas de outros lugares que se deslocam para conhecer aquela cultura. Pelo contato com este conjunto arquitetônico, bem como através de inúmeros outros monumentos e bens culturais locais, se vive e se compreende um pouco da história do próprio Brasil.
A atividade pode converter a utilização deste patrimônio em oportunidade para o crescimento de demandas turísticas atraídas por motivações predominantemente culturais, ajudando a fortalecer a própria cultura local, uma vez que este tipo de turismo obtém na memória e na identidade de cada localidade elementos essenciais para o seu desenvolvimento.
Entretanto, é preciso levar em consideração a necessidade da implantação de ações de planejamento que englobem toda a atividade turística local, buscando diminuir os aspectos negativos gerados, e aumentar os aspectos positivos em relação às mudanças geradas pela atividade. Cooper et. al. (2001) afirmam que os impactos socioculturais do turismo podem se dar de inúmeras formas, envolvendo aspectos que vão desde o artesanato e outras manifestações culturais até o comportamento dos indivíduos.
Enfim, a Rua Direita deve ser considerada como elemento vivo na cultura marianense, e que pode e deve ser trabalhada pela atividade turística desde que respeitada a sua identidade enquanto patrimônio histórico-cultural pertencente àquela população. Elemento vivo da história local, o local apresenta aos visitantes uma forte ligação do presente com o passado, e, através da prática do turismo cultural, transpassa as barreiras daqueles que já a conhecem, e se torna elemento vivo de identidade mineira, que vai além das suas montanhas, através da sua interessante cultura.
A importância da utilização correta e responsável do patrimônio pela atividade turística reside em sua capacidade de estimular a memória das pessoas historicamente vinculadas à comunidade, contribuindo para garantir sua identidade cultural e melhorar sua qualidade de vida. Assim, neste processo é preciso dar o devido valor à comunidade local, que é a verdadeira responsável e guardiã de seus valores culturais, uma vez que esta produziu e mantém os bens culturais que o compõem.
BARRETTO, Margarita. Turismo e legado cultural: as possibilidades do planejamento. Coleção Turismo. 2ª Edição. Campinas, SP: Papirus, 2001.
BATISTA, Cláudio Magalhães. Memória e Identidade: aspectos relevantes para o desenvolvimento do turismo cultural. Caderno Virtual de Turismo, 2006.
CAMARGO, Haroldo. Patrimônio e Turismo, uma longa relação: história, discurso e práticas. Revista Eletrônica Patrimônio: Lazer e Turismo. Unisantos, 2006.
COOPER, Chris; FLECHTER, John; GILBERT, David; SHEPPERD, Rebecca; WANHILL, Stephen. Trad. Roberto Cataldo Costa. Turismo: princípios e prática. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
GONÇALVES, José Reginaldo. Autenticidade, memória e identidades nacionais: o problema dos patrimônios culturais. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 1, n.2, 1998.
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MENESES, Jose Newton Coelho. História & Turismo cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
NORRILD, Juana A. Patrimonio: Características y uso. In: NORRILD, Juana; SCLÜLETR, Regina G. Turismo y patrimonio em el siglo XXI. Centro de Investigaciones y Estúdios Turísticos – CIET – Buenos Aires, 2000.
SILVA, Maria da Glória Lanci da. Cidades históricas: identidades e cenários de lazer. São Paulo: Apeph, 2004.
PIRES, Mario Jorge. Levantamento de atrativos históricos em Turismo – uma proposta metodológica. In: LAGE, Beatriz Helena Gelas; MILONE, Paulo César (Orgs.). Turismo: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2000.
Autor:
Mariana Elias Gomes
marianaeliasgomes[arroba]yahoo.com.br
Bacharel em Turismo pelo Unicentro Newton Paiva (Belo Horizonte, MG); Mestranda em Cultura e Turismo pela UESC – Ilhéus, BA. Bolsista da Fapesb.
Fonte: Revista Partes
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